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Análise: PRISM, um marco para a vida musical brasileira

Ópera expõe o drama e trauma das mulheres vítimas de abusos sexuais

13 set 2019 - 14h14
(atualizado em 14/9/2019 às 11h17)
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O tema de Prism não poderia ser mais atual: os traumas inapagáveis das mulheres que sofrem abusos sexuais. A voltagem aumenta porque a compositora Ellen Reid e a libretista Roxie Perkins foram vítimas de abuso. A maior sacada das duas foi concentrar-se no TEPT - transtorno de estresse pós-traumático e mostrar como é doloroso e lento o processo de recuperação da auto-estima e, sobretudo, como é igualmente difícil para Bibi, a filha vítima do abuso, libertar-se da redoma de Lumee, sua superprotetora mãe. Prism nos leva a compartilhar esta duríssima "experiência sensorial". Só por isso já é um grande acontecimento na vida musical brasileira, às voltas com números alarmantes de feminicídios. Iniciativas como esta demonstram que a música pode - e deve - participar da discussão dos grandes problemas - e dramas - nacionais.

Cena da ópera Prism, da compositora canadense Ellen Reid.
Cena da ópera Prism, da compositora canadense Ellen Reid.
Foto: Maria Baranova / Divulgação / Estadão

Como escreve a ótima Eliane Brum no programa, "em 2019, apenas 22 entre 104 músicos da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo são mulheres". Agora pasmem: "Nos 108 anos do Teatro, esta é apenas a segunda exibição de uma ópera composta por uma mulher. O assédio sexual e moral no mundo das artes só começou a ser desvendado - e já revela o som monstruoso do silêncio que durou demais".

O impacto do tema é tão avassalador que poderia relegar a música a mera trilha sonora para a ação dramática. Felizmente, isso não acontece. A sensação de claustrofobia ultrapassa o enorme prisma e se esparrama pela plateia, por causa de uma escrita musical plural e efetiva de Ellen Reid. Assim, ela é "bonita" no sentido convencional quando o "Azul" tenta seduzir Bibi a fugir da mãe e sair para o mundo em busca da vida real. E combina sons eletrônicos com acústicos quando retrata esta "dor e alegria que proveem de minha própria experiência vivida", segundo a compositora.

Reid é estilistamente eclética, pinçando aqui e ali técnicas e processos adequados ao desenrolar da trama. Mas com senso cirúrgico. Uma atmosfera encharcada de harmonias saturadas domina o primeiro ato; o estrondo que abre o segundo ato, que começa numa discoteca, sinaliza para músicas populares; e o terceiro ato é o mais "contemporâneo", com o uso de técnicas estendidas.

A soprano Anna Schubert constrói com refinamento uma Bibi física e mentalmente cambaleante. A mezzo-soprano Rebecca Jo Loeb está no mesmo patamar. Duas grandes cantoras. O coro e os músicos da Sinfônica Municipal saíram-se bem nesta atrevida aventura lírica, bem conduzidos por Roberto Minczuk.

A montagem, excelente, é a da estreia em outubro de 2018 nos EUA. Libera o fosso para o público; coloca maestro, coro e orquestra no palco.

Serviço:

Récitas dias 13 (sexta) e 14 (sábado) de setembro.

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Estadão
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