Script = https://s1.trrsf.com/update-1765224309/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Rochelle Jordan: 'Quero que estejamos ouvindo 'Through The Wall' aos 80 anos'

Artista levou 15 anos quebrando paredes como independente para lançar Through The Wall (2025), álbum comparado a Sade, Donna Summer e Madonna

12 dez 2025 - 09h12
Compartilhar
Exibir comentários

Como nasce um clássico? É uma pergunta que persegue artistas, críticos e ouvintes desde sempre. Quando uma obra atravessa a linha invisível entre "novo lançamento" e "obra atemporal"? Acontece no dia do lançamento, quando as primeiras críticas chegam? Um mês depois, quando os números de exibição explodem? Um ano, quando o álbum ainda está nas conversas? Uma década, quando a nostalgia o resgata? Ou só gerações depois, quando vira referência obrigatória para quem vem depois?

Foto: Divulgação / Rolling Stone Brasil

A verdade incômoda é que ninguém decide isso sozinho. Não é a crítica, não é o público, não são os números. É uma alquimia estranha entre tempo, relevância e algo indefinível que faz certas obras permanecerem enquanto outras, igualmente celebradas no lançamento, desaparecem. Um clássico se prova sendo clássico — resistindo, ressoando, recusando-se a envelhecer.

Talvez Rochelle Jordan esteja vivendo isso agora.

A cantora, compositora e produtora britânico-canadense celebra três meses do lançamento de Through The Wall (2025), um álbum que vem sendo comparado pela crítica internacional a obras de lendas como Sade, Donna Summer e até mesmo Madonna. Com notas altas em diversos sites, milhões de exibições globais na carreira e um apelo enorme dos fãs de longa data e os novos, Rochelle finalmente chegou onde sempre quis estar, mas o caminho até aqui não foi nada fácil.

Em conversa exclusiva com a Rolling Stone Brasil, a artista abriu o coração sobre os 15 anos como independente, a síndrome do impostor que quase a destruiu, e como Through The Wall é literalmente o som de alguém atravessando a última parede que faltava derrubar. "Este álbum é a sensação de ter finalmente atravessado essa última parede", diz.

E se você está se perguntando por que um disco lançado em 2025 soa como algo que você vai querer ouvir daqui a 50 anos, Rochelle tem a resposta: "Quero que a gente esteja nos nossos 80 anos ouvindo Through The Wall e colocando no vinil. Um corpo de trabalho que pode durar uma vida inteira é a única coisa que me interessa".

As paredes mais difíceis de quebrar

"A parede mais difícil de derrubar foi a parede de merecer o que eu queria para mim mesma como artista", conta Rochelle. A síndrome do impostor é real, e ela enfrentou isso durante anos. "Entre 2014 e 2019 foram anos muito difíceis, sentindo o impacto de ser uma artista independente".

Ser independente por 15 anos tem seu lado bonito, como o controle total sobre o som, a imagem, a identidade, mas tem o lado que ninguém quer ver: "Se você perde sua identidade, você perde a si mesma", observa. A ideia também implica em bater em parede após parede: "Você fica tentando, tentando, tentando e simplesmente não funciona. Você não tem recursos para realizar as coisas do jeito que vê todo mundo que está em uma grande gravadora conseguindo fazer. Fica muito cansativo, exaustivo".

O medo e a autodúvida começaram a se infiltrar. E se manifestavam de formas estranhas. "Eu não celebrava minhas vitórias. Eu criava um álbum e nunca mais ouvia de novo. Só queria ir para o próximo". Essa falta de autocelebração foi algo com que ela precisou acordar. "Tive que me olhar no espelho e dizer: 'O que há de errado com você? Você não está vendo o que está fazendo e a cultura que está movendo e mudando?'"

Porque o fato é: as pessoas estavam ouvindo. "Grandes gravadoras, executivos estão ouvindo seu som. Estão vendo quem você é. Você é uma influência". Rochelle precisava acordar para isso. E quando acordou, as coisas começaram a mudar.

