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Editoras apostam em contos avulsos para vencer falta de tempo de leitores

Plataformas digitais disponibilizam textos curtos, gratuitos ou não, para atrair público e fazer a literatura rivalizar com outras mídias, como séries, podcasts e músicas

20 ago 2019 - 17h35
(atualizado em 21/8/2019 às 16h20)
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O conto sempre foi considerado um patinho feio editorial - um gênero de pouca penetração no mercado por conta da irregularidade das compilações, uma vez que dificilmente todos os textos em um livro manterão o mesmo padrão de qualidade. No entanto, com a crise do mercado editorial brasileiro e as novas possibilidades abertas pelo mundo digital, as editoras vêm voltando seus olhares para a forma breve como uma nova oportunidade de angariar leitores. Em tempos de consumo de séries, podcasts e música nos dispositivos móveis, os contos tornaram-se a arma da literatura contra outras mídias para disputar a atenção e o escasso tempo dos leitores.

A editora Morro Branco, por exemplo, publica gratuitamente, a partir de setembro, contos, textos curtos, peças e ensaios, todos inéditos no Brasil, por meio de uma plataforma online projetada especialmente para tornar a leitura confortável em celulares. A iniciativa, batizada de Cápsulas, deve ter início com o lançamento de Speech Sounds, conto clássico da autora americana de ficção científica Octavia Butler.

"Mais do que qualquer coisa, queremos criar novos leitores. Precisamos tomar atitudes de curto prazo para disputar a atenção com outras mídias e trazer um conteúdo que possa ser lido de forma rápida", disse o editor Victor Gomes ao Estado. "A ideia é que as pessoas possam conhecer não só autores famosos lá fora que são desconhecidos no Brasil, mas que possamos lançar brasileiros ao público dando um destaque maior, colocando-os em um patamar diferenciado do que estar perdido em plataformas de autopublicação."

Entre as obras curtas que a Morro Branco pretende publicar mensalmente estão textos relevantes nunca traduzidos para o português, como o conto de Butler, e outros já traduzidos mas raros e praticamente fora de catálogo, como a peça Rossum's Universal Robots (1920), do escritor checo Karel Capek, onde foi publicada pela primeira vez a palavra "robô" (a obra foi traduzida como A Fábrica de Robôs em uma edição de 2012 da Hedra). Em 2020, a editora também promete publicar inéditos de autores brasileiros.

A Companhia das Letras, desde 2018, publica contos inéditos ou clássicos por meio de sua newsletter, na coleção Contém um Conto. Agora, todos os textos - de nomes contemporâneos como Sérgio Sant'Anna, Noemi Jaffe e Jarid Arraes, ou do passado, como Edgar Allan Poe, E.T.A. Hoffmann e Balzac - estão disponíveis de forma avulsa em e-book por R$ 3,90 a R$ 4,90.

"Acredito que o formato curto pode se beneficiar muito do mundo digital. A facilidade de fazer o download de um texto enquanto se está na fila, esperando a reunião ou numa viagem de ônibus, contribui para que o conto apareça como alternativa válida a um episódio de série ou um podcast", afirma Luara França, editora que coordena o projeto. "Como os contos podem ser lidos do começo ao fim em um curto período, acredito que o formato digital possibilita que o gênero se 'infiltre' nos pequenos espaços de tempo do leitor."

Para ela, a publicação de contos avulsos - algo impossível em formato impresso - é um bom caminho de fazer o leitor entrar em contato pela primeira vez com a obra de um autor sem ter de investir uma grande quantidade de tempo em um romance.

A editora Boitempo publica poucas obras de ficção, mas também aposta em textos curtos publicados nas plataformas digitais para atrair leitores. "As pessoas têm pouco tempo e atenção para parar e ler um livro inteiro, então a gente tenta fazer isso para servir de apoio à leitura", diz Artur Renzo, editor do blog da Boitempo, que publica ensaios inéditos e até vídeos sobre alguns de seus livros.

"Se a gente entender a editora em um sentido mais amplo, como mediação entre autor e leitor, faz todo sentido", acrescenta Renzo, que conta que uma das coleções da editora, a Tinta Vermelha, foi criada a partir de textos publicados originalmente na internet e posteriormente reeditados em livros impressos.

Renzo lembra também do caso da Antofágica: a recém-criada editora colocou no ar um canal de YouTube com ensaios em vídeo sobre literatura, cinema, filosofia e cultura em geral antes mesmo de publicar seu primeiro livro. Para Renzo, essa conjunção entre textos e conteúdos multimídia podem ser bem-vindos para a difusão de livros em tempos de disputa por atenção na internet: "É uma tentativa de falar com o público que está na internet e trazer uma formação mais profunda para o leitor".

A Amazon, por meio de uma parceria com três agências literárias, já publicou algumas antologias de contos inéditos e, aproveitando sua plataforma, comercializa não apenas as coletâneas inteiras, mas cada texto separadamente por um valor menor. A Coleção Identidade já reuniu, de forma totalmente digital, escritores como Aline Bei, Giovana Madalosso, Carlos Eduardo Pereira, Veronica Stigger, André de Leones, Samir Machado de Machado, além de diversos outros nomes que despontam no cenário contemporâneo.

O mundo digital, que se apresenta às editoras como um grande desafio, por vezes também oferece possibilidades inéditas, como a de transformar um gênero outrora pouco valorizado em uma aposta para angariar novos leitores e fortalecer a literatura.

Estadão
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