Para Zoë Saldaña, 'amor é o superpoder de Neytiri' em 'Avatar: Fogo e Cinzas'
A Rolling Stone Brasil conversou com a atriz, que retorna para o terceiro capítulo da franquia de James Cameron
Com a promessa de ser o capítulo mais intenso da franquia criada por James Cameron, Avatar: Fogo e Cinzas já está em cartaz nos cinemas brasileiros. Para Zöe Saldaña (Emilia Pérez), que interpreta Neytiri desde o primeiro filme, lançado em 2009, essa intensidade vem, principalmente, do impacto emocional do terceiro filme. Em entrevista exclusiva à Rolling Stone Brasil, a atriz falou sobre luto, dor, escolhas morais e amor como força essencial, que movem a trama da novidade. Confira o papo a seguir:
Quando o luto redefine tudo
Avatar: Fogo e Cinzas começa logo após os acontecimentos do segundo capítulo, Avatar: O Caminho da Água (2022), e mostra a família Sully enfrentando o luto pela perda de Neteyam, o filho mais velho de Neytiri e Jake Sully (Sam Worthington, Fúria de Titãs).
Para Saldaña, esse trauma é o ponto de ruptura de sua personagem, que vive algo que, como ela mesma define, "nenhuma mãe ou pai deveria jamais experimentar". A dor, segundo a atriz, é tão profunda que passa a paralisar e a cegar Neytiri, fazendo com que ela questione não apenas seu papel, mas o próprio sentido de existir.
Esse estado emocional também atravessa a relação com o marido, constantemente colocada à prova pelo luto. A atriz explica que o filme empurra o casal para um limite extremo, diante de uma decisão inevitável: escolher o amor e a família, ou desaparecer, consumidos pela raiva e pela dor. É por isso que ela concorda com James Cameron ao definir Fogo e Cinzas como o filme mais intenso da franquia: ele representa um ponto de virada decisivo na história de Jake e Neytiri.
Ao refletir sobre essa parceria construída ao longo de tantos anos, Saldaña diz sentir "um enorme nível de compaixão" pelo casal. A partir de experiências que testemunhou ao seu redor, a atriz observa como famílias e casamentos frequentemente são dilacerados pela perda, e afirma que Neytiri e Jake enfrentam esse teste "no grau mais inimaginável". Para ela, o longa ocupa um lugar central dentro da saga justamente por aprofundar esse conflito afetivo.
Saldaña também comenta a evolução de Neytiri como personagem. Tradicionalmente vista como uma ponte entre tradição e mudança, ela passa a questionar esse papel em Fogo e Cinzas. "Ela começa a se perguntar se vale a pena existir uma ponte", afirma a atriz, indicando que a ausência de esperança e conexão redefine sua jornada. O filme acompanha essa crise interna enquanto Neytiri tenta compreender quem ela é depois da perda.
O elo entre Saldaña e Neytiri
Interpretar Neytiri sempre teve um impacto profundamente pessoal para Saldaña. A atriz define essa experiência como "muito catártica", ligada diretamente ao ato de sentir. Assim como sua personagem, a atriz afirma conhecer bem a experiência de se sentir marginalizada, de ocupar o lugar de outsider e, em certos momentos, de se perceber alvo por escolhas feitas ou simplesmente por saber quem é e decidir seguir o próprio caminho. "Isso vem com consequências", reconhece.
Segundo a atriz, o que torna Neytiri tão transformadora é o fato de ela compartilhar essa vivência, mas permanecer "inescapavelmente leal à própria voz". Saldaña conta que interpretar uma personagem que passa por essas experiências — e ainda assim segue adiante sem pedir desculpas por existir — foi algo profundamente valioso para ela. "Há momentos em que você sabe quem é, tenta ser você mesma sem machucar os outros, com o coração o mais aberto possível", explica. Ainda assim, ela admite que a autenticidade pode gerar dúvidas sobre si mesma: "Você pode se sentir isolada, punida, ou tomada pela autossabotagem", diz, antes de reforçar a lição que carrega da personagem: confiar nos próprios instintos e continuar sendo quem se é.
Para Saldaña, Neytiri funciona quase como um espelho emocional. "No fim das contas, tudo o que estamos tentando ser é a melhor versão de nós mesmos que podemos ser", afirma. Ao ser desafiada a definir a personagem em apenas uma palavra, a atriz se recusa a simplificar. Para ela, ser mulher é uma jornada complexa, digna e pesada ao mesmo tempo. Ainda assim, ela acaba apontando o amor como a essência da personagem: sua maior virtude e sua verdadeira força.
"A capacidade de sentir tudo em abundância — quando ama, ama intensamente; quando odeia, também. Mas, no fim, o amor é o superpoder de Neytiri."
A jornada de dois filmes
As gravações de Avatar: Fogo e Cinzas aconteceram, em parte, quase simultaneamente às de O Caminho da Água, uma dinâmica que Zoë Saldaña encara de forma positiva. A atriz explica que essa experiência não foi inédita, já que participou de outras franquias ao longo da carreira, mas afirma preferir esse modelo: "Porque, dessa forma, o trabalho e a preparação que você faz são muito mais extensos", diz. Segundo ela, isso beneficia diretamente o trabalho de atuação. "Você consegue passar por essa trajetória de maneira consistente, o que é ótimo para o ofício e para dar vida à personagem."
Saldaña também destaca o impacto físico do planejamento da franquia. Ela se diverte com o fasto de ter iniciado as filmagens dos segundo e terceiro capítulos em 2017, quando era mais jovem, então com 39 anos — atualmente, ela tem 47 anos: "Eu gostei do fato de ainda estar nos meus 30 quando fiz Avatar 2 e 3. Isso me permitiu ser muito atlética", afirma. Pensando nos próximos filmes, a atriz reconhece que o processo será diferente. "Quando começarmos a filmar o 4 e o 5 eu só vou precisar de muito mais tempo para me preparar."
O que esperar de Fogo e Cinzas?
Ao comentar o que Avatar: Fogo e Cinzas ainda pode revelar sobre Pandora, Saldaña prepara o público: "Espere algo muito emocional", antecipa a atriz, destacando que o nível de ação do novo filme "vai dobrar" em relação a O Caminho da Água. Segundo ela, a sensação de urgência é constante: a família Sully mal tem tempo para viver o luto, descansar ou dormir em paz. "Eles estão em fuga desde o momento em que o filme começa até o fim", afirma. "E você vai estar lá com eles o tempo todo."
Saldaña descreve essa vivência como algo quase corporal. Para ela, o espectador sente o que é fazer parte de "uma família que está de luto, crescendo e tentando sobreviver em tempos de guerra e de grande sofrimento". A atriz diz que o público se sentirá "como um refugiado" e "um alienígena mais uma vez dentro da própria pele", atravessado por emoções extremas — "amor, raiva, fúria e injustiça".
Nesse contexto, Fogo e Cinzas propõe uma escolha clara, semelhante à dos próprios personagens: deixar o coração se afogar na raiva e se tornar como o Povo das Cinzas ou sair dessa experiência de forma resiliente, seguindo o caminho de Eywa. Para Saldaña, ainda que a história se passe em Pandora, há muito a aprender com os caminhos que James Cameron continua a construir e o quanto eles se aproximam da nossa própria realidade.