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Ícaro Silva afirma que 'teve sorte' de sair da 'realidade óbvia' da periferia

O ator e cantor disse que perdeu amigos e vizinhos que foram cooptados pelo tráfico ou mortos pela polícia

24 set 2019 - 13h17
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O ator Ícaro Silva falou sobre representatividade negra no universo artístico brasileiro e disse que se considera uma exceção, tendo em vista que a realidade da maioria das pessoas negras, e que vivem na periferia, é bem diferente da que ele teve e tem.

"Isso [de ser exceção á regra] é muito claro. Quando você pensa na realidade dos jovens brasileiros, e vai atrás de qualquer pesquisa ou vai mesmo numa comunidade de periferia, você vê a quantidade de jovens ou que estão sem emprego ou que não tiveram a oportunidade de terminar a escola porque tiveram de sair mais cedo para começar a trabalhar", disse o ator e cantor em entrevista no Conversa com Bial desta segunda-feira, 23.

Ícaro nasceu em São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo, e morou no município nos primeiros anos de vida. Depois, ele se mudou com a família para Diadema, "cidade que nos anos 1990 tinha uma realidade muito dura, de muita violência", disse. "Minha mãe nos criava como principezinhos na favela."

O ator contou que perdeu alguns amigos e vizinhos por conta dessa realidade. "Eu mesmo, na minha infância, muitos amigos, vizinhos se foram, ou cooptados pelo tráfico ou assassinados pela polícia em situações de guerra. Tive muita sorte de ter um pai, uma mãe que são realmente sonhadores, batalhadores, que acreditam e me tiraram de uma realidade que é a óbvia", relembrou.

Pedro Bial comentou sobre o musical que Ícaro Silva fez, em 2015, no qual interpretou o cantor Simonal e perguntou o que ele aprendeu com o trabalho. "Aprendi que nenhum status social vai te tirar da sua condição de afrodescendente no Brasil", respondeu.

"Porque acho que o Simonal caiu numa armadilha. Ele achou que ter dinheiro suficiente era fazer parte dessa branquiteude — e quando eu falo de branquitude, falo dos eurodescendentes mesmo, como aqueles que estão no poder do Brasil desde sempre. Acho que ele caiu nessa armadailha, acreditou e, claro, foi um reprodutor do racismo", completou Ícaro.

Ícaro Silva relembra tiros contra ele

O ator também relembrou um episódio, em setembro do ano passado, quando foi atingido por estilhaços de uma bala de arma de fogo no Rio de Janeiro. Ele ficou com uma cicatriz no bíceps esquerdo.

"Eu estava saindo do túnel Zuzu Angel, voltando de uma festa às cinco horas da manhã, e quando saí estava tudo escuro, tinha um monte de gente na rua. Eu fui reduzindo [a velocidade] o carro com aquela tensão — quem mora no Rio sabe — e vi que eram policiais, todos com fuzis. Reduzi a velocidade, acendi a luz e aí, quando cheguei neles, eles estavam em estado de guerra, todos eles estavam muito afetados, muito alterados, todos eles apontando o fuzil na minha cara", relatou o ator.

Ele conta que, em seguida, quando os agentes se aproximara, ele abriu um dos vidros do carro e falou com um deles. "Quando falei com ele, ele gritava comigo: 'vai embora, p****, vai embora, filho da p***'. Gritando, num estado de guerra. Minha dedução é que eles estivessem numa situação de tiroteio, qualquer coisa assim, e falei: 'tá bom, tá bom, vou embora'. Acelerei o carro e fui", continuou.

Ícaro conta que, alguns segundos depois, começou a ouvir barulho de tiros e "as coisas começaram a voar em volta de mim no meu carro". Só depois, quando já tinha saído da região, ele percebeu que a blusa que estava vestindo estava molhada. "Comecei a me apalpar inteiro, vi que estava machucado e fui direto para o hospital."

O ator afirma que depois ficou sabendo que todos os tiros contra seu carro foram disparados pela polícia, que todos vieram da mesma direção e das mesmas armas. "Quando saí dessa blitz, algum deles decidiu me matar", disse. A versão da polícia, porém, é diferente. O artista conta que, no depoimento, os agentes disseram que ele havia 'furado' o bloqueio. "Eu até ri quando o delegado falou isso."

Questionado por que não prosseguiu com o caso, Ícaro disse que não 'comprou a briga' porque não queria essa energia para ele. "Não era uma energia que eu queria para mim, de me envolver com uma instituição que vive em guerra mesmo, porque eu sou totalmente anti-guerra, não acredito na guerra. E a gente estava num período pré-eleição, isso foi em 5 de setembro e as eleições foram em 6 de outubro [na verdade, foi em 7 de outubro]. Eu não estava a fim de virar nem mártir da esquerda nem bode expiatório da direita nessa polarização horrorosa que o Brasil virou", disse.

Estadão
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