"Foi quando comecei a ter que enfrentar a mim mesma. Realmente ter que dizer não para as pessoas. Realmente colocar o pé no chão e me tornar essa vadia, eu acho, mas foi eu descobrindo minha voz. Tipo, ok, eu tenho que levar isso a sério. Eu também sou uma mulher de negócios".

Tudo isso está em Through The Wall. "Quando você está ouvindo o disco e ouve como eu sou mandona, ou como eu sou convencida, estou colocando todo mundo no lugar e também celebrando, você pode ouvir o ânimo na música. É por causa dessas paredes que tive que derrubar e por causa da autoconfiança que realmente começou a crescer dentro de mim".

É uma nova era. "É a autorrealização como mulher."

"Você precisa viver para que a música realmente ressoe"

E essa autorrealização demorou para chegar. Through The Wall levou quatro anos para ficar pronto. E ela é categórica sobre isso: "Você precisa viver para que a música ressoe realmente com as pessoas. Você não pode apressar grande arte".

É experiência. É vida sendo vivida. "Algumas pessoas estão procurando validação rápida e tudo bem, mas vai ser mais difícil para você causar um impacto real e mudar vidas através da arte e da música se você não passou pelo fogo como artista".

Ela andou pelo inferno, mas manteve os olhos na luz — que é a música e o amor, sempre com um propósito. "Se não fosse por eu permanecer fiel a isso, eu não sei se estaria aqui. Então, estou muito orgulhosa de mim mesma por apenas permanecer fiel a quem eu era e seguir a luz ao longo da jornada, não importa o quão difícil ficasse".

Agora, ela se sente imparável. Mas não está se perdendo no sucesso. "Estou apenas me rendendo ao que Deus tem na minha frente. Quanto mais você luta, mais estressada fica. Então, estou apenas aceitando todas as coisas boas que estão acontecendo. São muitas orações antigas ganhando vida agora, de repente".

Ela entendeu que coisas que ela pediu há anos estão acontecendo agora, mas ela não está se deixando levar. "Ainda sou muito uma artista focada. Estou fazendo todas as tarefas, garantindo que as faço da melhor maneira possível, me preparando para o que vem a seguir. E para fazer isso, preciso estar com a mente clara e pé no chão. Então, estou celebrando, mas estou trabalhando. É isso que está acontecendo agora".

17 faixas contra a lógica da exibição

Through The Wall tem 17 faixas e quase 60 minutos. Em tempos de TikTok e cortes de 30 segundos, isso é praticamente uma declaração de guerra. E Rochelle sabe disso.

"No começo de fazer este álbum, eu estava tipo, vou dar a eles só oito ou dez músicas porque ninguém ouve álbuns mais e ninguém tem capacidade de atenção para isso". Ela lutou contra, lutou muito. "E em um ponto no meio deste álbum, eu simplesmente recebi uma mensagem de Deus dizendo: 'Você não pode controlar isso. Você precisa fazer um álbum que importa para você e que você ama. Eu não me importo com quantas músicas ou menos músicas'".

E acabou sendo 17 músicas. "Eu honestamente nem consigo acreditar porque estou acostumada a ser tão rigorosa sobre isso. Mas sinto que havia apenas um fio de música, uma linda história e sentimento que precisavam ser totalmente explorados".

E aqui está a coisa: ela acredita que as pessoas ainda estão ouvindo. "Nós ainda queremos arte. Ainda queremos nossas almas sendo alimentadas. E eu acho que Through The Wall é um grande exemplo da esperança que ainda devemos ter na humanidade, na música e na arte".

Vivemos num mundo apressado — micro-ondas, IA, "me dá rápido, rápido, rápido". Rochelle quer ser uma das artistas que consegue desacelerar o ouvinte. "Quero que apreciem o corpo de trabalho e vivam com ele por anos. Não quero que o álbum seja apenas um lampejo".

