Missão Gaia da Agência Espacial Europeia faz o mais preciso e completo mapa da Via Láctea
As imagens coletadas pelo telescópio espacial europeu ao longo de mais de uma década continuam sendo analisadas por cerca de 400 cientistas e astrônomos, com o objetivo de criar o mais preciso e completo mapa 3D da Via Láctea, abrangendo cerca de 2 bilhões de estrelas. A missão Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), foi lançada em 2013 e encerrada no início de 2025. Os dados enviados pela sonda continuarão revelando novas descobertas sobre nossa galáxia até 2030.
As imagens coletadas pelo telescópio espacial europeu ao longo de mais de uma década continuam sendo analisadas por cerca de 400 cientistas e astrônomos, com o objetivo de criar o mais preciso e completo mapa 3D da Via Láctea, abrangendo cerca de 2 bilhões de estrelas. A missão Gaia, da Agência Espacial Europeia (ESA), foi lançada em 2013 e encerrada no início de 2025. Os dados enviados pela sonda continuarão revelando novas descobertas sobre nossa galáxia até 2030.
Paola Ariza, jornalista da redação em espanhol da RFI
O que imaginamos quando pensamos na Via Láctea? Buracos negros? Cores em meio à escuridão? Atualmente, a galáxia ainda é um espaço pouco conhecido da humanidade. A missão Gaia quer mudar isso. Esse é um dos principais projetos da Agência Espacial Europeia, que está completando meio século de existência.
Com Gaia, a humanidade dá um passo histórico no conhecimento de astros misteriosos, afirma Pedro García Lario, astrônomo da Agência Espacial Europeia e um dos responsáveis pela missão.
"Digamos que o que Gaia faz é uma espécie de Google Maps da nossa galáxia. O que nos interessa é saber a posição mais precisa possível do maior número de estrelas próximas ao nosso Sistema Solar. O telescópio espacial coletou dados por quase 11 anos. Agora, já temos todos os dados disponíveis para processar e obter esse mapa tão preciso da galáxia", explica.
Para isso, a sonda espacial realizou observações em 360 graus da Via Láctea. García conta que o telescópio utilizou a técnica da astrometria, que mede as estrelas com base em sua órbita, ou seja, a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, na direção oposta ao Sol. "A órbita de Gaia difere em duas vezes da distância entre a Terra e o Sol, ou seja, cerca de 300 milhões de quilômetros. A sonda possuía dois pontos de observação, um em cada extremo dessa órbita, e registrava a posição das estrelas assim que elas passavam pelos detectores da sonda nesses pontos", detalha o astrônomo.
Transmissão de dados por meio de três antenas no planeta
Mas como os dados de um satélite como o Gaia chegam à Agência Espacial Europeia? Jorge Fauste, subdiretor da estação de Cebreros, localizada a cerca de 77 km de Madri, na Espanha, explica que os dados são recuperados por antenas parabólicas.
"Os dados transmitidos são comprimidos, processados e enviados ao Centro de Operações Europeu, na Alemanha, onde são interpretados para manutenção e operação das missões", informa.
A estação de Cebreros é uma das três antenas europeias que apoiam missões no espaço profundo. Os dispositivos estão localizados em três regiões diferentes do planeta para garantir a recepção contínua de sinais enviados pelos satélites, à medida que a Terra gira ao redor do Sol.
"Para acompanhar sondas no espaço profundo, precisamos de três estações que cubram todo o planeta, localizadas a cerca de 120° de longitude entre si. A primeira estação da ESA, em New Norcia, foi construída na Austrália. A próxima precisava estar a 120° de distância, exatamente aqui em Cebreros, na Espanha. A terceira fica na Argentina", indica Fauste, acrescentando que com essas três estações, quase todo o planeta é coberto.
Descobertas inesperadas
O principal objetivo de Gaia é criar um mapa 3D da galáxia, mas, segundo o astrônomo Pedro García, suas descobertas vão muito além e já impactaram a astronomia em diversas áreas, como a arqueologia galáctica, disciplina que estuda o passado das estrelas, incluindo os astros que já morreram.
"Podemos usar Gaia como se fosse uma máquina do tempo e, conhecendo a posição das estrelas, sua velocidade e movimento próprio, saber para onde estão indo. Podemos reproduzir suas órbitas em três dimensões e, assim, avançar ou retroceder no tempo para determinar onde cada uma dessas estrelas estará daqui a 100 bilhões de anos. Ou, ao contrário, podemos voltar no tempo e descobrir onde essa estrela ou grupo de estrelas estava há milhares ou milhões de anos", diz García.
O astrônomo acrescenta que, ao olhar para o passado, vemos que a história da nossa galáxia foi bastante turbulenta, com episódios de canibalismo galáctico. "Ou seja, engolimos outras galáxias menores que colidiram com a Via Láctea. Agora reconhecemos os efeitos dessas colisões ao observar que o movimento das estrelas está perturbado em certas direções", aponta.
Além dessas colisões, o telescópio espacial também fez outras descobertas inesperadas. "Gaia também foi capaz de detectar novos exoplanetas e, mais recentemente, identificamos um novo tipo de buraco negro com massas intermediárias, entre 10 e 50 vezes a massa do Sol", completa García, destacando que essas descobertas "não estavam na lista das coisas que esperávamos encontrar".
Big Data impulsionou novas missões espaciais
Gaia é uma das primeiras missões da Agência Espacial Europeia que utiliza Big Data. Quando foi lançada, em 2013, os cientistas ainda não sabiam exatamente como iriam tratar o enorme volume de informações. Hoje, analisam 142 terabytes de informações coletadas pela missão Gaia, segundo David Teyssier, cientista de operações da ESA.
Essa capacidade de processamento é possível em grandes centros de dados, como o existente no Centro Europeu de Astronomia Espacial (ESAC), próximo a Madri.
"É importante lembrar que, quando Gaia foi desenvolvida, a tecnologia ainda estava muito longe do que os computadores de hoje são capazes de fazer. Já antecipávamos a quantidade de dados que ela iria gerar, mas Gaia viveu o dobro do tempo previsto inicialmente — 10 anos em vez de 5", conta Teyssier.
O cientista ressalta que, com o volume de dados coletados, Gaia "é a missão mais produtiva da Europa — talvez até do mundo. Superou até mesmo o telescópio Hubble, que já detinha o recorde de publicações. E sabemos que esse número ainda vai dobrar, triplicar ou até mais no futuro."
A próxima publicação da equipe Gaia está prevista para 2026 e a última, por volta de 2030. Além de criar o ambicioso mapa 3D da nossa galáxia, a expectativa é que a análise final dos dados provoque uma verdadeira revolução na astronomia e na compreensão da Via Láctea.