Em 'Último Alvo', a luta de Liam Neeson é contra o espectador
O ator de 72 anos está buscando projetos que exigem menos dele fisicamente; aqui, ele encarna um criminoso que enfrenta doença neurológica degenerativa enquanto tenta se reaproximar da filha e realiza pequenos trabalhos para mafiosos
Foi em outubro de 2024 que o ator Liam Neeson anunciou que estava se aposentando dos filmes de ação. No entanto, apesar do susto dos fãs, não era uma aposentadoria compulsória ou taxativa: o que ele queria era fazer menos coisas como Busca Implacável e mais filmes que exigissem menos, fisicamente, do astro de 72 anos. Um bom exemplo desse novo momento de Neeson é o novo Último Alvo, em cartaz nos cinemas.
Dirigido pelo norueguês Hans Petter Moland, de Vingança a Sangue-Frio, o longa-metragem conta a história de um gângster que está em um momento complicado da vida. De um lado, enfrenta uma doença neurológica degenerativa e perde a memória aos poucos - o prazo de vida dado por um médico é de apenas "alguns meses". Do outro, tenta se reaproximar da filha enquanto também realiza pequenos trabalhos para mafiosos.
Um novo Liam Neeson
Último Alvo, ao contrário dos filmes de ação mais vigorosos da carreira de Neeson, como o já clássico Busca Implacável e o divertidíssimo Sem Escalas, tem um ritmo bem mais lento. Não temos o astro irlandês distribuindo sopapos em cena a todo momento, nem é um personagem invencível. Pelo contrário: Thug, esse mafioso vivido por Neeson, é falível, quase sempre correndo riscos, principalmente pela memória fraca e a falta de confiança.
É, enfim, o reflexo de um novo momento na carreira do ator, que está recalculando a rota bem ali, na frente de fãs e crítica. Claro: quem dá uma olhada na filmografia do astro nota, com facilidade, que o cinema de ação não é o único tipo de história que dá para encontrar por ali - o ator já fez filmes de fantasia (Star Wars: A Ameaça Fantasma), dramas potentes (A Lista de Schindler, Silêncio) e até romances inesperados (De Volta à Itália).
Mas é a ação seu carro-chefe. São os filmes de pancadaria que fizeram com que Neeson se tornasse mais conhecido e popular. Um título como Último Alvo mostra que o irlandês entendeu isso e precisa se reinventar. A ação ainda vive, mas pontuada mais por alguns socos, tiros, rivalidades e palavras mergulhadas em tensão e ameaças. É um novo Neeson, em continuidade a produções como Na Terra de Santos e Pecadores e até A Chamada, com o ator o tempo todo dentro de um carro, quase sem se mover com as próprias pernas.
No final, é interessante compreender melhor os caminhos de um ator tentando se reinventar e, mais do que isso, compreender novas linguagens e como adaptar o gênero à sua idade.
Mas 'Último Alvo' é bom?
Apesar da boa vontade de Neeson em se reinventar, procurando novas linguagens dentro do cinema de ação, é preciso entender que Último Alvo é um filme com mais erros do que acertos. Para começo de conversa, o cineasta Hans Petter Moland não consegue criar o mesmo clima de tensão que criou em Vingança a Sangue-Frio, filme divertido e ousado.
Na tela, Neeson fica perdido, andando de um lado para o outro, praguejando pela falta de memória - isso se repete exaustivamente ao longo das quase duas horas de duração, sem a situação avançar de fato. É como se Liam Neeson não estivesse lutando contra vilões musculosos e violentos, mas sim contra o espectador, afastando-o a todo o momento.
Ainda assim, há algo de climático por aqui. Neeson modula mais sua atuação - obviamente, não chega a ser Silêncio ou A Lista de Schindler - e é perceptível como ele também está entendendo melhor seu corpo e seus limites. A tensão chega por palavras e olhares, ainda que o diretor não saiba trabalhar tão bem o silêncio, tornando-o quase constrangedor.
Poderia ser melhor? Com certeza. Mas Último Alvo é interessante e, no final das contas, há um bom exercício de gênero, lembrando o que Denzel Washington, também na casa dos 70 anos, fez em O Protetor 3: menos pancadaria desenfreada e mais ação minuciosa, mesmo que errônea, vista nas pequenas coisas que emolduram a construção de um filme.