Todo MJ precisa de um Quincy Jones

Se há um segredo por trás do som consistente de Rochelle Jordan, ele tem nome: Clash. Produtor executivo, colaborador de 17 anos, a pessoa que conhece Rochelle melhor do que ninguém musicalmente.

"Nós formulamos nosso som. Se você ouvir nossos trabalhos mais antigos, pode ouvir como éramos brincalhões e imaginativos. Nos orgulhávamos de Rochelle Jordan sendo uma voz líder para o que é uma nova maneira de fazer sons antigos e sons novos".

É Clash quem traz os produtores incríveis. Terry Hunter de Chicago? Foi Clash. "Ele falou: 'Ei, você precisa trabalhar com Terry Hunter. Ele seria perfeito para este álbum'". Kaytranada? Clash a apresentou em 2014. MPH, produtor do Reino Unido? Também foi Clash.

"Então, escutamos as batidas desses produtores juntos e ele me ajuda a escrever essas músicas ou pelo menos escolher as que estão na direção certa". Rochelle tem sorte de ter alguém que a conhece tão bem para manter a consistência do som e da intenção ao longo de toda a carreira.

"Ele é um gênio. Ele é tipo um novo Quincy Jones. Ele é incrível".

E tem outro talento de Clash: sequenciamento. "Acho que uma grande parte do sucesso de muitos dos meus projetos ao longo dos anos tem sido o sequenciamento. Ele tem um ótimo ouvido para qual música vai depois da outra para te levar por um caminho que parece realmente bom".

É o segredo para fazer músicas tão diferentes se unirem e soarem coesas. "Além da minha voz sendo o fio que puxa tudo, o sequenciamento é fundamental. Se você conseguir acertar o fluxo, você está bem".

A fórmula que funciona

Nostalgia é parte integral do mundo de Rochelle Jordan. "Para cada álbum que eu e Clash criamos, é dedicado aos nossos eus mais jovens".

Lá no início dos anos 2010, quando estavam lançando música com influências dos anos 90, os blogs diziam: "Soa bom, mas nunca vai funcionar. Os anos 90 nunca vão voltar. R&B está morto". Eles ouviram tudo isso e continuaram. "Continuamos permanecendo fiéis ao som do passado, mas também com um toque futurístico. E isso funciona para nós toda vez. E ainda é o que estamos fazendo. É o passado e um toque futurístico. É isso que fazemos".

Rochelle cresceu com uma maleta de fitas cassete sem rótulo que o irmão trouxe da Inglaterra. C.C. Peniston, Crystal Waters, Robin S, Artful Dodgers. Mas também Beres Hammond, Bob Marley. Gospel com Tye Tribbett. Todo o R&B dos anos 90, Faith Evans, Aaliyah, Mariah, Whitney, Luther Vandross. E as garotas pop, Britney Spears.

Além de Janet Jackson, referência constante para Rochelle. Não a de uma era específica — todas as Janets:

Velvet Rope (1997), Janet (1993), All For You (2001), Rhythm Nation (1989). É literalmente todas elas". Quando ela ouve "I'm Your Muse" no álbum, pensa em "Got Til It's Gone". "Aquela linha de baixo liderando. Eu falei: 'Eu quero aquela linha de baixo liderando tipo aquela música'. Porque eu sentia daquele jeito. Então ele deixou mais alto para que você pudesse realmente sentir o ritmo".

Mulher negra na cena eletrônica dos homens brancos

E não para por aí, além de todas essas ideias e referências, Through The Wall é — "Definitivamente", como explica a cantora — um manifesto de empoderamento feminino negro na cena eletrônica.

