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Nos bastidores de 'O Agente Secreto': por dentro da missão de dar vida ao Recife dos anos 1970

Equipes que trabalharam no filme estrelado por Wagner Moura relatam desafios e como encontraram soluções para dar vida ao filme de Kleber Mendonça Filho

15 nov 2025 - 09h05
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A quantas mãos se faz um filme? Antes de chegar às telas, uma obra muitas vezes demora meses para ficar pronta, exigindo neste tempo um trabalho incansável de uma equipe que vai muito além de atores, diretor e roteiristas. No caso de O Agente Secreto, que chegou aos cinemas nesta quinta-feira, 6, foram cinco anos entre a concepção da ideia e o nascimento do produto final, que pode levar o Brasil ao Oscar pelo segundo ano consecutivo.

Estrelado por Wagner Moura, o filme se passa no Recife dos anos 1970, e retrata o período da ditadura sob a ótica da perda da memória coletiva. O diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho conta a história de Marcelo, um professor universitário que volta para a capital pernambucana fugindo de seu passado misterioso.

"Achei que construindo um universo bem palpável, bem físico, sensorial, quase de você sentir que está 50 anos atrás no Brasil, já seria uma boa maneira de fazer o espectador entrar numa imersão", disse o cineasta em entrevista ao Estadão. "O fato de a ditadura não ser citada nominalmente pouco importa, porque o clima do Brasil de época, se fosse bem renderizado, a história seria forte."

Mas como reproduzir este clima de época? Diversos profissionais que trabalharam no filme contaram detalhes dos bastidores ao público durante o Expocine Decupa 2025, evento paralelo da feira de negócios realizado em São Paulo no fim de setembro. Confira a seguir.

Com 'O Agente Secreto', Wagner Moura se tornou o primeiro brasileiro a vencer o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes
Com 'O Agente Secreto', Wagner Moura se tornou o primeiro brasileiro a vencer o prêmio de Melhor Ator no Festival de Cannes
Foto: CinemaScopio/Divulgação / Estadão

Girando a engrenagem

Os setores de pré-produção, produção e produção executiva são responsáveis por áreas diferentes da execução de um filme, mas sem elas uma coisa é certa: a engrenagem não gira.

Emilie Lesclaux, responsável por conduzir o projeto desde sua concepção inicial, em 2020, conta que o filme surgiu da vontade de Kleber de recriar as memórias da infância. Por isso, todo o processo de troca entre as equipes acabou sendo bastante humano e colaborativo.

Da mesma forma, uma segunda inspiração para o filme, o documentário Retratos Fantasmas (2023), foi importante para conduzir a pesquisa do que era o Recife dos anos 70. O desafio de encontrar as locações que correspondiam ao período era uma missão da diretora de produção Mariana Jacob.

Segundo ela, um dificultador era o fato de Kleber desejar filmar com planos abertos, um tipo de enquadramento que permite que o ambiente seja visto em detalhes. Por isso, a solução encontrada foi rodar determinadas cenas em prédios públicos - eram os locais que estavam mais preservados historicamente.

A escolha e a preparação do elenco

Responsáveis pelo casting e pela preparação de elenco, Gabriel Domingues e Leonardo Lacca explicam que a escalação é fundamental para se contar a história de forma autêntica. Segundo eles, Kleber escreveu a história de O Agente Secreto com dois atores em mente: Wagner Moura e Tânia Maria.

Aos 78 anos, Tânia Maria é uma atriz iniciante, que começou a atuar aos 72 anos, quando trabalhou com Kleber em Bacurau (2019). Na ocasião, chamou atenção do diretor, passou pela preparação de elenco e obteve mais destaque no filme.

Tânia Maria, a Dona Sebastiana de 'O Agente Secreto'
Tânia Maria, a Dona Sebastiana de 'O Agente Secreto'
Foto: Victor Jucá/Divulgação / Estadão

Desta vez, ela retorna como coadjuvante, interpretando Dona Sebastiana, que abriga Marcelo em sua chegada ao Recife. Mas o caso da atriz não é o único. Em Agente, sempre houve também o desejo de se trabalhar com atores com diferentes níveis de experiência, para transmitir autenticidade, e o filme conta com muitos atores iniciantes. O tempo total de casting, entre os testes e a seleção final, foi de três meses.

