Por que, afinal, muitos não querem um celular dobrável?
Dobráveis prometem muito mas ainda não conseguiram conquistar popularidade; marcas mantêm 2025 como ano da virada
O primeiro lançamento dos celulares dobráveis ocorreu no Mobile World Congress, em 2019, mas parece que de lá para cá, ainda que a tecnologia tenha crescido, ainda não virou um grande sucesso entre o público. O motivo mais óbvio pode ser o preço, que atualmente está por volta de US$ 1.000 (cerca de R$ 5175,40), mas isso ainda não explica totalmente por que a novidade não está sendo um sucesso massivo de vendas.
De acordo com o relatório da empresa de pesquisa de mercado Omdia, as principais marcas globais de dobráveis são a Samsung e a Huawei. Mas só a sul-coreana foi responsável por 88% do mercado total de vendas em todo o mundo em 2021. De fato, o Galaxy Z Flip 3, da Samsung, foi o que mais vendeu segundo o relatório, com 4,6 milhões de remessas no ano passado.
O relatório lista em segundo lugar de vendas o Galaxy Z Fold 3, também da Samsung, com 2,5 milhões de unidades exportadas — ele é mais caro e maior que o Z Flip 3. Em terceiro está o Mate X2, da Huawei, fabricante que conseguiu uma fatia de 10% de participação mundial nesse mercado, embora tenha pouca ou nenhuma participação em muitos países ocidentais.
Como sempre, a entrada precoce em um mercado que ainda está crescendo é um dos fatores decisivos para se ter sucesso nele; talvez, por isso, a Samsung, que foi a primeira a chegar, esteja liderando essa tecnologia.
No primeiro semestre de 2022, segundo pesquisa da consultoria Counterpoint, a participação da Samsung no mercado dobrável foi de 62%. E a previsão, para a empresa, é de um crescimento de 73% neste ano. Em 2023, a Counterpoint acredita que esse mercado já estará vendendo 26 milhões de unidades por ano.
No entanto, quando contatado via e-mail, Maurice Klaehne, analista da Counterpoint, afirmou que na América Latina, a porcentagem de vendas de dobráveis em relação a todas as vendas de smartphones é de menos de 0,5% no 2º trimestre de 2022, a menor entre todas as regiões que cobertas pela empresa. "Os altos preços dos dispositivos não são acessíveis para muitos na região e só pioram com a depreciação cambial. A grande maioria das vendas de smartphones tem preço abaixo de US$ 399 (R$ 2060,48) na LATAM (América Latina)", afirmou ele.
Um ponto também destacado por Klaehne foi de que no Brasil, a renda disponível, que é inferior à média da OCDE (Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento, em português), e a incerteza política das eleições presidenciais de outubro, estão afetando as decisões de compra de bens de alto nível, como dobráveis. As próprias vendas de smartphones em geral não atingiram níveis de vendas pré-pandemia.
Para o analista sênior da Counterpoint, Jene Park, "a Samsung lidera o mercado desde o início, e achamos que seu domínio continuará por algum tempo. Huawei, Oppo, Xiaomi e Vivo estão apresentando novos dobráveis, mas estão limitados principalmente ao mercado chinês. A Motorola pode ser a única concorrente em mercados como os EUA por enquanto."
A Motorola lançou o novo Razr dobrável em agosto de 2022. A primeira versão saiu em 2019 e chegou a ser vendida no Brasil.
Vendas ainda baixas, tamanho ainda grande
O gerente de produtos da Samsung no Brasil, Renato Citrini, diz que a empresa está trabalhando nos celulares dobráveis há dez anos e só no ano passado, 10 milhões de aparelhos foram exportados globalmente, o que representa um aumento de mais de 300% se comparado a 2020.
O chefão da Samsung, TM Roh, também já declarou em entrevista ao jornal sul-coreano Korea Herald: "Em 2025, celulares dobráveis devem ser mais de 50% dos celulares premium da Samsung". Mas será mesmo?
De acordo com Fernando Meirelles, professor de administração da Fundação Getúlio Vargas, 10 milhões não é lá um número tão grande assim se comparamos com o mercado de celulares. O tamanho do celular, segundo ele, também não ajuda muito: mesmo quando está aberto, ainda é muito grosso, o que não facilita para caber nos bolsos. “Pode ser útil para determinadas aplicações, mas hoje é caro e pesado”, explica.
No entanto, Meirelles afirma que o problema da grossura do celular provavelmente irá melhorar com a evolução dessa tecnologia. Com versões mais finas, o modelo pode se tornar mais confortável para guardar, e com isso, crescer nas vendas.
Quem está tendo acesso à tecnologia no início, por outro lado, sentirá mais essas características negativas, próprias das grandes novidades no mercado.
Já o coordenador do curso de ciência da computação do Instituto Mauá de Tecnologia (IMT), Angelo Sebastião Zanini, acredita que os dobráveis estão na tendência dos “vestíveis”, tecnologias pequenas e práticas que agem como adereços do corpo.
“Essas tecnologias são facilmente carregadas e colocadas em pequenos compartimentos. Acredito que eles venham a ter sim uma aderência muito boa no mercado”, argumenta Zanini.
Por que celulares dobráveis são tão caros?
Sobre o preço alto, Zanini lembra que de fato, o fato de ser dobrável faz com que o aparelho tenha que ter mais conectores e encaixes, o que realmente encarece um pouco o custo; mas o fato de poder ser bem mais caro que um smartphone normal é uma oportunidade de mercado da empresa.
“É um item diferente, que chama atenção, então é normal que o lançamento venha num preço acima que os tradicionais até por conta de um nicho específico de mercado que no começo, aquele equipamento vai atingir”, diz.
Para Meirelles, apesar de os dobráveis possuírem um custo mais alto, seu preço final é normalmente muito maior – ou seja, a margem de lucro tende a ser bem grande.
Os aparelhos da Apple, por exemplo, também passam pelo mesmo processo. Ainda assim, a empresa não demonstrou interesse em entrar nesse mercado. Para Meirelles, ela “não viu valor”, já que os percentuais de venda acusam que esses aparelhos ainda são de nicho. Atualmente, um modelo Z Galaxy Flip 3 está custando R$ 4.936,80 nos sites de vendas.
Sobre sair do nicho, a Klaehne, da Counterpoint, também comentou por email que "isso é provável, mas não a curto prazo. Outros fabricantes, como a Apple, precisarão entrar nesse mercado para impulsionar a adoção. A Apple domina o segmento premium na LATAM (América Latina), e no Brasil não é diferente".
Apesar do preço, Citrini, da Samsung, diz que o brasileiro tem um perfil de "consumo tecnológico avançado, com uma participação relevante no segmento premium, independentemente da classe social". A explicação para isso seria o reconhecimento do smartphone como um personagem central nas nossas vidas digitais.
"As pessoas topam fazer esse investimento pensando em todos os benefícios que terão tanto para a produtividade, como para a educação e o lazer", comenta.