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Lorde, leitora de Clarice, explora versão mais autêntica de si em 'Virgin': 'Feito de sobrevivência'

Em entrevista ao Estadão, a cantora detalha como o trabalho passa pela compreensão de sua identidade de gênero, a relação com o corpo e ideais de feminilidade - e cita inspirações, da cidade de Nova York à escritora brasileira

26 jun 2025 - 20h11
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Vestindo camiseta branca e calça jeans, Lorde canta com semblante soturno no clipe de Man of the Year. Conforme a música cresce, ela tira a parte de cima e cobre os seios com fita adesiva silver tape. "Você me conheceu em um momento muito estranho / Meu amor não consegue acreditar que me tornei outra pessoa / Alguém mais parecido comigo", diz a letra. Então, no chão coberto por terra, ela se entrega a uma coreografia catártica, que não é novidade para quem acompanha sua carreira. Mas, para ela, algo está diferente.

A faixa foi o segundo single do quarto álbum de estúdio de Lorde, Virgin, que chega às plataformas de música nesta sexta-feira, 27, e representa transformações que a cantora neozelandesa de 28 anos vem experimentando. "Virgin captura uma espécie de ruína feminina", conta em entrevista ao Estadão por videoconferência.

"Acho que, para todas as mulheres, há um ponto - muitas vezes no final dos 20 anos - em que você se vê tendo que desfazer nós. Esses grandes nós precisavam ser destruídos para chegar a uma versão mais pura de mim, que está em paz. Foi a oportunidade de acessar algo muito selvagem, primitivo e bastante cru. Entrar no meu corpo de uma forma diferente. Este álbum foi feito de sobrevivência", diz a artista.

A verdade 'nua e crua'

Cada um dos quatro álbuns da discografia de Lorde documentam descobertas das fases da cantora, seja na vida pessoal ou no que diz respeito à arte.

A carreira de Lorde, nome artístico de Ella Yelich-O'Connor, começou aos 13 anos. Em 2013, impulsionada pela música Royals, ganhou fama internacional, àquela época ainda como uma revelação da música pop alternativa. Com a faixa, venceu dois prêmios Grammy. Pure Heroine, álbum do mesmo ano, revelou uma jovem compositora com caneta afiada e um som minimalista. As letras falavam sobre os dramas da adolescência com a honestidade aguda de quem viveu pouco e julga saber muito.

Foi em 2017 que Lorde confirmou ser mais do que uma promessa do pop, com o aclamado Melodrama. No álbum conceitual, canta sobre noites de festa, álcool e drogas, fuga, solidão e o inevitável coração partido. As canções, sempre introspectivas, ficaram mais explosivas com sintetizadores e batidas eletrônicas - marca do produtor Jack Antonoff, queridinho de artistas como Taylor Swift e Lana Del Rey. Coroada popstar, Lorde inspiraria artistas mais novas como Olivia Rodrigo, de 22 anos, considerada ícone da geração Z.

Os fãs e a crítica torceram o nariz quando, em 2021, a neozelandesa pareceu mudar de direção com Solar Power, um álbum mais idílico, inspirado pela natureza e o místico. Naquela fase, Lorde usava tons solares, vestidos longos, e chegou a pintar o cabelo de loiro. Parecia emanar um ideal etéreo de feminilidade, que, agora, rejeita. O conceito escolhido para o primeiro disco em quatro anos não poderia destoar mais do anterior. Para a era Virgin, elegeu um figurino simples e direto, mais andrógino, e tem deixado o cabelo escuro cacheado mais livre do que nunca.

Embora pareçam estar em pontos opostos, Lorde enxerga similaridade entre os dois trabalhos - e rejeita o rótulo de clean girl para a figura de antes. "Não vejo a garota de Solar Power assim. Acho que ela é feroz de um jeito diferente. É um pouco mais quieta, reservada ou algo do tipo", analisa.

O disco fora concebido durante a pandemia, período que Lorde passou na Nova Zelândia. "Foi uma tentativa de entender quem eu era quando ninguém estava olhando para mim. Isso celebrava partes de mim que são muito importantes, mas negava outras, que também são muito importantes. Então, em Virgin, tentei criar um retrato preciso de mim mesma, independentemente de achar que era bonito ou não."

Em vez de certo idealismo, buscou olhar para a imagem com muita verdade. "Apenas confie que isso tem valor, em vez de tentar ser de uma certa maneira ou parecer de uma certa maneira", pensou. Mas é categórica ao dizer que não conseguiria ter criado Virgin sem que Solar Power viesse antes. O significado de tudo isso, ela imagina, vai continuar se revelando. "Também é um mistério para nós, como artistas, por que tudo acontece do jeito que acontece. Mas, sim, é engraçado, é uma transição legal de um álbum para o outro", completa, deixando escapar um riso.

