'Você pode ser quem você quiser': blocos inclusivos garantem diversidade no carnaval de rua de SP
Bloco do Fico teve concentração neste sábado no Ipiranga; Bloco do Ezatamentchy agitou o domingo em Santa Cecília
"Falaram: ‘Mas Carol, você não tem as mãos, como vai segurar uma bandeira tão grande e importante, que não pode cair no chão?’ Eu disse: ‘A bandeira não vai cair no chão’." Com essas palavras, Carol Paraguaçu, de 45 anos, descreve o momento que se tornou um marco na história do Bloco do Fico, o primeiro bloco de carnaval do mundo a contar com uma pessoa com deficiência segurando o estandarte oficial, conforme relata ao Terra. Carol, que nasceu com deficiência nos membros superiores e inferiores e utiliza próteses para se locomover, transformou seu sonho de participar ativamente do carnaval em uma realidade, ao se tornar a porta-estandarte do bloco em 2019.
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A ideia surgiu após Carol realizar um levantamento sobre a participação de pessoas com deficiência nos blocos de rua e sugerir ao Bloco do Fico a inclusão de um representante com deficiência para carregar a bandeira. Não apenas sugeriu, como se ofereceu para realizar a tarefa.
“Eu sempre via pela televisão, eu sempre ficava naquele sonho, e falava assim: 'nossa, o próximo dia eu posso participar?'”, conta. Foi quando encontrou o Bloco do Fico que tudo mudou. “Tudo o que a gente precisa é de uma oportunidade.”
Este ano, a inclusão de pessoas com deficiência no Bloco do Fico ganhou ainda mais força, com a participação de cerca de 5 mil pessoas, sendo aproximadamente 1,4 mil portadores de deficiência, que se juntaram ao desfile do bloco no Ipiranga. Genne Sanches, presidente do Bloco do Fico, destaca a importância de um carnaval acessível para todos. “Eles usam a camiseta. Se envolvem de uma forma muito legal. E aí você vê a alegria, a transparência. Com toda dificuldade, às vezes, de expressão, você nota o sorriso".
Com concentração às 13h deste sábado, 22, na Rua Cipriano Barata, a estratégia de garantir um percurso curto e reto, de apenas 800 metros, visava facilitar a acessibilidade e garante o conforto e a segurança de todos os participantes. “Temos a preocupação de planejar o trajeto para que todos possam aproveitar a festa sem dificuldades”, explica Sanches, que embora não tenha uma deficiência, se compromete a carregar a bandeira.
"Se a gente não fizer alguma coisa para melhorar a vida das pessoas que estão no nosso entorno, o que vai ser de nós? Eu tenho que ajudar, eu tenho que contribuir, eu tenho que cuidar do meu quintal. O nosso quintal é o quintal da vida".
A luta por mais representatividade no carnaval se reflete também nas festas onde a inclusão de surdos se torna cada vez mais uma realidade. DJ Nanu, intérprete de Libras há mais de 15 anos, tem sido pioneiro na acessibilidade em eventos de música eletrônica. Ele se apresentou no Bloco do Ezatamentchy, neste domingo, 23, na rua Fortunato. A folia se uniu com o Deaf's Festival, evento especialmente feito para pessoas surdas.
Ele adapta suas playlists para que surdos também possam sentir a vibração e a energia das músicas. “Escolho músicas com graves bem marcados porque a vibração é uma parte fundamental da experiência sensorial dos surdos”, explica o DJ, que também faz traduções das letras para Libras, ampliando a acessibilidade.
O trabalho de Nanu tem impactado não apenas os surdos, mas também ouvintes, que se interessam em aprender Libras. "Recebo muitas mensagens de ouvintes interessados em aprender", revela. Para além disso, ele também foi marcado por um contato de uma pessoa surda.
"Ela perguntou quem cantava a música. Ela queria perguntar mais sobre a cantora porque gostou do que ela estava dizendo. É muito bacana isso de poder expandir o acesso de coisas que são tão basais para a gente, tão cotidianas para todos nós. A música era da Adele, uma música que todos nós já ouvimos tantas vezes. E para ela era uma notícia. Me emocionou demais", relatou.
“Eu me sinto no meio desses dois mundos, no meio do universo surdo, no meio do universo ouvinte e a minha humilde intenção é tentar aproximar essas realidades.”
A folia sem barreiras
O Bloco do Fico nasceu em 2013 e passou a focar na acessibilidade quando instituições como o Instituto de Cegos Padre Chico começaram a levar foliões para o desfile. Com apoio logístico estruturado e a participação de artistas como Mister Bygode, do Salgueiro, e músicos da Orquestra Baccarelli, a expectativa é atrair cinco mil pessoas ao Ipiranga. O evento ainda conta com uma área especial para embarque e desembarque, garantindo que quem chega de carro ou pelo serviço Atende tenha acesso facilitado.
Já no domingo, o Bloco Ezatamentchy promoveu um encontro inédito com o Deaf’s Festival. "O objetivo é garantir um ambiente acolhedor, onde surdos e ouvintes celebrem juntos", explica o organizador Estêvão Delgado. Com concentração na Rua Fortunato, o evento trouxe o DJ intérprete de Libras NANU e um line-up composto por artistas trans e LGBTQIA+.