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O Vale do Silício está travado e não consegue mais inovar

A indústria de tecnologia ganha cada vez mais dinheiro com ideias que surgiram há mais de uma década, e novidades, como computação quântica e carros autônomos, podem demorar a se tornar realidade

26 fev 2022 - 05h10
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No outono de 2019, o Google disse ao mundo que tinha alcançado "supremacia quântica". Foi um marco científico importante que alguns compararam com o primeiro voo controlado na cidade de Kitty Hawk. Aproveitando os misteriosos poderes da mecânica quântica, o Google construiu um computador que precisou de apenas três minutos e 20 segundos para realizar um cálculo que computadores normais não conseguiriam concluir em 10 mil anos.

No entanto, mais de dois anos após o anúncio do Google, o mundo ainda está à espera de um computador quântico que faça algo útil de verdade. E é provável que seja preciso esperar muito mais tempo. O mundo também está aguardando os carros autônomos, carros voadores, a inteligência artificial avançada e os implantes cerebrais que permitirão controlar dispositivos usando nada além de seus pensamentos.

As empresas do Vale do Silício gostam de fazer alarde e há muito são acusadas de causar agitação antes de algo se tornar realidade. Mas, nos últimos anos, os críticos da indústria de tecnologia notaram que suas maiores promessas - as ideias que realmente poderiam mudar o mundo - parecem cada vez mais distantes de se tornarem realidade. A grande fortuna gerada pelo setor nos últimos anos costuma ser fruto de ideias que surgiram há alguns anos, como o iPhone e os aplicativos para celulares.

Os grandes pensadores da tecnologia perderam seus superpoderes de encantar as pessoas?

Eles são rápidos em responder que "de jeito nenhum". Mas os projetos com os quais estão trabalhando são muito mais difíceis do que desenvolver um novo aplicativo ou prejudicar outras empresas com irregularidades. E se você olhar em volta, as ferramentas que lhe ajudaram a lidar com quase dois anos de pandemia - os computadores pessoais, os serviços de videoconferência, o Wi-Fi e até mesmo a tecnologia que auxiliou os pesquisadores no desenvolvimento de vacinas - provam que a indústria não perdeu mesmo seu encanto.

"Imagine o impacto econômico causado pela pandemia se não houvesse a infraestrutura - o hardware e o software - que permitiu tantos funcionários de escritório trabalharem de casa e que tantas outras partes da economia fossem conduzidas por meios digitais", disse Margaret O'Mara, professora da Universidade de Washington especializada na história do Vale do Silício.

Quanto à próxima grande novidade, os criadores dizem para darmos tempo ao tempo. Pense na computação quântica, por exemplo. Jake Taylor, que supervisionou as iniciativas de computação quântica para a Casa Branca e é o atual diretor de ciências na startup de tecnologia quântica Riverdale, disse que construir um computador quântico talvez seja a tarefa mais difícil já realizada. Esta é uma máquina que desafia a física da vida cotidiana.

Um computador quântico depende das maneiras estranhas como alguns objetos se comportam no nível subatômico ou quando expostos ao frio extremo, como metal resfriado a quase 460 graus abaixo de zero. Se os cientistas apenas tentarem ler as informações desses sistemas quânticos, eles tendem a parar de funcionar.

Segundo Taylor, enquanto se constrói um computador quântico, "você está constantemente trabalhando contra a tendência fundamental da natureza".

Os avanços tecnológicos mais importantes das últimas décadas - o microchip, a internet, o computador que recebe instruções do mouse, o smartphone - não desafiavam a física. E eles tiveram permissão para serem desenvolvidos durante anos, até mesmo décadas, dentro das agências governamentais e dos laboratórios de pesquisa das empresas antes de finalmente serem usados em massa.

"A era da computação móvel e em nuvem criou muitas novas oportunidades de negócios", disse Margaret. "Mas atualmente há problemas mais complicados."

