Drogas e dramas pontuam história real de 'O Vencedor'
- Carol Almeida
- Direto de Los Angeles
Com pinta de sucesso entre rapazes e moças, O Vencedor é no fundo mais uma variação do tema predileto da fábula americana: superação. Debruçado sobre a ideia de que, como sintetizaria aquele esperto slogan, "sim, você pode", o filme agrada na sua simplicidade, atuações e até mesmo no lugar comum um tanto recorrente. Mas sobretudo, tende a ganhar simpatia do público graças ao pacote completo que oferece: drama, drogas e o drible final na derrota iminente. E de bônus você ainda tem o acalentador "baseado em fatos reais". Nas palavras de outro slogan, este de uma rádio FM, O Vencedor é uma "sucessão de sucessos", embalado para agradar, mas dificilmente para levar a maior parte de suas sete importantes indicações ao Oscar este ano, incluindo Melhor Filme.
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Produzido e estrelado por Mark Wahlberg e dirigido por David O. Russell, o filme possivelmente vai levar os dois prêmios de atores coadjuvantes: o masculino para Christian Bale e o feminino para Melissa Leo, ambos já premiados no Globo de Ouro e no SAG Awards deste ano. É importante destacar o reconhecimento dessas duas pessoas como um fator de análise da estrutura do filme. Particularmente no que compete ao papel de Christian Bale. Indicado em todas as categorias como coadjuvante, seu papel é, na verdade, o motor propulsor e principal elemento da história em seu começo, meio e fim. Sim, tecnicamente ele é um coadjuvante. Mas não se enganem: Dicky Eklund, seu personagem (real) em questão, é a pessoa que dá título a esta produção.
Hiperativo, olhos esbugalhados, língua solta. É assim inquieto que Dicky nos é apresentado pela lente de um documentário que, em seu mundo imaginário, vai registrar a sua "volta" às lonas de boxe. Ao lado dele, o também boxeador Micky Ward, seu irmão mais novo, vivido por Mark Wahlberg, aquele que é tecnicamente o protagonista. O filme que está sendo gravado por uma equipe da HBO no começo dos anos 1990 trata-se, você descobre um pouco mais adiante, de um documentário sobre como o crack destruiu a América, em outras palavras, como o crack destruiu o ex-vencedor Dicky Eklund.
Tivesse o filme se concentrado na história de Dicky, o cara que ficou conhecido no boxe por ter sido aquele que nocauteou (porém não venceu) o lendário Sugar Ray Leonard e depois tentou reviver o sonho da vitória inalando fumaça de pedras de crack, O Vencedor teria mais dimensão e força dramática. Mas é de se respeitar e entender a decisão de colocar a sua história como um elemento paralelo à trajetória do irmão mais novo, um rapaz de voz baixa, gestos educados e um olhar que repousa paciente. Com os dois elementos desse fraternal Yin-Yang, o filme consegue cumprir a cota lição de moral da temporada, necessária para a manutenção da tradição hollywoodiana.
Com Micky e Dicky presos nessa grande lona que é o cotidiano da América suburbana, temos elementos suficientes para servir um prato cheio potenciais cenas de glória em câmera lenta (não se esqueçam que este é também um filme de boxe!) e distúrbios familiares. Afinal de contas, Dicky é, além de irmão mais velho, o treinador do não mais tão jovem boxeador Micky. Mas o fato é que a fartura dramática vai ainda mais além com a figura da mãe-empresária, cuja experiência de vida tenta se justificar na sua voz marinada de nicotina, e com a namorada de Micky, uma garçonete classe média cujas falhas se escondem sob sua atitude proativa de defender seu homem.
Melissa Leo, indicada em 2009 ao Oscar de Melhor Atriz com Rio Congelado, é a mãe. Amy Adams, indicada em 2005 e 2008 a Melhor Atriz Coadjuvante respectivamente em Retratos de Família e Dúvida é a namorada. Juntas, elas costuram os fios que, de outro modo, estariam soltos na trama. Como Alice Ward, Leo é a matriarca líder de uma família com nove filhos, dois homens - Dicky e Micky - e sete mulheres com cortes de cabelo duvidosos. Mantém também uma atitude bastante tendenciosa quanto à sua preferência pelo sempre alucinado Dicky. Amy, por sua vez, é Charlene (o nome tem uma sonoridade natural de subúrbio) e toma para si a responsabilidade de cuidar do namorado quando seu irmão mais velho é novamente preso, desta vez depois de ser pego roubando clientes de prostitutas que trabalhavam para ele.
São delas também os momentos de jogar prato na parede, da briga com puxões de cabelo e outras variações de explosão hormonal feminina. E sim, ambas estão muito bem em seus papéis, ainda que os mesmos sejam pré-moldados para ganhar atenção em premiações. Afinal, quantas mães destemperadas e mulheres mais fortes que seus homens musculosos já foram indicadas ao Oscar? A conta é grande.
De um jeito ou de outro, as decisões que dão recorte à história real dos irmãos que, juntos (e só porque juntos), conseguiram superar seus próprios demônios recebeu tantas indicações pelo mesmo motivo pelo qual não deve ganhar as principais categorias de Melhor Filme e Diretor. O Vencedor é um título que, a exemplo de tantas outras histórias de vida no estilo autoajuda, Erin Brockovich e Um Sonho Possível para citar casos recentes, premiou seus atores, mas não suas lições.