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Como a nova literatura coloca a Amazônia no centro de histórias e debates

Às vésperas da abertura da COP-30, livros de ficção e de não ficção colocam a floresta, seu entorno e seus habitantes em primeiro plano e ajudam a chamar a atenção para a urgência de se preservar a natureza e a vida

7 nov 2025 - 18h13
(atualizado às 18h21)
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Demorou quase 30 anos para que Um Rio Sem Fim, romance da escritora manauense Verenilde S. Pereira, de 69 anos, fosse celebrado por críticos, leitores e festivais literários. "Ficou como águas estagnadas a ponto de quase provocar um intencional 'esquecimento' das questões colocadas pelos personagens", diz a autora, que foi uma das atrações da Festa Literária Internacional de Paraty este ano, após sua obra, que apresenta histórias ambientadas na região do rio Negro, ter sido reeditada.

Quem visitar uma livraria nos próximos dias vai reparar que Um Rio Sem Fim não está sozinho na gôndola. Às vésperas da abertura da COP-30, que vai reunir as pessoas mais importantes do planeta no coração da floresta amazônica na próxima semana, uma nova safra de livros - de e sobre a Amazônia - nos aproxima das questões que serão defendidas lá. E também nos dão notícias de modos de vida e sobrevida tão particulares e ancestrais, de lutas pela terra, pelo outro e por direitos, de amores, de denúncias. São livros que ajudam a chamar a atenção para a urgência de se preservar a natureza, de se preservar a vida.

Monique Malcher, autora de 'Degola', é uma das vozes que colocam a Amazônia em evidência na literatura.
Monique Malcher, autora de 'Degola', é uma das vozes que colocam a Amazônia em evidência na literatura.
Foto: Renato Parada/Divulgação / Estadão

Essas novas obras também se juntam a outras vozes - algumas um pouco esquecidas -, que romperam fronteiras e circularam entre leitores distantes de seus locais de origem, como o poeta Thiago de Mello (1926-2022), de Faz Escuro Mas eu Canto (leia entrevista concedida em seus 90 anos, em 2016), Márcio Souza (1946-2024), que levou Mad Maria até a TV Globo, e Milton Hatoum, que colocou sua Manaus no centro de sua obra.

O resgate de 'Um Rio Sem Fim'

Lançado originalmente em 1998, o romance de Verenilde S. Pereira foi "redescoberto" pelo pesquisador Rodrigo Simon de Moraes, pós-doutorando na Universidade de Princeton, nos Estados Unidos. A Alfaguara, selo da Companhia das Letras, abraçou a obra e publicou uma nova edição, sob a responsabilidade de Fernando Baldraia, editor de diversidade do grupo, no começo de julho.

Misturando romance, ensaio e reportagem, com prosa e estilo muito próprios, o livro retrata personagens como o bispo Dom Matias e as meninas indígenas Maria Assunção e Rosa Maria e a maneira violenta como a Igreja Católica agiu na região. Educadas em uma missão religiosa, as garotas são enviadas para trabalhar para uma família rica de Manaus, em uma trama que levanta reflexões sobre desigualdade, resistência cultural e ancestralidade.

Verenilde S. Pereira é autora de 'Um Rio Sem Fim', que foi resgatado e publicado novamente após 25 anos.
Verenilde S. Pereira é autora de 'Um Rio Sem Fim', que foi resgatado e publicado novamente após 25 anos.
Foto: Cicero Bezerra/Divulgação / Estadão

"A obra trata de questões seculares que prosseguem no mundo contemporâneo com a colonialidade, resistências, guerras, apaziguamentos e, dentre outras, as possibilidades do que poderá vir", explica Verenilde.

Do passado ao presente: outros lançamentos

Monique Malcher nasceu em Santarém, no Pará, em 1988, uma década antes de o livro de Veronilde S. Pereira ser lançado pela primeira vez. Ela é autora de Degola, que chegou às livrarias no final de julho, pela Companhia das Letras. A protagonista da história é Sol, que passou a infância em uma ocupação de terra em Manaus. Já adulta, ela busca se desfazer das cicatrizes causadas pela violência do local, manifestando esse desejo na vontade de aprender a nadar.

"O livro se passa em uma Manaus dos anos 1990, mas também nos leva a pensar sobre outros lugares da Amazônia que ainda seguem com os mesmos desafios: o da moradia, do saneamento, da desvalorização dos territórios e da falta de políticas públicas", diz Monique.

Para construir sua história, ela conversou com moradores de ocupações e manteve um caderno de campo etnográfico com colagens, desenhos, recortes de jornais e referências acadêmicas sobre o tema.