Mesmo assim, as vozes mais influentes do Vale do Silício costumam discutir a respeito desses problemas mais complicados como se eles fossem apenas mais um aplicativo de smartphone. Isso pode aumentar as expectativas.

Pessoas que não são especialistas a par dos desafios "podem ter sido enganadas pela propaganda exagerada", disse Raquel Urtasun, professora da Universidade de Toronto que ajudou a supervisionar o desenvolvimento de carros autônomos no Uber e agora é CEO da empresa de veículos autônomos Waabi.

Tecnologias como carros autônomos e inteligência artificial não enfrentam os mesmos obstáculos físicos que a computação quântica. Mas, assim como os pesquisadores ainda não sabem como construir um computador quântico viável, eles ainda não sabem como criar um carro que possa dirigir sozinho com segurança em qualquer situação ou uma máquina que possa fazer qualquer coisa que o cérebro humano possa fazer.

Mesmo uma tecnologia como a realidade aumentada - óculos que podem sobrepor imagens digitais ao que você visualiza no mundo real - precisará de anos de pesquisa e engenharia adicionais antes de ser aperfeiçoada.

Andrew Bosworth, vice-presidente da Meta, holding do Facebook, disse que desenvolver tais óculos com menor peso era uma tarefa semelhante à criação dos primeiros computadores pessoais controlados por mouse na década de 1970 (o próprio mouse foi inventado em 1964).

Empresas como a Meta devem criar uma maneira completamente nova de usar computadores, antes de colocar todas as suas peças em um pacote minúsculo.

Nas últimas duas décadas, empresas como o Facebook desenvolveram e implantaram novas tecnologias em uma velocidade que não parecia ser possível antes. Mas, como disse Bosworth, essas eram predominantemente tecnologias de software construídas apenas com "bits" - pedaços de informação digital.

Construir novos tipos de hardware - trabalhando com átomos físicos - é uma tarefa muito mais difícil. "Como indústria, nós quase esquecemos como é isso", disse Bosworth, chamando a criação de óculos de realidade aumentada de um projeto "único na vida".

Especialistas em tecnologia como Bosworth acreditam que superarão esses obstáculos em algum momento e estão mais abertos em relação à dificuldade disso tudo. Mas nem sempre é assim. E quando uma indústria passou a gradualmente fazer parte de tudo na nossa vida cotidiana, pode ser difícil separar um passo em direção ao desenvolvimento de uma tecnologia da realidade - sobretudo quando grandes empresas como o Google e personalidades conhecidas como Elon Musk ficam chamando atenção para isso.

Muitos no Vale do Silício acreditam que fazer esse alarde é uma parte importante de levar as tecnologias para o público em geral. A divulgação exagerada ajuda a atrair o dinheiro, o talento e a crença necessários para desenvolver a tecnologia.

"Se o resultado é o almejado - além de tecnicamente possível -, então tudo bem se estivermos atrasados em três ou cinco anos ou o tanto que for", disse Aaron Levie, CEO da empresa Box, empresa do Vale do Silício. "Você quer que os empreendedores sejam otimistas - que tenham um pouco daquela distorção da realidade de Steve Jobs", que ajudou a convencer as pessoas a comprarem suas grandes ideias.

A propaganda exagerada também é uma forma de os empreendedores gerarem interesse no público. Mesmo que novas tecnologias possam ser desenvolvidas, não há garantias de que as pessoas e as empresas irão querê-las, adotá-las e pagar por elas. Eles precisam convencê-las. E talvez de mais paciência do que a maioria das pessoas dentro e fora da indústria de tecnologia admitirá.

"Quando ouvimos falar de uma nova tecnologia, leva menos de 10 minutos para nossos cérebros imaginarem o que ela pode fazer. Nós instantaneamente compactamos toda a infraestrutura e inovação reunidas e necessárias para chegar a aquele resultado", disse Levie. "É com essa dissonância cognitiva que estamos lidando."

Estadão
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