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Como filhos devem lidar com pais que têm Alzheimer? Ator reflete sobre esta experiência em monólogo

Ator Aury Porto estreia em São Paulo nesta quinta-feira a peça 'Meu Nome: Mamãe', que trata das vivência de sua família em relação à doença da mãe

8 jun 2023 - 15h10
(atualizado às 15h26)
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Dona Maria Gessy de Araújo Correia mora em um sítio na cidade de Palmácia, a cerca de 70 quilômetros de Fortaleza. Aos 89 anos, ela atravessa seus dias com o mal de Alzheimer há 15 em um avanço lento da doença que lhe permite ainda hoje caminhar, ir ao banheiro sozinha, tomar banho de pé e até bem pouco tempo cozinhar.

Peça 'Meu Nome; Mamãe', com o ator Aury Porto
Peça 'Meu Nome; Mamãe', com o ator Aury Porto
Foto: Jennifer Glass / Divulgação / Estadão

Foi para lá que seu filho, o ator Aury Porto, de 58 anos, o bendito fruto em meio a três irmãs que vivem na capital cearense, se mudou em 2020, depois de dois meses de uma pandemia que se anunciava duradoura. "Não fazia sentido continuar em São Paulo, sem trabalho, pagando aluguel,. Fiquei com minha mãe até 2022 e, desde então, tenho ido e voltado constantemente", afirma Porto, radicado na capital paulista há 35 anos, que traz no currículo espetáculos marcantes do Teatro Oficina e da Mundana Companhia, vários deles aplaudidos pela mãe em suas visitas ao filho.

A convivência estreita com Dona Gessy - ou Jessé, como ela prefere ser chamada - inspirou o artista a levar a sua experiência com o Alzheimer ao teatro. Sob a direção de Janaína Leite e apoiado na dramaturgia de Cláudia Barral, Porto estreia nesta quinta, 8, o monólogo Meu Nome: Mamãe no Auditório do Sesc Pinheiros, entendendo que pode oferecer uma contribuição social e até política a quem atravessa experiências semelhantes à sua e de suas irmãs.

Para o ator, é natural as famílias isolarem o idoso diante dos primeiros sinais da doença. Com Dona Gessy foi o contrário. Desde o diagnóstico, ela é cercada de carinho e se mantém participativa em todos os acontecimentos que envolvem filhos, netos e amigos. "A minha mãe não virou uma criança ausente do mundo, continuou expressando sua personalidade e nós nos esforçamos cada vez mais para puxá-la para junto de nós."

No palco, o ator representa a si mesmo, no papel de filho, e, por vezes, assume a identidade materna, mostrando como ela reagiria diante as situações criadas pela dramaturgia. Nesta dinâmica troca de máscaras, o intérprete traça um paralelo entre o que imagina ocorrer com a memória do portador de Alzheimer e um certo surrealismo no qual imagens e situações se expressam diretamente do inconsciente sem obedecer a uma linearidade.

A ideia de levar essa narrativa confessional ao teatro surgiu de tanto que o artista relatava aos amigos casos engraçados e inusitados ocorridos no sítio da família. O bom humor estava sempre presente e, de acordo com os interlocutores, era o grande diferencial. O ator foi resistente aos estímulos em um tempo em que o teatro parece tão voltado ao umbigo de seus artistas. Entendeu, no entanto, que seu depoimento poderia enriqueceria o debate em torno da velhice e do Alzheimer por não ser pautado pela melancolia.

"A tristeza não passa pela nossa relação, eu boto minha mãe para dormir, interpreto personagens com o lençol, coloco música e danço para ela, a gente se diverte junto", declara. "Antes da doença, mamãe era emotiva, chorava fácil, de uns tempos para cá, percebo que ficou irônica e engraçada."

Até 2019, Dona Gessy vivia com o marido, Seu João, que morreu aos 94 anos e protegia a mulher dia e noite como dois jovens namorados. "Meu pai era totalmente apaixonado e lutou muito para ficar com minha mãe porque meu avô materno era contra o casamento", conta. No ano passado, uma forte pneumonia colocou a matriarca de cama por semanas a fio. "Foi um alvoroço e, no meio da preocupação, minhas irmãs e eu só pensávamos que ela não podia nos deixar antes da comemoração dos 90 anos."

O filho reconhece que a doença deu um salto considerável nos últimos meses. Dona Gessy tem falado pouco e não organiza as palavras com a mesma habilidade de antes. Às vezes, no meio da refeição, se esquece de que está comendo e precisa de ajuda para levar o talher até a boca. Em sua última visita, no começo de maio, Porto ficou em Palmácia por seis dias e ouviu uma só vez o seu nome. Na despedida, no entanto, ele disse "mãe, estou indo e volto já" e, de imediato, teve a resposta: "tchau, meu filho!".

Meu Nome: Mamãe. Auditório do Sesc Pinheiros. Rua Paes Leme, 195, Pinheiros. Quinta a sábado, 20h. R$ 30,00. Até 1º de julho. Nesta quinta (8), excepcionalmente, às 18h.

Peça 'Meu Nome; Mamãe', com o ator Aury Porto
Peça 'Meu Nome; Mamãe', com o ator Aury Porto
Foto: Jennifer Glass / Divulgação / Estadão
Peça 'Meu Nome; Mamãe', com o ator Aury Porto
Peça 'Meu Nome; Mamãe', com o ator Aury Porto
Foto: Jennifer Glass / Divulgação / Estadão
Estadão
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