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'Megalópolis' é ato corajoso de Coppola contra Hollywood e sociedade em colapso

No Brasil para receber homenagem da 48ª Mostra Internacional de Cinema em SP, cineasta faz de'Megalópolis' sua resposta a Hollywood.

31 out 2024 - 05h01
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Megalópolis, novo filme de Francis Ford Coppola, é ato corajoso contra sociedade em colapso
Megalópolis, novo filme de Francis Ford Coppola, é ato corajoso contra sociedade em colapso
Foto: O2 Play Filmes/Divulgação

Uma das primeiras falas de Francis Ford Coppola à imprensa no Brasil em sua passagem pelo país para a divulgação de "Megalópolis" foi para declarar como falsa a informação de que estava há cerca de 40 anos trabalhando no filme, estreia desta quinta (31) nos cinemas. Segundo o cineasta, a verdade é por aí, mas não exatamente esta. Ele diz que, entre "O Poderoso Chefão" (1974), "Apocalypse Now" (1979) e "O Fundo do Coração" (1981), foram três obras de estilos completamente diferentes, e seu objetivo era entender qual era o seu de verdade.

Entre o fim dos anos 80 e o lançamento de "Megalópolis" no Brasil nesta quinta-feira, dia 31, foram muitas fases na vida e carreira do cineasta, entre o desenvolvimento da obra, muito estudo e, claro, transformações políticas e sociais no planeta. "Depois que fiz um filme chamado 'O Homem Que Fazia Chover' (1997), eu tirei 10 anos de folga, que se tornaram 14 anos em que eu não estava trabalhando, apenas estudando e aprendendo mais sobre cinema e teatro, porque comecei a trabalhar como diretor aos 16. Eu descobri que o cinema é basicamente formado de dois elementos, escrita e atuação", diz o cineasta. 

Megalópolis, novo filme de Francis Ford Coppola, é ato corajoso contra sociedade em colapso
Megalópolis, novo filme de Francis Ford Coppola, é ato corajoso contra sociedade em colapso
Foto: O2 Play Filmes/Divulgação

Agora, "Megalópolis" é a obra que reflete toda a trajetória opulenta de um diretor que nunca teve medo de brincar com muitos elementos audiovisuais e jamais se limitou a um tipo específico de cinema.

"Largado" pelos estúdios de Hollywood, como ele mesmo diz – "um sistema que me criou, mas que não me quer mais" –, Coppola investiu US$ 120 milhões do próprio bolso para fazer o filme, e mais US$ 20 para marketing e divulgação. 

Para bancar tudo, o cineasta vendeu parte de sua preciosa vinícola, em 2021, e não se mostra muito preocupado com um eventual prejuízo, do qual já se recuperou outras vezes. Afinal, foram praticamente 10 anos para ele se reerguer das dívidas do lançamento de "O Fundo do Coração", que custou US$ 27 milhões e arrecadou singelos US$ 716 mil. 

Mas o novo filme é de fato diferente de tudo o que já vimos do realizador ítalo-americano até agora, e um reflexo de todas as mudanças na estrutura econômica do planeta nas últimas quatro décadas, abordadas na obra sem muitos rodeios. Aos 85 anos, Coppola faz um filme que joga tudo "na cara" do espectador, mas isso também não significa que seja de fácil compreensão. O diretor claramente não se intimida diante da imensidão de assuntos que abraça em um filme que tem exatas 2h18 – uma duração até modesta para os padrões atuais –, e não faz a menor questão de dar uma resposta para todos eles. 

Francis Ford Coppola nos bastidores de 'Megalópolis'
Francis Ford Coppola nos bastidores de 'Megalópolis'
Foto:

Complexo, grandioso e extremamente alegórico, "Megalópolis" é um épico romano na América moderna, em que todos os elementos formadores da estrutura daquele império, do apogeu ao declínio, são inseridos no que compreendemos como a sociedade civilizada do século 21. Neste sentido, a mídia e a política são colocadas no centro da história como as catalisadoras de todos os movimentos, bons ou ruins. Noticiários de fofoca e a manipulação de mentiras, as "fake news", são equiparados à política do pão e circo, enquanto o idealismo de alguém que busca construir uma sociedade melhor é atacado como uma afronta ao desenvolvimento capitalista.