Monique Malcher, autora de 'Degola', é uma das vozes que colocam a Amazônia em evidência na literatura.
Monique Malcher, autora de 'Degola', é uma das vozes que colocam a Amazônia em evidência na literatura.
Foto: Renato Parada/Divulgação / Estadão

"Em Degola, vão aparecer também as consequências desse abandono governamental como os desabamentos, não só os internos, mas os geográficos. A maioria dos lugares de ocupação vai sofrer com as questões climáticas exatamente pela falta de estrutura habitacional", diz Monique.

O olhar para a Amazônia

O escritor e antropólogo paulista Pedro Casarino é um dos exemplos de autores que voltaram sua atenção para as comunidades indígenas. Professor do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, há anos ele dedica suas pesquisas à cosmologia e ao pensamento narrativo de povos indígenas da Amazônia.

No romance Os Urubus Não Esquecem, lançado pela Todavia, ele cria um thriller que aborda os desafios da maior floresta tropical do mundo, a partir da perspectiva de seus moradores.

A trama parte do desaparecimento de um garoto. Quando os restos mortais de sete jovens indígenas são encontrados no lixão, menos os do filho de Maya, ela parte em uma jornada em busca do menino. O livro aborda a ação dos madeireiros e das redes de narcotráfico na Amazônia.

O escritor Pedro Cesarino, autor de 'Os Urubus Não Esquecem', dedicou a vida acadêmica a estudar o pensamento narrativo de povos indígenas da Amazônia.
O escritor Pedro Cesarino, autor de 'Os Urubus Não Esquecem', dedicou a vida acadêmica a estudar o pensamento narrativo de povos indígenas da Amazônia.
Foto: Fondation Jan Michalski © Tonatiuh Ambrosetti/Divulgação / Estadão

Movimento editorial?

Para as editoras, a publicação de livros que abordam a causa indígena e o colapso climático não está diretamente relacionada à proximidade da COP-30. Mas que eles sejam lançados neste momento é oportuno.

"Falar sobre a Amazônia é discutir quem somos e o que queremos ser. O melhor momento para enfrentar o desmatamento ilegal da floresta teria sido há 20 anos; mas o segundo melhor momento é agora. A floresta, de pé, continua sendo um espelho e um laboratório: nela, encontramos formas de coexistência, saberes e modos de organização social que podem nos ensinar a viver melhor no mundo", diz Mario Santin Frugiuele, editor da Todavia.

Fernando Baldraia, editor de diversidade da Companhia das Letras, diz que a editora "vem trabalhando de forma consistente para tornar seu catálogo mais plural e representativo das muitas histórias que constituem a literatura brasileira contemporânea."

"Valorizar a autoria negra e indígena, assim como promover um deslocamento do eixo Sul-Sudeste e considerar com maior cuidado o que vem sendo produzido no Norte e no Nordeste, faz parte desse movimento. Além disso, a emergência climática consolidou-se como a pauta geopolítica mais importante do planeta na última década, e é sabido que algumas regiões do mundo têm lugar de destaque nesse debate; a Amazônia é uma delas", completa.

Não ficção

Entre os livros de não ficção sobre a Amazônia - e este tem sido um tema recorrente -, destaca-se Como Salvar a Amazônia: Uma Busca Mortal por Resposta, livro póstumo do jornalista britânico Dom Phillips, que foi assassinado no vale do Javari com o indigenista Bruno Pereira em 5 de junho de 2022.

A obra foi finalizada por um grupo de jornalistas brasileiros e estrangeiros e apresenta um grande panorama sobre os obstáculos da preservação da floresta amazônica - e como escutar seus habitantes e os povos indígenas pode ajudar nessa missão em meio às políticas violentas que seguem sendo perpetuadas na região.

Já em O Cerco, a jornalista paulista Marina Rossi faz uma investigação profunda sobre o impacto da pecuária na Amazônia. "[O livro] apresenta, de forma rigorosa e jornalística, a história da ocupação desenfreada e o caos fundiário na maior floresta tropical do planeta", explica o editor Frugiuele, da Todavia, que publicou a obra.

A escritora e jornalista Marina Rossi é autora de 'O Cerco', que denuncia como a Amazônia está sendo afetado pela pecuária brasileira.
A escritora e jornalista Marina Rossi é autora de 'O Cerco', que denuncia como a Amazônia está sendo afetado pela pecuária brasileira.
Foto: Raoni Maddalena/Divulgação / Estadão

Drauzio Varella revisitou a região - e seu passado - em Rio Negro: Sentido das Águas: Histórias do Rio Negro. A obra traz relatos de viagens pelo local, onde dirige um projeto de bioprospecção de plantas para o combate a doenças.

"Minha intenção foi fazer um livro popular, apresentando para o leitor as coisas que eu aprendi nessas viagens todas. Um privilégio que eu tive em função do trabalho, que pouquíssimas pessoas têm. Eu cheguei lá completamente ignorante. E a maioria das pessoas que vivem para o lado de cá, no sul do País, é ignorante em relação a isso", disse ele ao Estadão, na época do lançamento.

Estadão
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