Apresentador Willian Kury faz do vinho uma paixão e 2ª carreira: “Beber história em garrafas”
Jornalista da RedeTV! se dedica a estudar, saborear e ensinar sobre a bebida cada vez mais popular entre brasileiros
A vida de Willian Kury não tem rotina. Em junho de 2024, ele estava na zona de guerra em Israel, a pouca distância de pontos atacados pelo grupo terrorista Hamas.
Meses depois, entrou no universo da Inteligência Artificial para uma série de reportagens. Ele próprio foi transformado numa versão digital em um dos episódios.
Entre uma matéria e outra, o apresentador e repórter da RedeTV! abre uma garrafa de vinho e viaja a outros mundos a cada gole.
O interesse pela bebida o levou a se profissionalizar e realizar degustações. Em conversa com a coluna, Kury revela detalhes dessa imersão em sabores e experiências.
Como e quando começou seu interesse por vinhos?
O interesse pelo vinho chegou mais pelo coração do que pela boca. De jovem, o vinho fino, que amarra a boca dos inexperientes, não agradava. Em 2016, fui para a Itália em lua de mel. E incluímos em nosso roteiro visitas a vinícolas na Toscana (Itália). Quando a gente entende que, por trás de uma garrafa, existe uma história de família, da paixão de antepassados, a relação com a bebida muda. O vinho é tão antigo quanto a própria civilização e acompanhou a evolução da humanidade. Esteve presente em todos os momentos. Sobreviveu a pragas, a guerras. Foi companheiro dos marinheiros diante as navegações. Esteve nas mesas dos palácios. Foi produzido por padres e monges. Tem algo de especial aí, não é? Depois, a própria percepção sensorial ganha nova forma. Você entende os aromas, o gosto. O vinho já não amarra mais a boca. Apenas o coração.
Como foi sua formação na área?
Meu primeiro passo para deixar ser apenas um enófilo (mero apreciador da bebida) foi entrar num curso de pós-graduação em enologia. Pude aprender tecnicamente os processos de produção da uva e do vinho. Hoje posso dizer que tenho curso superior em vinhos. No ano passado, porém, iniciei em algo que sempre quis desde que passei a me interessar pela bebida e no que acredito que vai me dar as melhores ferramentas para continuar desbravando esse mundo. Um curso de formação profissional de sommelier. Mais do que aprender sobre o vinho, vou ter a oportunidade de aperfeiçoar a experiência prática, de sentir sabores e aromas e saber por que um vinho é deferente de outro.
Buscou a formação pensando numa segunda carreira?
Essa minha inquietação em aprender, na verdade, atende a um anseio pessoal. Faço por mim e pelos meus, sem esperar reconhecimentos externos. No entanto, acredito que, de certa forma, é incomum jornalista que tem a formação que eu tenho e que estou ainda buscando no mundo dos vinhos. Então, vislumbro sim uma forma de atuar numa segunda carreira unindo as competências que adquiri nessa jornada. Usar o poder da comunicação para criar e comunicar o vinho de uma forma diferente, não restrito a imprensa ou redes sociais, mas ajudando empresas (vinícolas, importadoras, lojas) a entregarem um produto completo aos clientes, e não apenas uma garrafa.
Hoje, qual sua atuação no mundo dos vinhos?
Promovo experiências exclusivas e inovadoras com degustações harmonizadas em casa. Quem não gostaria de receber amigos e, em vez de apenas pedir uma pizza, oferecer uma experiência interativa de degustação de vinhos e comidas selecionadas? Eu seleciono os vinhos, compro, faço a correspondência com o prato que deve acompanhar. No dia do evento ou jantar, eu mesmo sirvo os convidados, conto a história por trás do rótulo escolhido e explico a harmonização. O tomar um vinho ganha um significado novo e, de fato, muda tudo o que você pensava e sentia. Quem participa não esquece!
O acesso ao vinho está cada vez mais democrático. E a qualidade dos nacionais?
Os vinhos nacionais melhoraram muito. Hoje, temos excelentes espumantes produzidos na Serra Gaúcha. Os espumantes brasileiros têm qualidade superior a chilenos e argentinos, por exemplo. Fora que o enoturismo nacional supera, em estrutura e atrativos, até regiões consagradas da Europa. Vale muito a pena visitar as vinícolas da Serra Gaúcha.
Qual o melhor vinho que já tomou?
Costumo dizer que tomar um vinho é como beber a história em garrafas. Sendo assim, a noção de melhores vinhos está muito mais relacionada com o momento onde ele foi tomado. O cheiro do ambiente, as companhias, a paisagem, tudo o que seu coração e cabeça absorviam no momento em que você saboreava a taça. Então, o melhor vinho que tomei foi um Chianti Clássico, na adega da vinícola Castellare, em Castellina in Chianti, na Toscana, enquanto um dos donos dos vinhedos contava a história da família dele com o vinho, falava sobre a tradição do Gallo Nero (galo preto, símbolo que qualifica as bebidas da região), e minha esposa e eu sentíamos o cheiro da fermentação dentro das cavas, da terra e das uvas ainda nas videiras, com o sol gostoso da primavera italiana que batia no alto das colinas. O melhor vinho que tomei é tudo isso.
Nas viagens para matérias, no Brasil e exterior, consegue tempo para provar vinhos locais?
Especificamente, a trabalho, não tive essa oportunidade de visitar e provar vinhos locais. Mas tive, sim, a chance de fazer degustações e participar de outros eventos que só a profissão de jornalista poderia me propiciar.
Qual sua dica a alguém interessado em começar a tomar vinho?
O que sempre tento mostrar é o que tem por trás de uma garrafa. O local onde uma uva é plantada tem um porquê. O tipo de uva escolhido, as podas, a data da colheita. Nada é aleatório. O vinho é a bebida mais artesanal da história e continua sendo. Até o rótulo da garrafa é escolhido criteriosamente pelos donos do vinhedo. Muitos vinhos foram passando de geração a geração, viram guerras acontecer, reis serem mortos. Ao abrir uma garrafa, abra também o coração. O vinho ficará muito mais saboroso.
Com qual outro especialista em vinho gostaria de tomar uma garrafa para conversar sobre a bebida?
Gosto muito de ouvir (o crítico brasileiro de vinhos) Jorge Lucki, uma pessoa de fala muito agradável e com enorme conhecimento. Mas também gostaria de ouvir (o crítico norte-americano) Robert Parker, (a crítica britânica) Jancis Robinson. Se pudesse voltar ainda mais no tempo, seria bom abrir uma garrafa com (o poeta da Grécia Antiga) Homero ou (o pintor surrealista espanhol) Salvador Dalí. Já pensou? Uma frase de Dalí, inclusive, resume bem essa nossa conversa: “Quem sabe degustação, nunca mais bebe um vinho, mas experimenta seus segredos”.
O jornalista Renato Machado, ex-apresentador da Globo, diz que nem todo vinho velho é bom e nem todo vinho envelhece bem. Concorda?
Quase nenhum vinho velho é bom (risos). Basicamente, a maioria dos vinhos acessíveis é para tomar rápido. São vinhos sem capacidade de envelhecer. Ou seja, vinho simples, tome na hora. Vinho legal, tome em até 5 anos. Vinho bom, tome em até 10 anos. Vinho que te custa um financiamento, pode tomar quando quiser (risos). É uma brincadeira generalista, mas funciona.
