Criosfera 2: projeto brasileiro na Antártida será "superfiscal do clima"
Laboratório coletará dados do clima e da concentração de dióxido de carbono (o CO2, principal gás de efeito estufa) ao longo de todo o ano
Doze cientistas brasileiros estão, desde o dia 9 de dezembro, embrenhados nas paragens geladas da Antártida, realizando pesquisas sob nevascas, com temperaturas de até menos 30ºC, ventos de cerca de 100 km por hora e visibilidade de apenas 40 metros. Eles precisam se ligar por cordas uns aos outros para não se perderem no próprio acampamento, feito de barracas.
Eles fazem parte da expedição Criosfera 2022, que se estenderá até o dia 20 de janeiro e é a maior operação brasileira já realizada no continente. Uma de suas missões é montar o Criosfera 2, laboratório automatizado construído com tecnologia brasileira – com exceção de alguns sensores importados – para coletar dados do clima e da concentração de dióxido de carbono (o CO2, principal gás de efeito estufa) ao longo de todo o ano.
Liderada pelo geólogo e glaciólogo Jefferson Cardia Simões, vice-pró-reitor de Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Comitê Internacional de Pesquisa Antártica (Scar), a missão começou a tomar forma em setembro, quando o módulo Criosfera 2 partiu da Base Aérea de Canoas (RS) para Punta Arenas, no Chile.
De lá, a estrutura foi levada para seu local de instalação, 2.000 quilômetros ao sul da Estação Antártica Comandante Ferraz, do Brasil, que está instalada na Ilha Rei George. O novo módulo se juntará ao Criosfera 1, que opera desde 2012, instalado cerca de 500 km mais ao sul. Com o Criosfera 2, a área de estudos e atuação do Proantar vai se expandir em um milhão de quilômetros quadrados.
Objetivos do Criosfera 2
Para se deslocar e pesquisar nessa grande área, do tamanho da Região Sul do Brasil, os pesquisadores usarão tratores polares e aviões com esquis.
“Estamos divididos em três equipes”, contou Simões, por e-mail enviado do seu acampamento na Ilha Pine ao Byte. “Os grupos estão afastados entre eles por cerca de 680 km. Toda a operação logística e a sua gestão é feita pela comunidade científica. Ou seja, por ser uma operação a centenas de quilômetros da costa, não podemos contar com apoio de navios da Marinha.”
A operação tem três objetivos específicos. O primeiro é a realização de expedição glaciológica à geleira da Ilha Pine, para obtenção de testemunho de gelo que cubra os últimos 300 anos da história climática da região. Testemunhos são cilindros de gelo retirados do manto por meio de perfurações.
A região a ser estudada recebe sua precipitação dos mares de Amundsen e Bellingshausen, onde se formam grande parte das frentes frias que chegam ao nosso país. O objetivo é entender o papel deles na variabilidade do clima do Cone Sul da América do Sul e, portanto, do Sul do Brasil.
“Atualmente os estudos desses testemunhos é a técnica mais avançada para reconstrução da história do clima da Terra”, diz Simões. “Pode fornecer dados com resolução muito alta (anos ou mesmo meses) e são estes estudos que possibilitaram a reconstrução da concentração de gases do efeito estufa (dióxido de carbono, metano e dióxido de nitrogênio).”
O segundo objetivo é fazer a manutenção do módulo Criosfera 1. Ele é o laboratório latino-americano mais ao sul na Terra, capaz de medir dados meteorológicos, concentração de micropartículas, composição da atmosfera, concentração de gases e de raios cósmicos e realiza estudos de micro-organismos encontrados na neve.
A equipe encarregada do trabalho é composta por três pesquisadores: um da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), um Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um do Instituto Nacional de Meteorologia.
O terceiro objetivo da missão é a instalação do Criosfera 2 para ampliar a coleta de dados meteorológicos e estudos do clima principalmente para examinar as ligações entre a região do Mar de Weddel e o Sul do Brasil.
Ele está sendo montado na Skytrain Ice Rise (uma elevação de gelo grande, plana e semelhante a uma península de cerca de 80 km de extensão), na plataforma de gelo do Mar de Weddel, na posição 79,5 graus Sul, 78 graus Oeste. A temperatura média anual é de -30ºC e, no verão, entre -9ºC e -23ºC. A equipe responsável pelo trabalho é composta por três pesquisadores da UFRGS e um engenheiro chileno.
O protagonismo brasileiro na Antártida
A importância da operação Criosfera 2022 está no fato de, como sempre, tratar-se de uma participação brasileira em projetos de redes internacionais.
“Do ponto científico, além da contribuição nacional aos estudos que monitoram a resposta do gelo da Antártida às mudanças globais, é a procura de conexões entre o clima brasileiro e o daqueles continentes”, explica Simões.
“A Antártida é tão importante quanto os trópicos para o clima mundial. Em particular, queremos aprimorar o entendimento das frentes frias que atingem o Brasil, com fenômenos como El Niño e outros que estão associados a variações que ocorrem lá.”
Além disso, politicamente, a missão reforça o protagonismo brasileiro tanto nos fóruns científicos internacionais, como o Scar, e políticos, como o Tratado da Antártida.
“A presença do Brasil com seu programa de investigação dá direito ao país de decidir o futuro de cerca de 7% do planeta, a Antártida”, diz o pesquisador da UFRGS. “Finalmente, mostra a maturidade dos grupos científicos nacionais, que estão habilitados por organizar, liderar e executar missões próprias, muitas vezes 2.000 a 2.500 km ao sul da estação antártica brasileira e sob condições climáticas muito agressivas.”
De acordo com Simões, o aumento de temperatura na região está avançado. As geleiras da ilha Pine e a Twaithes, que são duas bacias lado a lado, podem desestabilizar em décadas, o que poderia aumentar o nível dos mares em até seis metros, ao longo de três a quatro séculos.
“O problema é que já existem sinais que a frente dessas duas geleiras começam a retroceder”, conta o pesquisador da UFRGS. “Por isso que vários projetos internacionais prestam atenção nelas.”