No Rio de Janeiro, o jazz sobe o morro
O Rio Jazz Club tem nome pomposo de festa chique, mas ocorre num hostel na ladeira que dá acesso para a favela do Pavão-Pavãozinho
É difícil dizer se algum tipo de música se trata ou não de jazz. Quando havia o antigo Free Jazz Festival, muita gente perdia tempo discutindo se certa atração se enquadrava ou não no estilo. Para mim, jazz sempre foi uma música para se apreciar - de preferência sentado, ombros balançando, mas sempre com atenção, mesmo que eu não seja exatamente um de seus apreciadores.
Olhei com desconfiança para o primeiro amigo carioca que veio me dizer que havia “ido a um jazz” no morro. Havia uma festa só de jazz no Rio? Alguém sobe uma favela para ir numa balada assim? Como um forasteiro morando na capital fluminense há pouco mais de um ano, eu ainda esperava funk e rodas de samba nas comunidades. As pessoas vão numa festa dessas para dançar? Quando todas estas perguntas foram respondidas afirmativamente, me vi obrigado a marcar presença e ver com os meus próprios olhos – e ouvir com os ouvidos, como tem que ser.
O Rio Jazz Club tem este nome pomposo de festa chique, mas ocorre num hostel na ladeira que dá acesso para a favela do Pavão-Pavãozinho, uma das primeiras a receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) no Rio de Janeiro. O valor da entrada é justo, coisa de R$ 20. A cerveja também sai em conta: R$5 uma garrafa long neck de Heineken. Praticamente não se paga só isso para ir a nenhuma boa festa na capital fluminense, o que já ajuda na questão da popularização da festa.
A casa é bonita. Bastante ampla, foi construída no século XX por um embaixador polonês. Além de um salão onde cabem umas cento e poucas pessoas, há “um deck” - um terraço, com bar -, onde é possível tomar um ar quando a coisa fica um pouco mais tumultuada no espaço fechado.
Mesmo que todo mundo que frequente a festa na segunda sexta-feira de cada mês insista em dizer que “foi a um jazz no morro”, as promotoras da festa evitam fazer qualquer associação da balada à favela. “A festa não é no morro. O hostel é no começo da subida para o Pavão-Pavãozinho. Escolhemos fazer o Rio Jazz Club aqui porque a casa é muito legal. Claro que, se alguém da comunidade quiser entrar, está convidado e a gente pode fazer até um desconto”, disse uma das produtoras, Nina Franco, que até organiza outra festa no morro - no caso, a Favela Santa Marta, em Botafogo, também na zona sul.
Mas o pessoal da comunidade não parece se interessar tanto assim por jazz. No dia 5 de abril, havia apenas seis negros na festa – o que pareceu uma pequena aberração para este grande leigo aqui, já que o jazz nasceu pela mão e talento dos afro-americanos como resposta ao esnobismo branco. Pelo menos foi assim que me contaram. Três deles faziam parte do Daniel Santos Quinteto, banda de jazz latino liderada por um uruguaio que mora há cerca de quatro anos no Rio de Janeiro.
Logo na entrada, inclusive, ficou claro que os organizadores tinham dúvidas sérias sobre se integrar à comunidade. Ou sobre a pacificação da favela. Porque cada frequentador era recebido por cinco seguranças. Um na porta, dois no final da escada que vai da porta até um pequeno terraço, outros dois na entrada propriamente dita. Logo adiante, havia mais dois - um cuidava de abrir e fechar a porta do salão rapidamente para o efeito do ar condicionado não se dissipar. No terraço, ficavam pelo menos outros dois ou três, mesmo número que havia dentro do salão
“A primeira coisa que nos chamou a atenção foi mesmo o número de seguranças. São muitos, né? É um negócio até meio ostensivo”, analisou uma estudante de farmácia paranaense que mora há dois anos e meio no Rio e foi à festa com a irmã e um amigo. Eles já haviam morado ali perto e não esperavam ver tantos guarda-costas assim, algo que não bate com uma festa descontraída como o Rio Jazz Club. “É uma região que está bem tranquila. Viemos muito aqui. Nunca senti qualquer insegurança”, disse a entrevistada. A região citada é Copacabana. A ladeira onde fica o hostel Pura Vida é a Rua Saint Romain.
Pelo telefone, perguntei para Dani Cantagalli, a outra produtora da festa, sobre o pessoal que costuma frequentar o Rio Jazz Club. “Ah, é um público totalmente carioca”, disse ela. Mas não foi tão fácil assim trombar com o primeiro deles. Eu sou gaúcho, minha mulher também, assim como um amigo que encontrei por lá. O fotografo Mauro Pimentel nasceu em São Gonçalo - tecnicamente, não é carioca também. E um cara que puxou conversa com a minha mulher enquanto eu conversava com o trio de paranaeses era indisfarçavelmente indiano. Rajesh alguma coisa - perdi o bloquinho onde ele anotou o sobrenome, mas lembrei do primeiro nome por causa do personagem de mesma origem da série The Big Bang Theory.
Rajesh nem sabia que havia uma festa ali toda segunda sexta-feira do mês. Estava hospedado no hostel. Passaria três dias no Rio aproveitando que estava morando por causa do trabalho em Buenos Aires. Desceu para ver o que era aquele barulho e permaneceu junto com seus amigos. Lá pela meia-noite, foi embora. Mais ou menos na mesma hora que a banda de Daniel Santos terminou seu show. Pouca gente se sentiu empolgada em dançar com o jazz latino de Daniel e sua trupe, infelizmente. Mas, às 0h08, a festa mudou totalmente.
O jazz deixou as caixas de som para não mais voltar. O que se ouviu a partir de então foi uma lista de músicas indie famosinhas: The Strokes, The Killers, Two Door Cinema Club e por aí vai. O salão encheu, todo mundo dançou e o clima de uma festa normal tomou conta. Nada contra, mas já havia visto demais. Lá pelas 2h, fui embora.
Outra festa de jazz conhecida no Rio fica no hostel The Maze. O local é interessante: no topo da favela Tavares Bastos, no Catete. Mas também pode chamar a favela de “local onde fica a sede do Bope”, o Batalhão de Operações Especiais mais conhecido do país. Claro, a segurança ali beira os padrões dos bairros mais nobres de Bruxelas. Mas ainda se trata de uma comunidade. E a subida até o The Maze, embora logisticamente fácil – pode-se ir de táxi ou mesmo subir numa das vans que a própria organização da festa disponibiliza -, é um pequeno choque cultural para quem não estava acostumado a cogitar subir um morro no Rio de Janeiro: ruelas estreitas, barracos, pouca luz.
A casa do The Maze é linda, a vista é fantástica e o preço para entrar na festa é mais salgado: R$ 40. Obedece a uma regra básica da economia: quanto maior a demanda, maior a valorização. Em tempos mais remotos, custava os mesmos R$ 20 do Rio Jazz Club. E o som é mais roots, digamos assim. A noite toda toca jazz. Gostem ou não.
Em geral, as pessoas gostam. “O som é muito bom, a casa é muito bonita, esta festa é muito legal”, me disse uma jornalista. Uma turista neozelandesa foi menos complacente com a festa – “Olha que eu gosto de jazz, mas a banda no dia que eu fui era muito ruim. Mas acho que foi só aquele dia, todo mundo fala bem da festa. Era uma banda de Nova York” - do britânico Bob Nadkarni, que mora na Tavares Bastos há mais de 30 anos. Tudo culpa de um navio enguiçado quando o documentarista da BBC estava a caminho do Equador. Nadkarni se apaixonou pelo Rio e resolveu ficar. Quem nunca?