Startups e academia mostram sua importância para o futuro dos municípios em fórum em SP
Cidade CSC tenta aproximar gestores públicos de soluções tecnológicas em universidades e empresas emergentes
Ao longo das últimas décadas, a força da inovação transformou uma série de áreas - das finanças ao varejo, passando pelo transporte e pela busca por informação. Enquanto isso, setores mais complexos, como saúde, educação e gestão pública, têm uma transformação mais lenta. Para quem empreende, porém, desafio significa oportunidade - e há quem defenda que nunca houve um momento tão propício para as startups atuarem junto ao setor público no Brasil como agora.
"Quem quiser atuar em serviços públicos têm um espaço imenso para promover transformação digital, ganho de eficiência e, consequentemente, ganho de bem-estar para a população", destaca Adriano Pitoli, líder do fundo da gestora KPTL dedicado às govtechs - isto é, startups dedicadas a criar inovação para o governo. "Os serviços públicos federais já passaram por uma transformação digital robusta, mas quando olhamos para Estados e municípios, há muito ainda no que avançar."
Discutir como esses avanços podem acontecer e aproximar empreendedores de prefeitos e gestores públicos são duas das metas do Cidade CSC, evento que acontece na semana que vem em São Paulo. Programado para os dias 23 a 25 de setembro, no Expo Center Norte, o encontro chega à sua 10ª edição de olho em caminhos para tornar as cidades mais inteligentes, inclusivas e eficientes. No que diz respeito às startups, haverá não só painéis sobre inovação, mas também várias rodadas de negócios e sessões de pitch - em que as companhias novatas podem apresentar suas soluções a possíveis clientes e investidores.
Na visão de Pitoli, o planejamento do futuro das cidades obrigatoriamente passa pelas startups. "Ainda é comum encontrar prefeituras em que a burocracia está no papel. Além disso, os municípios lidam com as demandas mais complexas do cidadão, como creches, saúde, segurança ou zeladoria urbana. É aí que as govtechs podem fazer a diferença", diz, ressaltando ainda que, em muitos locais, a prefeitura é uma das maiores "empresas" da cidade.
Complexidade
Para o investidor da KPTL, uma das razões que torna a inovação complexa no setor público é a heterogeneidade. "As realidades locais são distintas, as necessidades dos cidadãos e as carências de cada município também", comenta Pitoli. Outra complexidade é a natureza dos serviços prestados, como saúde ou educação. Além disso, há a dificuldade de ganho de escala, um problema que afeta o modelo de negócios de muitas empresas.
O alvorecer da inteligência artificial (IA), no entanto, transformou o jogo. "A IA sabe lidar com informações complexas, com identificação de padrões em bancos de dados aparentemente não organizados. O setor público é um prato cheio para isso", destaca o investidor. Entre os exemplos citados, a tecnologia pode ajudar a identificar lacunas de aprendizado por aluno na educação; já na saúde, algoritmos podem fazer a leitura precoce de exames de imagem.
Para se ter noção do impacto da nova tecnologia, das seis empresas investidas pelo fundo até aqui, todas estão transformando suas soluções em sistemas de IA, diz Pitoli. Outra novidade que transforma o setor é um arcabouço legal favorável: desde 2021, regulações como o Marco Legal das Startups, o Marco de Governo Digital e a nova Lei de Licitações, que criou o regime de Contratação Pública de Serviços Inovadores (CPSI), têm aberto espaço para as empresas inovadoras.
A tecnologia, porém, ainda não resolve tudo, diz o investidor. O grande gargalo, afirma Pitoli, é fazer o "matchmaking" entre soluções inovadoras e gestores públicos. "Os empreendedores têm dificuldade de acessar prefeitos e secretários. Do outro lado, os gestores não conhecem as soluções que já existem no mercado. Eventos como o Cidade CSC são fundamentais justamente para criar esse espaço de conexão", avalia.
Para Paula Faria, CEO da Necta Inova, empresa responsável pela organização do evento, a ideia do encontro é também de aproximar exemplos de boas práticas, mesmo com a disparidade tecnológica das prefeituras. "Há um abismo enorme, mas o evento serve justamente para encurtar essa distância, mostrando que é possível começar com passos simples", afirma. Na visão da executiva, mais do que apostar em IA de partida, os municípios precisam ter dados e objetivos estruturados - aspectos fundacionais para o bom uso da tecnologia.
Ponte acadêmica
Embora empresas e gestores públicos sejam os protagonistas dessa pauta, a academia também ganha espaço no Cidade CSC. Pesquisadores da USP, Unicamp e outras universidades participam da programação, trazendo estudos aplicados a temas como resiliência urbana e prevenção de enchentes. "Desenvolver política pública para cidades inteligentes e conseguir aplicar só é possível com colaboração. Não existe discussão isolada — ou governo, empresas, startups e academia estão juntos, ou a pauta não avança", destaca Paula Faria.
É uma ponte cada vez mais próxima: recentemente, empresas como Google e Itaú anunciaram centros de inovação ligados a universidades. A gigante americana terá um polo de engenharia na USP, enquanto o banco criou um instituto com parcerias com a universidade paulista, bem como com a Universidade Federal de Goiás (UFG), referência na área de IA.
Para Pitoli, a conexão com a academia é estratégica. Seu fundo de investimento, por exemplo, já apoia startups em parceria com centros de pesquisa em inteligência artificial, como o Centro de Excelência em Inteligência Artificial (CEIA), da UFG. "Quando a complexidade ultrapassa a capacidade das empresas, é a academia que nos ajuda a desenhar soluções de ponta", ressalta o líder do fundo Govtech da KPTL.