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Por que usar mototáxi para driblar assédio não é tão simples quanto parece

Pesquisadora diz que mais meios de transporte dão opções, mas não eliminam problema estrutural

5 abr 2024 - 05h00
(atualizado às 13h05)
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Mulheres driblam assédio em centros urbanos
Mulheres driblam assédio em centros urbanos
Foto: Road/Unsplash

A escolha de motos em vez de carros por aplicativos tem ganhado destaque entre as mulheres. "É o meio de transporte mais tranquilo de se usar no bairro", como Maria Gripp, museóloga de 31 anos que reside no Rio de Janeiro, define sua preferência pelo uso frequente de mototáxis na rotina.

A 99 Moto, braço da 99 focada em duas rodas que atua no Brasil há dois anos, revelou em um recente evento com jornalistas que 59% dos usuários de suas corridas de moto no país são mulheres.

"Estávamos esperando que a moto tivesse mais casos de assédio do que os carros, devido à proximidade física entre passageiro e condutor, mas observamos o contrário", afirmou Luís Gamper, porta-voz da empresa.

Conforme relatos coletados pela 99 de suas passageiras, a interação com o motorista de moto é limitada, o que contribui para uma sensação de segurança maior. Diferentemente do que acontece em carros, onde o motorista pode facilmente virar-se para trás e iniciar uma conversa, na moto, o condutor tem dificuldade interagir com a mesma frequência.

Isso, segundo a 99, confere às usuárias maior controle da situação. Adicionalmente, a possibilidade de descer da moto sempre que ela para em um semáforo, aliada à inexistência de portas que possam ser trancadas, amplia a percepção de segurança.

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Mas cooperativas e iniciativas de empreendedores individuais continuam a prosperar mesmo em áreas onde aplicativos operam. Uma das vantagens destacadas da plataforma mais antiga é o conhecimento local dos motoboys.

"Às vezes, uma corrida de moto, por ser mais acessível, custa o mesmo que uma passagem de ônibus e me deixa exatamente onde preciso estar. Os motoristas geralmente são do bairro, o que facilita a comunicação e cria um ambiente de confiança por serem reconhecidos localmente", compartilha Maria Gripp.

Ela contou ao Byte que sente que o transporte público é limitado, já que não consegue acesso a outros bairros além do centro quando está saindo de casa.

Estudos na área da mobilidade urbana referem-se à modalidade adotada por Gripp como "last mile" (ou "última milha", em tradução livre), que representa a última etapa de um trajeto até o destino final.

"É o trecho que você tem que percorrer depois de descer do metrô, por exemplo, o qual muitos preferem não fazer a pé ou esperar no ponto de ônibus, devido ao risco", explica Ana Carolina Nunes, consultora em políticas de transporte e doutora em mobilidade urbana pela Fundação Getulio Vargas.

O fenômeno da predominância feminina nas corridas também se observa em um ponto de mototáxi em Paraisópolis, bairro da zona sul de São Paulo. O nome do estabelecimento não será mencionado, uma vez que a atividade ainda não é regulamentada na cidade.

"A interação direta com o cliente facilita muito. Tenho mais de 600 contatos no celular profissional. O cliente solicita a moto pelo WhatsApp e, em cerca de 5 minutos, o motorista chega. A maioria faz pedidos diariamente e nos trata com respeito", relata o fiscal do ponto, que optou por manter o anonimato.

No entanto, especialista aponta que colocar a moto como solução irreparável contra violências sofridas por mulheres nas cidades não é tão fácil assim.

Driblar assédio não deveria ser responsabilidade da passageira

O transporte público é percebido como o local onde as mulheres em São Paulo mais temem sofrer algum tipo de assédio, com 37% das indicações.

As ruas aparecem em segundo lugar, com 24%, seguidas por bares e casas noturnas, com 10%. Ambientes familiares e o local de trabalho representam, respectivamente, 3% e 2% dessas preocupações.

Essas informações são baseadas na pesquisa "Viver em São Paulo: Mulher", conduzida pela Rede Nossa São Paulo e pelo Ipec, e divulgada no início de março.

Não cabe às mulheres resolver problema do assédio no transporte, diz pesquisadora
Não cabe às mulheres resolver problema do assédio no transporte, diz pesquisadora
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Um estudo adicional, realizado em novembro de 2023 pelo Instituto Patrícia Galvão e o Locomotiva, revelou que 74% das mulheres já vivenciaram pessoalmente situações de violência ao se deslocarem pela cidade, e 88% conhecem pelo menos uma mulher que foi vítima de violência nesses deslocamentos. O levantamento contou com o apoio da Uber.

"Já sofri assédio em transporte público, em carros de aplicativos e caminhando. Talvez não tenha vivenciado isso em motos ainda, pois comecei a usar esse meio há menos tempo, menos de um ano", relata Maria Gripp.

No entanto, isso não significa que as motos devem ser a responsáveis por trazer mais segurança às mulheres, na visão da pesquisadora Ana Carolina Nunes.

"Claramente, há um nicho para essas empresas que oferecem uma alternativa considerável, o que acaba sendo um diferencial competitivo", analisa a especialista.

Por exemplo, um motorista de moto foi preso após o último carnaval (2024), sob a suspeita de ter estuprado uma passageira após uma corrida em salvador.

No final de fevereiro, a delegada da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Bianca Andrade, informou que o denunciado negou todas as acusações.

A vítima, cuja identidade foi preservada, relatou que foi violentada pelo suspeito, o que qualifica o crime como estupro de vulnerável. O mototaxista foi identificado através de imagens de câmeras de segurança da cidade.

"As empresas de aplicativos buscam destacar argumentos relacionados à segurança feminina por seu apelo. Contudo, a solução para a segurança não reside em oferecer mais alternativas, mas em abordar as causas dessa insegurança, tanto na reação do sistema quanto nas atitudes masculinas. São, na verdade, soluções individualistas", pontua Ana Nunes.

Procuramos a Uber, mas a empresa não quis fazer parte da reportagem.

Fonte: Redação Byte
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