Script = https://s1.trrsf.com/update-1765224309/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

As canções infantis de Justin Roberts tratam de temas sérios

29 abr 2010 - 19h00
(atualizado às 19h12)
Compartilhar
Willy Was a Whale

é uma daquelas canções alegres, bobas mas inteligentes que lideram o movimento de rock infantil dos Estados Unidos. Ela vem completa, com coreografia -braços para cima, formando um grande V por sobre a cabeça-, e encanta a meninada que ocupa as primeiras fileiras nos espetáculos; também inclui uma piadinha -Willy caminha "a estrada inteira até Weno, Nevada", para agradar os pais que compram os ingressos.

Justin Roberts: infantil e adulto ao mesmo tempo
Justin Roberts: infantil e adulto ao mesmo tempo
Foto: Divulgação

» Ouça músicas no Sonora

» Confira letras

» vc repórter: mande fotos e notícias

Justin Roberts e a banda Not Ready for Naptime Players tocam Willy em quase todos os seus shows; a canção é para eles o que Born to Run representa para Bruce Springsteen.

Mas quem ouve Willy no CD Yellow Bus, o segundo dos sete álbuns infantis gravados por Roberts, encontra logo em seguida uma canção que pode chocar. A letra começa com "mamãe está triste, e sei que ela tirou a aliança". A criança na canção tenta animar a mãe oferecendo seus brinquedos a ela -"dei a ela meus bloquinhos de Lego/ mas hoje os blocos não se encaixam"-, e por fim oferecendo seu amor incondicional. "Dei meu coração a ela e não o quero de volta". É difícil ouvir sem chorar.

Quando escreveu Mama is Sad, sentado com seu violão ao ar livre em um dia ensolarado, "eu ri porque pensei comigo mesmo que ninguém escrevia canções infantis assim tristes e deprimentes", disse Roberts em entrevista no começo do mês.

"Como adultos, gostamos de imaginar que a criançada viva nesse mundo de fantasia e inocência", ele acrescentou. "Mas vejo as crianças reagindo ao seu ambiente. A ideia de que uma criança perceba que sua mãe ou pai está triste com alguma coisa, e que tente ajudar, era muito real".

Talvez se possa classificar Roberts como a Judie Blume do rock infantil. Além de divórcio, ele tem canções sobre a morte (Sandcastle, escrita para um amigo que perdeu a mãe), mudar de casa (Moving, para sua mulher, Chris, que é filha de um oficial da força aérea e por isso vivia se mudando), câncer (Roller in the Coaster, para uma amiga de Chris) e demonizar os inimigos (Maybe the Monster, vagamente inspirada nos atentados do 11 de setembro). Nessas e outras canções que contam histórias, sobre valentões ou sobre culpar um irmão por um problema, ou ter medo de que um inseto realmente ataque, Roberts, 40, que não tem filhos e se formou em estudos religiosos depois de fracassar em seus esforços para fazer carreira no rock, demonstra notável capacidade de ver o mundo com os olhos de uma criança.

Eu já gostava de Justin antes de ter filhos, porque fui com minhas sobrinhas e sobrinho a dois de seus shows em Chicago, onde ele vive. Os discos dele estiveram entre os primeiros que tocamos para os nossos gêmeos quando nasceram, em 2007; um amigo de um amigo de meu marido convenceu Roberts a telefonar para minha casa e cantar Everything Else Starts With e, para meu primeiro Dia das Mães.

Everything Else é uma canção sobre o alfabeto que não tem rivais. Para começar, a palavra da letra D é "don't". Além disso ela está fora de ordem -"esqueci o C!". O resto da letra é uma odisseia de nonsense, que inclui um bolo de frutas que um pai escondeu na garagem, provocando um salto e um pontapé que joga o menino por cima do Lincoln da família; a mãe termina muito molhada, empurrada para dentro de uma banheira cheia de geleia de maçã. E um verso diz que "I começa e termina com I", que representa ou uma trapaça do compositor ou um brilhante exemplo de filosofia de vida (acredito na segunda hipótese).

No começo, perceber que gostava de ouvir essas canções me causava embaraços, mesmo que eu estivesse sozinha no carro. Mas depois percebi que todos os outros adultos que iam aos shows também cantavam junto. Perguntei a uma menina que estava perto de mim qual era sua canção favorita e ela respondeu Meltdown, mas disse que gostava também de Imaginary Rhino - com a mão na festa para mostrar o chifre do rinoceronte.

"Ele abarca todo o espectro de experiências infantis, não se limita a dizer que tudo é maravilhoso, porque nem tudo é maravilhoso o tempo todo", diz Bill Childs, que há cinco anos apresenta um programa semanal de música infantil em uma rádio do oeste de Massachusetts. "O trabalho dele tem muita força e realmente envolve os pais, que veem muita música infantil que não reflete aquilo por que as crianças passam o tempo todo".

Childs, professor de Direito e pai de dois filhos, é um dos organizadores do KindieFest, uma conferência e festival que deve acontecer em Brooklyn neste final de semana, com a participação de 300 artistas e executivos do setor de música em palestras sobre técnicas de gravação, como conquistar maiores audiências e o contraste entre a velha e a nova geração de músicos que compõem para crianças.

Roberts participará de uma mesa redonda na manhã de sábado, sobre marketing, e vai cantar no show daquela noite. Ele não é o mais conhecido dos músicos do rock infantil; o posto provavelmente cabe a Dan Zanes, antigo líder do Del Fuegos que, como muita gente, descobriu a música para crianças ao ter filhos. Mas Childs e outros afirmam que Roberts está entre os compositores mais respeitados e músicos mais vendidos do segmento.