Foi interessante para Rochelle fazer parte dessa cena depois de Play with the Changes (2021). "Sabendo que tenho uma abordagem diferente do tipo usual de abordagem à música eletrônica". Em qualquer gênero, as pessoas podem se perder apenas no som. "Mas para mim é muito importante colocar uma mensagem e realmente cantar nessas faixas. É por isso que as pessoas ficam tipo: 'Ok, ela é R&B ou é eletrônica? O que está acontecendo aqui?' É porque estou casando ambos".

E há músicas como "Do It 2", "Sweet Sensation", puxando elementos pop. "São músicas muito relacionáveis que você pode ouvir no rádio, refrões grandes. Penso em Michael Jackson e como seus refrões eram grandes, ou Whitney Houston. É tão massivo". A intenção era garantir que as pessoas a ouvissem nesse reino também — o reino pop. E também que pudessem ouvir que ela realmente pode rimar.

Ela vê outras mulheres na mesma missão: PinkPantheress, Kali Uchis, Raveena. "Essas mulheres têm uma abordagem muito forte e marcante de sua própria perspectiva do que é eletrônico, o que é R&B alternativo, o que é música pop. Quebrando essas fronteiras e fazendo suas vozes serem muito ouvidas em uma época em que é muito necessário".

"Somos líderes fortes no que diz respeito à voz do futuro do pop e R&B na dança".

Brasil, ela está pronta

É difícil resumir Through The Wall, mas para Rochelle é evolução. "Acho que é uma evolução porque minha mentalidade mudou. E essa é a maior parte. Apenas percebendo quem sou como artista, independente ou não. Percebendo o trabalho que fiz e o que deixei para trás".

Ela realmente entrou em sintonia consigo mesma — algo que não sentia antes. "Eu poderia ter sentido isso ao criar a música porque sempre fui uma escritora e performer confiante na faixa, mas pessoalmente eu tinha dificuldade em me olhar no espelho e enfrentar a mim mesma".

Com Through The Wall , ela olha para si mesma e diz: "Sim, garota". Ela evoluiu. "Acordei mental e espiritualmente. E isso é algo diferente. Essa é uma evolução".

Nos shows, as pessoas estão gritando tão alto que Rochelle mal consegue se ouvir. "Eu tenho meus fones quando estou cantando, então normalmente só consigo ouvir a mim mesma e a música. Mas nesses shows, baby, eles estão gritando no meu ouvido".

Ela ri. "Tipo, sabe de uma coisa? Deixa eu tirar esse microfone porque vocês conseguem, vocês podem fazer isso". É incrível, muito divertido.

E ela tem uma mensagem para o Brasil: "América Latina, estou pronta para arrasar com vocês!"

Mas afinal, é clássico?

Voltamos à pergunta inicial: como nasce um clássico? A verdade é que ninguém sabe. Talvez Through The Wall realmente se torne uma dessas obras que atravessam décadas, citadas ao lado de Sade, Donna Summer e Madonna como referência obrigatória. Talvez daqui a 30 anos uma nova geração de artistas esteja dizendo "eu cresci ouvindo Rochelle Jordan" da mesma forma que ela diz sobre Janet Jackson. Ou talvez não. Talvez o tempo seja cruel e seletivo, como costuma ser.

Mas aqui está o que sabemos agora, hoje: Through The Wall é um álbum excepcional. São 60 minutos de arte que se recusam a seguir as regras da exibição porque arte de verdade não cabe em 30 segundos. É uma mulher negra atravessando paredes numa cena eletrônica dominada por homens brancos. É alguém levando quatro anos para fazer um disco num mundo que exige um lançamento por mês. São 17 faixas quando todo mundo disse para fazer oito.

Rochelle Jordan atravessou a parede. E do outro lado? Talvez esteja a imortalidade. Ou talvez esteja apenas a próxima parede. Mas ela está lá, imparável, já pensando no que vem depois.

E isso, por si só, já é uma vitória suficiente.

Rolling Stone Brasil Rolling Stone Brasil
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra












Publicidade