Crítica do 6º episódio de The Last of Us: Como éramos
Um episódio de flashback nos permite ver como Joel foi criado - e o que realmente aconteceu entre ele e Ellie antes de Abby se vingar
Este post (via Rolling Stone) contém spoilers do episódio desta semana de The Last of Us, agora disponível na Max.
Na primeira temporada, The Last of Us se desviou das aventuras de Joel e Ellie para apresentar a bela história de amor pós-apocalíptica de Bill e Frank. Foi o episódio mais aclamado do primeiro ano da série, apesar de mal contar com Pedro Pascal e Bella Ramsey. Mas, por mais que o público tenha adorado, ninguém estava pedindo para que a série abandonasse seus protagonistas em favor de mais histórias sobre os antigos amigos de Joel.
O penúltimo capítulo da segunda temporada é um tipo diferente de "episódio de desvio": um olhar para o que aconteceu nos cinco anos entre as temporadas, e um retorno à época na qual a série girava inteiramente em torno do relacionamento entre Joel e Ellie. Mas, enquanto "Por Muito, Muito Tempo" parecia uma história completa sobre Bill e Frank que não precisava de continuação, a oportunidade de ver Pascal e Ramsey juntos novamente só reforça a sensação de que a série — se não o jogo antes dela — escolheu mal ao matar Joel para enviar Ellie e Dina em uma missão de vingança autodestrutiva e sem sentido.
O episódio tem o objetivo de reforçar o motivo pelo qual Ellie está comprometida com essa jornada, ao nos lembrar o quanto Joel significava para ela e, finalmente, mostrar a discussão que os dois tiveram sobre as ações dele em Salt Lake City. Mas cumpre seu papel bem até demais: à medida que o episódio se aproximava do fim, tudo o que eu queria era mais histórias ambientadas em Jackson durante aqueles cinco anos perdidos, em vez de voltar para Seattle e assistir Ellie continuar perseguindo Abby.
Fora do contexto mais problemático da segunda temporada, porém, este foi um episódio espetacular de televisão, e que realmente esteve à altura do padrão estabelecido por "Por Muito, Muito Tempo".
A abertura não se passa dentro do salto de cinco anos, mas em Austin, em 1983, quando Joel era adolescente. Ele e Tommy vivem com medo do pai policial, interpretado de forma brilhante por Tony Dalton (Better Call Saul), e quando os irmãos se envolvem em uma briga porque Tommy tentava comprar drogas, Joel decide assumir a culpa, sabendo que consegue aguentar uma surra melhor que seu irmão mais novo. Mas, quando o pai deles chega em casa para lidar com o problema, não está tomado de raiva. Ele está apenas cansado e triste, especialmente quando conta a Joel sobre o próprio pai, que era muito mais abusivo do que ele jamais foi com Joel e Tommy. Ele descreve uma vez em que teve a mandíbula quebrada pelo pai por roubar uma barra de chocolate aos 10 anos e admite que, sim, já bateu nos filhos, "mas nunca daquele jeito". Enquanto conta a história, ele não é o homem assustador que Joel conhece, mas o menino de 10 anos apavorado cuja mandíbula ficou lesionada por dois meses. É um momento incrível, e em que Dalton parece assustadoramente parecido com Pascal. Pessoas machucadas machucam pessoas, e às vezes o melhor que se pode fazer é machucar a próxima geração um pouco menos do que se foi machucado.
A partir daí, seguimos dois meses após Joel e Ellie retornarem de Salt Lake City para Jackson. Nesse ponto, o episódio começa a preencher várias lacunas mencionadas anteriormente na série. Seth, por exemplo, é um ex-policial de Milwaukee, e vemos Ellie no dia em que ela queimou deliberadamente o braço para poder usar mangas curtas sem que ninguém notasse suas marcas de mordida. Joel personaliza o violão de Ellie como o primeiro de muitos belos presentes de aniversário do episódio, e até canta "Future Days", do Pearl Jam, para ela — a mesma música que ela tocou no teatro em Seattle, mais cedo na temporada. Enquanto ele canta, somos lembrados de que o olhar de Ellie para Joel, cheio de amor puro e avassalador, sempre foi o maior trunfo da série, o que ajuda a justificar o rumo terrível que ela tomou após sua perda — mas, acima de tudo, parece um enorme desperdício de recursos abrir mão disso.
(*) A música é de um álbum de 2013. Na linha do tempo da série, a pandemia de Cordyceps começou em 2003. Agora temos que nos perguntar o que mais é diferente na realidade da série em relação à nossa. Será que Mad Men chegou a ter ao menos uma temporada antes do mundo acabar?
O presente do ano seguinte é ainda mais impressionante: uma visita a um museu próximo, onde a cápsula de comando da Apollo 15, a Endeavour, estava em exibição quando o apocalipse aconteceu(*). A devoção nerd de Ellie (**) à corrida espacial continua cativante, e aqui vemos que sua imaginação é tão poderosa que ela realmente consegue se sentir como se estivesse decolando para o espaço — e além.