Ele realizou quase 100 shows em todo o país no ano passado, lotando salas como o Symphony Space, em Manhattan, e o Ravinia, perto de Chicago. Seus primeiros seis álbuns para crianças, todos produções independentes, venderam mais de 100 mil cópias no total (ele também tem um álbum solo para adultos, Bright Becomes Blue, e dois álbuns de canções baseadas em histórias bíblicas, com a banda Why Not Sea Monsters?). Sua lista de fãs conta com cinco mil integrantes, e ele toca com frequência no canal Nick Jr.

Como muitos dos músicos mais conhecidos do KindieFest, Roberts não tinha por objetivo se tornar sensação junto ao público com menos de sete anos de idade. Depois de se formar no Kenyon College, ele tentou fazer carreira no rock, em Minneapolis, no começo dos anos 90, com uma banda chamada Pimentos for Gus, enquanto pagava as contas trabalhando em uma pré-escola.

Ele levava o violão para divertir a garotada, e escreveu para os alunos uma canção chamada Giraffe/Nightingale. Amigos lhe disseram que as crianças não gostariam da canção, porque não tinha refrão. "Mas eles aprenderam a canção toda", contou Roberts, com ar satisfeito.

A banda de Roberts se desfez depois de um disco, em 1998, e ele foi fazer pós-graduação na Universidade de Chicago. Willy Was a Whale surgiu um dia quando ele estava estudando sânscrito em seu apartamento de porão. Quando começou a perceber que seus professores estavam levando os filhos aos shows que ele fazia em sua carreira paralela, Roberts percebeu que era mais músico que acadêmico.

Ele fez sua escolha em um bom momento. Nos 10 últimos anos, diz Childs, o gênero explodiu, com bandas como They Might Be Giants lançando canções infantis (Where Do They Make Balloons? é uma das minhas preferidas) e artistas de origem folk, como Laurie Berkner e Billy Jonas, conquistando mais popularidade comercial. Em lugar da doçura irritante de Baby Beluga, o sucesso de Raffi, eles produzem música divertida, inteligente, forte.

"Boa parte da música infantil é formada por canções que os pais acham que os filhos deveriam escutar", diz Darren Critz, diretor de programação de artes do Symphony Space e responsável por escalar a série de espetáculos para famílias que ocorre aos sábados e se estende de outubro a abril. "Mas há artistas cuja música atinge a todos: é inteligente, ou tem algo a dizer, ou é boa música que só por acaso traz temas infantis".

Roberts, que não tem filhos em casa para servir de laboratório para teste de ideias (se planeja ter filhos foi uma questão que ele preferiu não responder), afirmou que a maioria de suas composições se origina em memórias vívidas de infância. Jungle Gym, que ele acaba de lançar, é basicamente um álbum nostálgico. Ele também aceita sugestões. A mãe de duas meninas de cabelo sempre despenteado lhe enviou um e-mail pedindo uma canção para convencê-las a permitir que seus cabelos fossem escovados, e Roberts respondeu com Henrietta's Hair, uma fábula sobre uma menina que nunca penteia o cabelo e sobre o vasto elenco de animais que se abrigam nele por isso. A mulher dele é professora de sétima série, o que inspira canções como Picture Day ("O fotógrafo diz que vou ganhar um pente de lembrança/ Mas só quero ir embora") e Snow Day ("Por favor não diga que estou começando tarde demais/ Porque isso partiria meu coração".)

Também há algumas canções de amor. Ele compôs Song for You para sua mulher, ainda que alguns pais afirmem que ela retrata os sentimentos incondicionais com relação aos seus filhos; um fã de Michigan recentemente tocou a canção no funeral de sua irmã.

"Eu tive a ideia de uma canção que o acompanhe e esteja sempre com você, não importa onde vá", disse Roberts, ecoando a letra. "Imagino uma criança que cresce e saia de casa para a faculdade; a canção estaria sempre com seus pais, de alguma forma".

Ainda que seu talento poético pareça fluir naturalmente, Roberts diz que compor é um processo doloroso, alimentado por mingau de aveia e algumas doses de café expresso, na solidão de sua casa em Evanston, Illinois. Ele começa com um tema -por exemplo, um membro da banda sugeriu Stay-at-Home Dad- ou um sentimento, exemplificado em canções como Giant-Sized Butterflies, ou lembrança, como em Day Camp, Trick or Treat e Gym Class Parachute.

"O que me faz rir em geral fica na canção, como também o que me faz chorar", ele disse, dando de ombros. "Não penso muito, quando estou compondo, que é uma canção para crianças. Se algo em uma canção me faz rir como adulto, tenho a esperança de que os adultos riam, mas não que uma criança de três anos me entenda".

Por isso Roberts ficou surpreso quando um menino de sete anos pediu Fruit Jar, em um show na Califórnia; é uma balada melancólica sobre sair da tristeza e voltar ao mundo que ele compôs quando sua avó morreu e sua tia deu a ele um vidro de cerejas que ela havia colocado em conserva para o neto. E também há o caso de uma menina de nove anos cuja mãe enviou uma mensagem sobre Sandcastle, uma canção que fala da morte e cujo refrão diz que "até que você se tornou um castelo de areia/ E nós te olhávamos diante das ondas/ Tudo era muito difícil/ Mas você foi belo e corajoso".

"A mãe contou que sua filha havia dito que a canção era sobre ela, porque falava sobre ser bela e corajosa, como ela", conta Roberts. "Eu achava que a canção fosse sobre outra coisa, mas é maravilhoso que a menina veja as coisas assim".

The New York Times
Compartilhar
Publicidade

Conheça nossos produtos

Seu Terra