Filme grego 'Kynodontas' discute autoritarismo diante das crianças
Como muitos pais, o pai no filme grego Kynodontas ou Dente Canino em tradução livre, quer proteger seus filhos. Ele supervisiona a educação deles, monitora o que eles assistem e leem, e fica de olho neles em sua casa ensolarada do subúrbio. Na verdade, as crianças ¿ um filho e duas filhas - não têm sequer permissão de deixar o gramado espaçoso da casa.
Os irmãos nunca nomeados, no entanto, não são pequenos ¿ eles estão na casa dos 20 anos. E, no experimento sombrio de absurdo do diretor Yorgos Lanthimos, eles cresceram alheios ao mundo externo. Recebendo adesivos por completar suas tarefas, ensinados a usar substituições estranhas para certas palavras ("mar", por exemplo, significa "cadeira"), eles brincam com jogos e matam o tempo numa inocência artificial que se alterna entre hilária, macabra ou desconcertante. Kynodontas estreou sexta-feira no Cinema Village, em seu primeiro lançamento comercial nos cinemas americanos.
Precisamos de algumas cenas para entender o arranjo do filme, porque, talvez numa reflexão sobre como as famílias parecem ser óbvias para si mesmas, nenhuma explicação é dada. (A conversa infantil de dois filhos crescidos é uma pista inicial de que algo bizarro está acontecendo.) A estratégia impassível de Lanthimos nos convida à especulação e evita o didatismo.
"Espera-se que ele seja aberto o bastante para que todas essas pessoas se envolvam e discutam sobre Estados totalitários, e a ditadura na Grécia", Lanthimos, 37, disse em entrevista em março, um pouco antes da exibição do filme na série Novos Diretores/Novos Filmes, organizada pela Film Society do Lincoln Center e pelo Museum of Modern Art. "Em Toronto, houve alguns americanos que me perguntaram sobre educação domiciliar no lugar da escola. No Reino Unido, me questionaram, 'é sobre o fato de não podermos mais deixar nossos filhos sair por ser muito perigoso?'."
Outras possibilidades vêm à mente: uma versão reduzida ao absurdo do Éden, uma sátira das famílias gregas, uma parábola ao estilo de B.F. Skinner sobre desejo e repressão. Mas uma coisa sobre Kynodontas é inequívoca: é algo raro ter um novo filme aclamado de um país não conhecido por seu cinema contemporâneo. Em Cannes, no ano passado, o filme venceu o prêmio principal na mostra Un Certain Regard, mas apenas gradualmente atraiu mais atenção em outros festivais internacionais.
"Foi muito importante na Grécia receber o prêmio em Cannes depois de tanto tempo, depois de Angelopoulos, anos atrás", Lanthimos disse, se referindo ao grande cineasta da Grécia, que ganhou a Palma de Ouro em Cannes por "Uma Eternidade e Um Dia" em 1998. "Então foi meio que um orgulho nacional."
Até mesmo Angelopoulos, que tem 75 anos, deu sua aprovação a Kynodontas numa mensagem de e-mail: "Gostei muito. É uma história incomum, mas também estranhamente madura. Lanthimos é a voz mais importante dos novos cineastas da Grécia hoje."
A aclamação do filme de Lanthimos Kinetta (2005) em festivais ajudou a assegurar o orçamento original para Kynodontas, mas, mesmo assim, o financiamento não foi fácil.
"A maioria das pessoas teve que trabalhar de graça ou por muito pouco dinheiro, e tivemos que pedir muitos favores, elementos de cenário e móveis", Lanthimos disse. "Começamos com um orçamento de 250 mil euros", cerca de US$ 308 mil, "mas acabou custando o dobro, se considerarmos todas as pessoas que não receberam e todas as coisas que conseguimos de graça."
Não é surpresa que a criação confinada adotada pelos pais em Kynodontas encontre alguns empecilhos. A educação sexual não ortodoxa que o pai dá ao filho, por exemplo, envolve uma segurança da fábrica que é trazida à casa da família. (Ela é vendada durante a viagem de carro.) Ela acaba introduzindo o que poderíamos chamar de contaminantes culturais na casa, na forma de vídeos.
No final das contas, Kynodontas mostra características consagradas dos filmes chocantes do cinema de arte moderno: comece com um conceito antiutópico, então misture ingenuidade artificialmente elevada, violência repentina e reticência perversa. E enquanto o pai tenta estreitar os laços familiares (além de manter o telefone escondido em uma cabine), o filme vai mais longe ao lidar com tabus de incesto e brutalidade contra os indefesos.
"Para mim, são como crianças", Lanthimos disse. "Acho que as crianças são muito violentas umas com as outras. E se você levar essa situação a esses adultos que continuaram sendo crianças, as coisas ganham proporções maiores. Existe toda essa tensão entre eles que de alguma forma precisa ser liberada."
O que surge acaba sendo um estudo volátil sobre a fome humana por experiência, o que forma uma dupla intrigante com o filme enigmático anterior de Lanthimos. Em Kinetta, um pequeno grupo encena a reconstituição roteirizada de acidentes e ataques que ocorreram em torno de um resort. Lanthimos parece estar formando um conjunto da obra sobre microculturas bizarras e caseiras ¿ em um país cujo patrimônio literário rico fundamenta a civilização ocidental.
É um projeto curioso, mas sincero, de um cineasta fascinado (e entretido) pelas possibilidades de experimentos comportamentais radicais. Mas Lanthimos ¿ que no ano que vem irá dirigir Chekhov para o teatro nacional grego e que irá revisitar o tema das reconstituições num novo filme em que está trabalhando, chamado Alpis, ou Alpes - vê motivos mais primitivos no comportamento dos pais em Kynodontas.
"Para mim, eles acham que estão fazendo isso por amor", ele disse. "E eles inventam todas essas ideias ridículas para protegê-los e mentem para eles, pois querem protegê-los. Eles acham que essa é a melhor coisa que eles podem fazer pelos filhos. Acho que eles são tão burros que realmente acreditam nisso."