Lorde tampa os seios com fita para clipe de 'Man of the Year': cantora viu sua identidade de gênero expandir e hoje considera estar no 'meio-termo'
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Foto: Thistle Brown/Divulgação / Estadão

Lorde está digitando…

Se naquele momento a artista decidiu jogar o celular fora, como dizia, a era off-line tocando na grama passou, e os aparatos tecnológicos voltam à cena. As redes sociais, por exemplo, têm servido de ponte para se conectar aos fãs.

No clipe de What Was That, primeiro single do novo álbum, Lorde aparece caminhando e pedalando por Nova York, cidade que agora chama de casa, antes de entrar em um túnel e desembocar no Washington Square Park - onde fez um show relâmpago para uma multidão. O anúncio havia sido feito pouco antes. O objetivo era que a produção parecesse mesmo artesanal e amadora, gravada diretamente do celular.

A artista entende muito bem o valor de trazer o virtual para o mundo real, uma tendência crescente no pós-pandemia. Em maio, ela apareceu de surpresa em uma festa temática sobre ela em Sydney, na Austrália, onde cantou e dançou com a galera.

No mesmo mês, a estrela fez uma publicação misteriosa convidando os fãs para encontrá-la no centro de Auckland, sua cidade natal. Centenas de pessoas apareceram e, em grupos de 30, foram conduzidos para um banheiro onde Lorde fez apresentações intimistas de novas músicas.

Lorde também mantém uma newsletter para se comunicar com os fãs. Foi por lá que revelou sua próxima turnê, batizada de Ultrasound World Tour, e a decisão de levá-la para públicos maiores. "Essa música quer ser tocada em salas grandes e muitos de nós deveríamos estar lá", escreveu.

A cantora já veio três vezes ao Brasil para shows em festivais, e, ao Estadão, comenta estar ansiosa para voltar - embora por enquanto só tenha anunciado datas na América do Norte e na Europa.

Nascida na Nova Zelândia, a cantora Lorde vive hoje em Nova York e revela inspiração na cidade.
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Foto: Thistle Brown/Divulgação / Estadão

Inspirações de Charli XCX a Clarice Lispector

Ao conceber o novo álbum, Lorde se sentiu positivamente pressionada pelo impacto de Brat, álbum da amiga Charli XCX que contagiou a cultura pop no ano passado. Na época, a britânica mandou uma indireta para Lorde na faixa Girl, So Confusing, que versa sobre a complexa relação entre duas mulheres na indústria musical, entre admiração, inseguranças e competitividade. Pouco depois, Charli convidou a própria Lorde para uma nova versão da música, um diálogo que funciona como acerto de contas e termina em cumplicidade.

Lorde também buscou inspiração para Virgin na literatura. "Comecei esse álbum lendo muito. Quis ler autoras mulheres que tivessem aquele tipo de intensidade sem remorso, fisicalidade, estranheza. Li Annie Ernaux, Rachel Cusk e Clarice Lispector", revela à reportagem. Em comum, a francesa vencedora do Nobel de Literatura, a britânica elogiada pelo trabalho experimental e a inescapável Clarice têm obras que exploram a experiência feminina de forma introspectiva e visceral, sem fugir dos desconfortos.

Lorde leu, ainda, a americana Nuar Alsadir, a italiana Natalia Ginzburg e a suíça Fleur Jaeggy, dentre outras autoras. É também admiradora de Joan Didion, que reverencia desde a era Melodrama.

A cantora hoje vive em Nova York, depois de ter passado um período em Londres, e tem a metrópole americana como inspiração. "Estava morando na cidade pela primeira vez de verdade e passava muito tempo em espaços comuns. É por isso que você mora em Nova York: para medir essa temperatura compartilhada e entender o que está acontecendo com um grupo inteiro de pessoas, porque você não tem seu próprio espaço", elabora Lorde.

"Como artista, é incrível ter acesso a essas diferentes consciências e sistemas nervosos, em estreita proximidade, todos os dias. As pessoas foram bastante inspiradoras para a fúria do álbum", lembra a cantora. "A beleza dos corpos em sincronia, seja ao atravessar a rua ao mesmo tempo ou pegar a escada rolante para o metrô de uma forma meio coreografada."

Essa leitura, porém, não veio romantizada. "Há uma economia na poesia da cidade e pensei nisso enquanto fazia Virgin, tentei não adornar em excesso. Às vezes, o que é bonito é o lixo em um saco transparente, sabe. Não precisa ser algo bonito de verdade."

Estadão
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