Morre Luis Fernando Verissimo, o cronista que dizia muito com poucas palavras, aos 88 anos
Escritor ficou conhecido por sua precisão em crônicas e criou personagens como o Analista de Bagé, a Velhinha de Taubaté e Ed Mort; releia sua última coluna publicada no 'Estadão'
Luis Fernando Verissimo morreu neste sábado, 30, em Porto Alegre (RS). A informação foi confirmada pelo Hospital Moinhos de Vento, onde o escritor, de 88 anos, estava internado. Ele faleceu em decorrência de complicações de uma pneumonia.
Em 17 de agosto de 2025, sua família divulgou a informação de que ele estava internado desde a semana anterior por conta de uma "pneumonia leve que foi piorando".
Verissimo se tornaria fenômeno de vendas com O Analista de Bagé, lançado em 1981, quando a primeira edição se esgotou em apenas dois dias. O personagem foi originalmente criado para um programa de humor na TV, capitaneado por Jô Soares. Com o projeto engavetado, Verissimo levou-o ao livro, tornando-se uma figura peculiar: psicanalista de formação freudiana ortodoxa, o analista não esconde, porém, seu sotaque e a predileção por costumes típicos da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai e a Argentina. A graça surgia justamente na contradição entre a sofisticação da psicanálise e a "grossura" caricatural do gaúcho da fronteira. O personagem inspirou dois livros de contos, um de quadrinhos (com desenhos de Edgar Vasques) e uma antologia.
A Velhinha de Taubaté
A Velhinha de Taubaté, "a única pessoa que ainda acredita no governo", surgiu dois anos depois, como crítica ao governo militar em seus anos derradeiros. Em pouco tempo, Verissimo cruzou fronteiras, tornou-se colaborador de programas humorísticos de televisão, vistos e ouvidos em todo o Brasil - é o caso das histórias da Comédia da Vida Privada, série de 21 programas (1995-1997), com roteiros de Jorge Furtado e direção de Guel Arraes.
'Há diferença entre ser humorista e fazer humor'
Sua timidez tornou-se outra característica sempre lembrada, reforçando o valor de seu texto: sim, Verissimo sempre buscou ser engraçado na escrita e não na fala. Na verdade, nunca se julgou um humorista. "Acho que há uma diferença entre ser humorista e fazer humor", disse, certa vez. "O humorista é o cara que tem uma visão humorística das coisas. O humor é sua maneira de ver e de ser."
Uma filosofia que se revelou útil durante a dura fase de exceção. Veríssimo conta que, durante a ditadura, ele enviava uma crônica para o jornal deixando sempre uma na gaveta, de reserva. "E não foram poucas as vezes em que saiu a reserva", comentou, em outra entrevista. "Os censores pareciam achar o cartum algo infantil; então, era mais fácil fazer passar um cartum político que um texto político."
Autodeclarado um gaúcho desnaturado, por não andar a cavalo, não tomar chimarrão e ter nascido e se criado na cidade, Verissimo sentiu o gosto da felicidade plena no dia 4 de abril de 2008, quando sua filha Fernanda lhe deu a primeira neta, Lucinda, nascida em uma data especial: dia do aniversário do Sport Club Internacional.
Ele, vale notar, escreveu também livros sobre o futebol, como A Eterna Privação do Zagueiro Absoluto (1999) e Internacional - Autobiografia de uma Paixão (2004).
O cronista mais popular do Brasil
Em 2020, Elias Thomé Saliba, professor da USP especializado em humor e autor de Raízes do Riso, descreveu o escritor como o cronista mais popular do Brasil, aquele que "diz o que o leitor quer falar, mas não consegue". "Verissimo ultrapassa o transitório não apenas porque suas crônicas se transformam em livros, mas porque estabeleceu desde o início um pacto humorístico com o leitor."
"Mais do que qualquer outro, o público que se torna parte do pacto humorístico é aquele que percorre o noticiário sério do jornal ou da revista e torna-se capaz de entender as alusões, ironias e paródias de Verissimo e de seu humor fortemente conectado com os eventos noticiados e, por isso, compreensível apenas naquelas situações", defendia (leia a análise completa aqui).
Os 'falsos Verissimos' da internet
Com a era moderna, muitos dos textos passaram para o meio digital. Em muitos casos, porém, textos que não eram do autor contavam com a assinatura de "Luis Fernando Verissimo", tentando ganhar credibilidade. Ele se acostumou ao fato. "Fico sem graça de dizer que não é meu. Em outra oportunidade, uma senhora veio me dizer que não gostava tanto dos meus textos, exceto do Quase, que era maravilhoso. O que posso dizer? Melhor não decepcionar. E quando vou a escolas onde os alunos encenam um texto que, na verdade, não é meu?", relatava ao Estadão em 2016.
Curiosamente, Luis Fernando Verissimo se assumia como um "analfabeto em informática", que se limitava ao uso de e-mails e Google. Para o restante, recorria aos filhos. Ainda sobre tecnologia, em texto publicado no Estadão em 2019, "Pertenço à geração perdida no tempo", citava a "farta literatura premonitória" sobre robôs indestrutíveis. "Que eu saiba, ninguém ainda imaginou um roteiro em que os inimigos não sejam grandes robôs blindados, mas os pequenos celulares".
Verissimo escrevia poucas palavras, mas era extremamente preciso
Em 2016, o escritor foi perguntado: qual a receita para seus textos serem populares e não popularescos? "Não tenho". Em seguida, atribuía o mérito ao gênero: "Acredito que, antes de mais nada, é ter clareza na escrita. E, como a crônica normalmente não é um texto grande, torna-se acessível a qualquer público". Ao longo da carreira, Verissimo ficou conhecido não apenas pelos "textos não tão grandes", mas também por escrever estritamente o necessário, em pouquíssimas palavras, e ainda assim ter muito a dizer.
Para quem tem interesse em se aprofundar um pouco mais pela figura do autor, em 2024, o documentário Verissimo foi lançado. Fugindo do estilo biográfico cronológico, o longa tinha foco maior no cotidiano do escritor, prestes a completar 80 anos de idade à época das filmagens, que acompanhou por 15 dias. Atualmente, está disponível para assistir no streaming na ClaroTV ou no Vivo Play.