Pensando em mercado, Globo foca conteúdo na 'nova classe C'
- Mariana Trigo
Os temas atuais da teledramaturgia têm sido pensados para criar cada vez mais identificação com a chamada "nova classe C" nas televisões abertas. Próspera e voraz como consumidora, ela está na mira dos anunciantes de produtos populares, de setores como supermercados e lojas de eletrodomésticos. E contribuem para alimentar o ávido consumo dessa classe que, segundo o diretor geral da Globo, Octávio Florisbal, quer passar a ser retratada em histórias que mostrem seus cenários e cotidiano.
Mas a certeza de que a classe C quer se ver na teledramaturgia só deverá ser confirmada a longo prazo, com a comparação geral de audiência entre as tramas. Mas este crescente interesse da Globo em investir nesse setor se deve também à boa e estável audiência de programas que a retratam como A Grande Família e Tapas & Beijos. E também em novelas como Avenida Brasil. Na história, Murilo Benício interpreta Tufão, um ex-jogador de futebol bem-sucedido, que prefere continuar morando no subúrbio. Seu núcleo, porém, denota uma visão preconceituosa a respeito da "nova classe C", ao mostrar suburbanos sempre aos gritos e desprovidos de qualquer estofo cultural e acadêmico. Já em Cheias de Charme, os autores estreantes Filipe Miguez e Izabel de Oliveira retratam o universo das domésticas, a vida no morro e a alusão a ritmos populares, como kuduro, eletroforró, tecnobrega e sertanejo universitário, entre outros. "A Globo está mais preocupada com a popularização do conteúdo. Desde que a economia brasileira se estabilizou e a classe C se destacou com maior poder de compra, temos de direcionar nossa teledramaturgia para esse público", ressalta Florisbal.
No entanto, para o autor Lauro César Muniz, que acaba de estrear a novela Máscaras, na Rede Record, essa nova classe C que possui uma renda familiar com teto de pouco mais de R$ 5 mil por mês, sempre prestigiou as tramas que mostram as classe mais abastadas, com temas mais analíticos, políticos ou glamourosos. Segundo Lauro, a diferença é que nas décadas de 1970 e 80, o público mais desprovido assistia às novelas em pequenos televisores preto e branco, enquanto as classes favorecidas viam em TVs a cores. "Eu navego contra a corrente dessa popularização. A classe C está sendo chamada de idiota, anestesiada pela enorme quantidade de má dramaturgia nacional e americana. Temos de voltar a produzir novelas de qualidade, como nas décadas de 1970 e 80", critica o autor.
Segundo João Emanuel Carneiro, de Avenida Brasil, e os autores estreantes Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, que assinam Cheias de Charme, ambas na Globo, nenhuma das tramas foi uma "encomenda" ou "imposição" de roteiro estabelecido pela direção da emissora para fisgar a classe C emergente. Mas, obviamente, ao saberem o interesse da emissora neste segmento, os autores passaram a direcionar suas sinopses com tramas voltadas para esse público. Para Izabel de Oliveira, a intenção foi falar sobre brasileiros que têm mudado de vida nos últimos 10 anos. Eles tiveram um aumento de poder de compra, o que faz com que também comecem a eleger modismos, como os ritmos mais populares que embalam a história. "Eu e o Filipe queríamos falar sobre a autoestima dessa nova classe social. Mas a novela é para todo mundo", explica Izabel. "A emissora não me pediu nada. Nenhuma encomenda me foi solicitada. Escrevi sobre a efervescência do consumo e do poder de compra dessa 'nova classe C'. Mas o meu subúrbio é inventado sem compromissos sociológicos", jura João Emanuel.
Mesmo diante da negação de encomenda de sinopses pelos autores, fica evidente que o que move as emissoras a investirem nessa popularização é atrair os anunciantes desse público que já chega a mais de 110 milhões de pessoas. No mercado de TV por assinatura, por exemplo, o caminho é semelhante. Em 2008, a classe C representava 17% dos assinantes, enquanto que em 2010 esse número passou para 21%. Atualmente, a TV paga está com 13 milhões de assinantes e tem perspectiva de crescimento para 24 milhões até 2015. "Atualmente a nova classe C também tem televisão por assinatura. Fazer uma trama sobre esse público e no subúrbio faz com que a novela tenha um colorido que A Favorita não tinha. Eu não escolhi falar sobre o futebol, por exemplo, mas aderi por ser bem popular e retratar o cotidiano da nova classe C", explica João Emanuel.
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O que comprova a preocupação das emissoras em direcionar parte de suas produções para as classes mais populares são as novas diretrizes do Jornalismo, principalmente da Globo. Segundo Carlos Henrique Schroder, Diretor Geral de Jornalismo e Esportes da emissora, cada vez mais a Globo investe em uma maior interatividade com o público, matérias de mais fácil entendimento e maior aproximação com o telespectador das periferias, com as redações móveis. Prova disso tem sido as mudanças dos telejornais locais, que estão cada vez mais inseridos nas comunidades menos abastadas. Em, breve, essas alterações também atingirão as produções nacionais de telejornalismo.
Atualmente, os telejornais têm utilizado mais vídeos amadores e concentrado bastante o foco de suas atenções com matérias de interesse desse público e no deslocamento de equipes para retratar as necessidades da nova classe C. "Estamos nos aproximando mais do telespectador das periferias. Temos também um estúdio móvel em São Paulo que teve entrevistados como o Neymar. Queremos atingir mais a 'nova classe C'" explica Schroder. "Hoje em dia, essa classe tem mais presença, mais opinião. Eles ascenderam e temos de atendê-los melhor", completa Octávio Florisbal.