(*) No nosso mundo, é preciso ir até a Base Aérea de Wright-Patterson, em Ohio, para vê-la.
(**) Ela não é nerd a ponto de ignorar o erro de usar um capacete do programa Gemini dentro de uma espaçonave do programa Apollo.
Esse aniversário sugere que Joel ainda não percebeu que Ellie é queer, e quando a pega depois com a tatuadora Kat, ele define tudo como "experimentação" e insiste que Ellie não sabe o que está dizendo ao afirmar que aquilo é quem ela é. A estreia da temporada foi vaga o suficiente sobre os motivos do afastamento entre Joel e Ellie para que assumíssemos que ela saiu da casa principal (*) por causa dos eventos de Salt Lake City. Em vez disso, foi por causa dessa briga, o que também ajuda a explicar por que Joel reagiu de forma tão exagerada quando Seth lançou um insulto homofóbico contra Ellie e Dina no episódio de estreia.
(*) Ao empacotar as coisas, vemos que a coleção de discos de Ellie inclui um álbum de Zamfir, mestre da flauta de pã. No pós-apocalipse, às vezes você precisa se contentar com o que encontra musicalmente.
Outro salto no tempo nos leva ao aniversário de 19 anos de Ellie, quando ela finalmente cria coragem para confrontar Joel sobre o que já sabe, mesmo que ele nunca tenha contado diretamente. Antes disso, porém, o presente do ano é levá-la à sua primeira patrulha, que não corre nem um pouco tão bem quanto a visita ao museu.
O primeiro episódio da temporada já havia estabelecido que Joel matou o marido de Gail, Eugene, e aqui vemos Eugene na forma física do grande ator Joe Pantoliano. Eugene já foi um Vagalume, mas agora é apenas um velho que quer voltar para casa e se despedir da esposa — se não tivesse sido infectado enquanto estava fora. Ele implora para que Joel o leve de volta a Jackson para dizer adeus a Gail antes de ser executado, e Ellie também suplica. Mas Joel sempre colocará a proteção de Ellie acima de tudo no mundo — inclusive do destino do próprio mundo — e o risco de Eugene se transformar antes de chegarem é alto demais para ele. Joel manda Ellie embora e leva Eugene para a execução.
Assim como Dalton no começo do episódio, Joe Pantoliano consegue transmitir toda uma vida em poucos minutos, de modo que, quando tenta visualizar o rosto de Gail uma última vez antes de ser morto, parece que conseguimos ver exatamente o que ele está vendo, mesmo antes de dizer: "Eu a vejo", logo antes do disparo. Joel tenta mentir para Gail, mas uma Ellie amarga revela a verdade, e somos lembrados de mais um superpoder de Bella Ramsey: a forma como seu rosto parece mudar de forma quando Ellie se sente traída por alguém em quem confiava.
Nosso salto final no tempo é de menos de um ano, para os eventos da estreia da temporada, agora vistos de outros ângulos. A adição mais significativa é a conclusão do episódio, em que vemos que, após Ellie passar por Joel sem dizer uma palavra ao chegar em casa, ela depois volta para falar com ele. Finalmente consegue fazê-lo falar sobre Salt Lake City, e fica compreensivelmente furiosa quando ele tenta justificar suas ações dizendo que a cura a teria matado. "Então eu devia ter morrido!", ela grita. "Esse era meu propósito. Minha vida teria um significado! Mas você tirou isso de mim! Tirou de todo mundo!" E é aqui que voltamos à lição da cena de abertura, quando Joel sugere que, se Ellie tiver um filho algum dia, entenderá a escolha dele, e acrescenta: "Espero que você faça um pouco melhor do que eu."
Ambos os atores estão em seu auge aqui, especialmente Pascal, quando Joel começa a chorar. E a cena reconfigura o que aconteceu depois. Até então, parecia que Ellie havia perdido Joel em um momento em que não estavam se falando, e por isso não teve um encerramento emocional. Em vez disso, vemos que eles tiveram essa última conversa, que enfrentaram o maior ponto de tensão entre eles, e que até terminou com uma nota de esperança, com Ellie dizendo: "Não sei se posso te perdoar por isso. Mas gostaria de tentar."
Este é o primeiro episódio da temporada dirigido por Neil Druckmann, que extrai atuações excepcionais de todos os atores, como Catherine O'Hara, no momento em que Ellie conta a verdade e parte seu coração. Com esta temporada, ele e Craig Mazin estão seguindo a escolha que Druckmann já havia feito com The Last of Us Part II. Quando o criador do material original está envolvido na adaptação, não é surpresa que ele tente ser o mais fiel possível. Mas cada segundo de Joel e Ellie neste episódio parece gritar para Druckmann, Mazin e companhia que eles deveriam ter olhado para a série que estavam fazendo e decidido que não fazia sentido seguir o caminho conhecido.
É, ao mesmo tempo, o ponto alto desta temporada de The Last of Us — e uma rejeição de quase todo o resto dela.
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