Essa miscelânea também é refletida esteticamente no filme, que mistura elementos arquitetônicos da velha cidade italiana com painéis eletrônicos fluorescentes e as luzes ofuscantes de flashes de câmeras. A inteligência artificial e os ares futuristas que remetem ao próprio "O Fundo do Coração" (depois aproveitados por filmes como "Blade Runner 2049" e "La La Land") convivem harmoniosamente com a fotografia urbana, suja e realista tão ligada à cidade de Nova York. No meio disso, é como se surgisse uma espécie de quadro renascentista para o qual o mundo talvez não esteja tão preparado como gostaria.  

É desta forma que Coppola cria seu testemunho forte e lúcido contra as estruturas de poder que tomam conta de Hollywood como "fonte detentora" do status quo do cinema -- e do que ele chama de "linhas de trem" que controlam as métricas de qualidade do cinema atualmente. Mas o filme vai além disso, e tece um comentário sobre a América como um grande império dominante e em decadência. O personagem de Adam Driver, Cesar Catalina, navega entre um idealista bem-intencionado e um manipulador do tempo e, por consequência, da imagem, enquanto o rigor ganancioso de Franklin Cicero (Giancarlo Esposito) é constantemente testado pelo niilismo de seu algoz. Aubrey Plaza, Nathalie Emmanuel e Shia Labeouf jogam os dois de um lado a outro o tempo todo brincando com suas próprias imagens que variam da vilania ao bom-mocismo com uma facilidade impressionante.

Coppola, é claro, não se contenta em ficar apenas nisso, e expande todos os conceitos que aborda e as metáforas através das quais trabalha até o limite do compreensível, como que para testar o espectador e o próprio cinema. Adepto aos riscos, sem os quais acredita que não existe cinema ou arte de modo geral, o cineasta expõe em "Megalópolis" sua bravata contra a opressão que coloca o novo sempre no lugar de contravenção. Mesmo assim, estamos falando de uma obra e um artista que se recusam a desacreditar da humanidade, e que passam longe de um olhar meramente raivoso para o homem e tudo o que construiu.

Francis Ford Coppola parece colocar a si próprio em Cesar Catalina, um engenheiro que se permite sonhar e imaginar uma sociedade melhor no meio de um mundo que se corrói por dentro. Na incompreensão e na crença inabalável de que a sociedade e a criatividade são possíveis, mesmo rodeados de ceticismo, Coppola e Catalina se agarram ao mais humano que existe: os laços familiares, a filosofia e o conhecimento. 

Durante sua masterclass em São Paulo na última segunda-feira (28), Francis citou livros, filósofos, cineastas, escritores e pintores com uma naturalidade que só pode vir de quem realmente estuda tais obras. Goethe, Emerson, Orson Welles, Glauber Rocha. Generosamente, Coppola distribui créditos às suas próprias referências, como uma forma de garantir que, de alguma forma, quem o estiver ouvindo faça o mesmo, enquanto abre para a plateia o grande conselho que dá aos próprios filhos: 

"Vocês são únicos. Então, se vocês forem fazer arte, ser escritores, cineastas ou pintores, ou qualquer outra coisa, façam com que seja pessoal, porque se a sua arte for pessoa para você, nada mais no mundo poderá se comparar. Isso é o que eu digo aos meus filhos. Foi o que falei para Sofia, Roman e Gian-Carlo. Façam a arte de vocês ser pessoal."

Enquanto mistura sátira social e ridicularização do fascismo e da masculinidade, Coppola ri da ideia dos símbolos de poder enquanto amontoa todos eles de forma propositalmente exagerada, sem fazer questão de dar a eles o sentido ou a importância que os mesmos acreditam ter. Se "Megalópolis" for o delírio sonhador de um homem louco, e que não esconde se colocar na própria história, ora com egocentrismo e ora com autocrítica, então o que ele mais tem a dizer é que a entrega genuína, ainda que imperfeita, é a maior marca que se pode deixar no mundo.

As possibilidades otimistas que o filme aponta, no fim das contas, estão de acordo com uma quase previsão que Coppola fez sobre o futuro e o papel do jornalismo e da arte.

"O jornalismo nunca vai morrer, porque ele é muito importante. Ele vai renascer de uma forma renovada. Algum tipo de sistema cinematográfico também vai crescer. É a mesma coisa quando um restaurante que você ama começa a morrer e as pessoas não vão mais lá, mas logo na esquina surge um restaurante novo. Eu acredito que essas duas instituições que eu amo, o jornalismo e o sistema de Hollywood, que me criou, mas não me quer mais, vão renascer."

'Sempre há novos sonhos e novas ideias', diz Coppola sobre futuro no cinema:
Fonte: Redação Entre Telas
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