Um critério seguido durante a seleção e preparação do elenco era um cuidado com a relação temporal. Segundo Gabriel, havia a necessidade de se atentar a corpos e caracterizações que não aparentassem ser contemporâneos. A delineação mais firme das classes sociais dos anos 1970 precisava ficar evidente nos personagens, e isso foi algo que fez diferença durante a escalação.

Uma das curiosidades do processo de seleção de elenco é que ele também pode acontecer em situações inesperadas. Lacca, que também é diretor assistente, conta que descobriu um dos atores do filme no próprio set: o homem, que aparece em uma cena com Gabriel Leone, fazia a segurança da locação e chamou a atenção da equipe. Acabou fazendo parte do filme.

Uma música 'fora do tempo'

Um filme é tanto a junção de imagens e som - em determinadas ocasiões, a música pode ser mais importante que as próprias cenas para transmitir ao espectador o que aqueles personagens estão sentindo. O desafio, muitas vezes, é conseguir compreender tais sensações para traduzi-las em sons. Mas para Tomaz e Mateus Alves, irmãos responsáveis pela trilha sonora de Agente, muitas vezes a maior provocação era compreender as intenções de Kleber.

Os dois, que já trabalharam com o cineasta juntos e separadamente em outros projetos desde Aquarius (2016), contam que um diferencial de O Agente foi o fato de os dois terem recebido o roteiro em mãos com antecedência. Por isso, tiveram a oportunidade de trabalhar a trilha durante as filmagens, o que é incomum; normalmente, segundo eles, a trilha começa a ser pensada somente durante a pós-produção.

Mesmo assim, em determinadas ocasiões os dois sentiram dificuldades para compreender as referências passadas por Kleber. Segundo eles, o cineasta queria que "a música de O Agente fosse uma crônica", e participou ativamente do processo de desenvolvimento. Uma das referências, por exemplo, era a trilha de Alien, o 8º Passageiro (1979).

A dupla explica que a proposta de Mendonça Filho era que a trilha informasse ao público, em seus temas, o que fosse acontecer, sem que os personagens o percebessem. Ele também desejava que fosse uma música fora do tempo do filme, não sendo de época somente porque a trama se passa em um período específico.

Os dois admitem que compreenderam verdadeiramente a proposta quando viram as músicas inseridas nas cenas.

Vestindo o Brasil de 77

A figurinista Rita Azevedo e o diretor de arte Thales Junqueira deixam claro: fazer filme de época no Brasil é desafiador pela falta de conservação histórica das cidades. Seria irônico se não fosse trágico chegar a tal constatação com um filme que trata justamente de memória.

Junqueira, que já trabalhou com Kleber em O Som ao Redor (2012), Aquarius e Bacurau, considera O Agente Secreto o projeto mais ambicioso e complexo desta parceria do ponto de vista da direção de arte. Ele conta que a meta sempre foi clara desde o início: transmitir uma visão não idealizada e não estetizante do passado.

Wagner Moura usa camisa da troça carnavalesca Pitombeira dos Quatro Cantos, de Olinda, em cena de 'O Agente Secreto'
Wagner Moura usa camisa da troça carnavalesca Pitombeira dos Quatro Cantos, de Olinda, em cena de 'O Agente Secreto'
Foto: Vitrine Filmes/Reprodução / Estadão

Mas encontrar as locações, principalmente pela falta de conservação, era desafiador — bem como fazer cenas externas. Ao todo, forma 30 locações e 50 sets, com três cenários montados em estúdio: o aeroporto de Guararapes, o IML e o posto de gasolina da cena de abertura. Houve um trabalho em conjunto com o time de efeitos visuais para apagar fios, prédios e inserir outdoors de propaganda nos planos abertos da cidade.

Para não cair na armadilha do que chamou de "ideal estetizante", Thales revela que três filmes serviram como faróis para a pesquisa da arte: Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977); Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981), ambos de Héctor Babenco; e Iracema - Uma Transa Amazônica (1975), de Jorge Bodanzky e Orlando Senna. Para ele, essas pesquisas foram importantes para que cada corpo pudesse funcionar de forma adequada nos cenários.

