Público que não quer pensar obriga Globo a mutilar novela
Mudanças em ‘O Outro Lado do Paraíso’ visam agradar telespectador que prefere humor a discutir problemas sociais
Um povo que lê pouco, tem preguiça de fazer política e só vê filme nacional quando é comédia rasgada não teria mesmo como aprovar a substanciosa dramaturgia de ‘O Outro Lado do Paraíso’.
Não é uma novela para fazer rir, e sim um folhetim recheado de temas relevantes e, inexplicavelmente, pouco discutidos pela sociedade brasileira (leia-se na família e na escola).
Pesquisa de opinião realizada pela Globo mostrou que os telespectadores – surpresa! – querem mais humor e menos drama.
Como a TV é refém da audiência (e do consequente faturamento), o autor Walcyr Carrasco e o diretor artístico Mauro Mendonça Filho se viram obrigados a mudar o rumo da trama. Uma nova fase começa hoje.
Nos últimos capítulos, houve aceleração dos acontecimentos ao mesmo tempo em que os dramas mais pesados foram atenuados.
O novo ritmo é interessante, mas pode atrapalhar a essência do enredo. Por exemplo: Clara (Bianca Bin) vai ficar menos tempo do que se imaginava no hospício – e sua estadia não parece um tormento insuportável, o que daria maior impacto para a fuga e a motivação ao plano de vingança.
As alterações impostas pelo telespectador vão amenizar os dramas mais tensos e polêmicos. Com isso, perderão espaço as discussões a respeito de epidemias atuais e gritantes da sociedade brasileira, como a homofobia, a pedofilia e a intolerância ao ‘diferente’.
O levantamento feito pela emissora indica o interesse do público por mais humor, o que realmente falta no folhetim, e menos ‘problematização’.
Ou seja, os noveleiros querem apenas se distrair, e não serem incitados a discutir temas indigestos à tradicional família brasileira.
Lamentável. ‘O Outro Lado do Paraíso’ lançou questões relevantes e urgentes, negligenciadas nas conversas da maioria das pessoas, ainda que presentes em milhões de lares. O desejo de alienação venceu mais uma vez.
Telenovelas recentes prestaram verdadeiro serviço social ao lançar o debate de mazelas desconfortáveis, como o lado sedutor do crime (‘A Força do Querer’), a corrupção na política (‘A Lei do Amor’), o coronelismo brutal no Norte/Nordeste (‘Velho Chico’) e a violência doméstica (‘A Regra do Jogo’).
A ficção cumpre um papel valioso ao retratar nosso pior lado – porém, a maioria de nós ainda prefere não encarar essas deformações que fazem do Brasil um País ainda tão retrógrado.
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