Para a figurista Rita Azevedo, a pesquisa foi feita principalmente em dois contextos. Um deles eram os arquivos públicos, visitados por ela e sua equipe para colher referências; o segundo era um trabalho mais manual. Ela conta que visitou 40 famílias para fotografar seus álbuns de fotos domésticas e entender o que estava na intimidade do recifense na década de 70. Em determinadas ocasiões, até peças de roupa chegou a pedir emprestadas.

'O Agente Secreto', rodado com duas câmeras, teve montagem de Eduardo Serrado e Matheus Farias
'O Agente Secreto', rodado com duas câmeras, teve montagem de Eduardo Serrado e Matheus Farias
Foto: Victor Jucá/Divulgação / Estadão

Ela descobriu, por exemplo, que peças de roupas com propagandas de produtos e de blocos de carnaval eram muito comuns, assim como algumas feitas com máquinas de costura domésticas e que apresentam pequenas falhas comuns do processo. A camisa do bloco da Pitombeira, usada por Wagner em uma cena, fez sucesso quando o ator passou por Londres.

No tratamento do figurino e da arte, os dois explicam que a ideia de construir um filme colorido adicionava um grau de complexidade ao retrato da ditadura, e vai contra a tendência de retratar o período com cores sombrias e pesadas. Eles também destacam que a construção do figurino e da arte de Dona Sebastiana foi pensada a partir da estética do comunismo católico de figuras como Dom Hélder Câmara.

O 'trabalho invisível' da montagem

O montador faz um trabalho invisível mas extremamente influente, definem Eduardo Serrado e Matheus Farias. Uma boa montagem é capaz de definir tons, ressignificar cenas e aprofundar personagens. Não se trata de "cortar" um filme, e sim encontrar momentos relevantes e dar a eles um bom tratamento.

Serrado e Farias trabalharam juntos na montagem de O Agente Secreto. A ideia de fazer o trabalho em dupla veio de uma questão logística. Eduardo era o montador único original, mas temia não conseguir terminar o trabalho a tempo para o filme ser inscrito para o Festival de Cannes. Por isso, Kleber sugeriu fazer o trabalho em conjunto com Matheus, que já havia montado Retratos Fantasmas e estava presente no set pois dirigia o making-off de O Agente.

Os dois contam que o cineasta foi extremamente presente durante todo o processo de montagem. Para fazê-la de forma simultânea, eles montavam em ordem cronológica; enquanto um montava uma sequência, o outro trabalhava na seguinte.

Além disso, o fato de Matheus estar presente no set, segundo a dupla, foi um grande facilitador e fez diferença no trabalho final. Em determinadas ocasiões, ele dava sugestões e Kleber o questionava ao fim das diárias para perguntar se "a cena monta" — ou seja, se era possível montar a cena a partir do que foi filmado.

Nestes momentos, Matheus chegava a sugerir a filmagem de alguns planos adicionais que fariam a conexão entre um momento e outro. Ele também reforça a importância do trabalho da continuísta Gabi Miranda, e disse que Kleber se encantou por seu profissionalismo; em uma publicação no Instagram, ele a chamou de "cientista narrativa".

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Os montadores dizem que consideram Kleber um "montador nato", já que todo o filme foi pensado para a montagem e o próprio roteiro já indicava os movimentos de câmera que seriam feitos na captação, o que facilitava o trabalho posterior. A diretora de fotografia, a russa radicada na França Evgenia Alexandrova, decidiu realizar as filmagens com duas câmeras digitais, o que deu à montagem um material, segundo Eduardo e Matheus, "muito decupado". Para a edição final, sempre havia opções de takes e possibilidades de caminhos diferentes a ser seguidos.

O resultado de todo este trabalho já está nos cinemas, e o filme se prepara para enfrentar o longo caminho até o Oscar, que acontece em 15 de março de 2026.

"Você está trabalhando para o seu filme ter um lugar entre os melhores do ano, e acho que isso é trabalhar pelo cinema brasileiro", disse Wagner Moura na entrevista ao Estadão. "A maneira com que as pessoas se engajaram com Ainda Estou Aqui foi bonita, ressignificou a relação do brasileiro com o cinema brasileiro, com a arte brasileira."

Estadão
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