Sem Karl Lagerfeld, a Chanel não será mais a mesma. Ou não!

19 fev 2019 - 13h36
(atualizado às 15h02)
Karl Lagerfeld em foto oficial da Maison Chanel (Reprodução/Instagram/@chaneloficial)
Karl Lagerfeld em foto oficial da Maison Chanel (Reprodução/Instagram/@chaneloficial)
Foto: Elas no Tapete Vermelho

Morreu nesta terça-feira (19) nada mais nada menos que Karl Lagerfeld, que estava à frente da Chanel há 36 anos. Foi nomeado em 1983 diretor artístico de alta-costura, prêt-à-porter e acessórios, com a incumbência de perpetuar e manter o espírito criado e difundido pela estilista, morta em 1971. Fez isso e mais. De lá para cá, o estilista alemão, nascido em Hamburgo, em 1933, apesar de falar por muito tempo que havia nascido em 1938, não só perpetuou, mas modernizou e transformou a sempre icônica Chanel. "Ah, mas Chanel é Chanel e qualquer um poderia ter estado lá tanto tempo que ela seria sempre Chanel.", podem dizer alguns.

Sim, se não fosse todo o legado deixado por Coco Chanel, talvez a marca não tivesse sido o que é até hoje. mas Karl Lagerfeld, com sua capacidade infinita de criar, multiplicou como poucos herdeiros conseguem fazer a herança deixada pela família, no caso a própria Chanel. E não herança financeira, mas de ideias. Com uma  personalidade múltipla, o "kaiser", assim como Chanel, foi o pioneiro em várias ações para manter a identidade da marca tal como se vê até ate hoje. Sem ele, a grife poderia ter tido o destino de muitas outras quase nem mais lembradas atualmente.

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Logo depois de assumir a marca, o estilista escolheu a modelo Inès de la Fressange como musa da Maison para reencarnar a imagem de Chanel. A ideia transformou a moça na primeira estrela popular na história da moda, pois foi a pioneira em assinar um contrato de exclusividade com uma grife de tão alto escalão. A relação entre ambos parecer ter se azedado depois a ponto de ele declarar sobre a top: "Eu desejo toda a sorte do mundo para ela, desde que eu não tenha mais que vê-la ou ouvir falar sobre ela."

Karl soube pegar a herança deixada por Chanel e atualizá-la, criando o desejo de possuir o produto que leva a etiqueta com os dois C entrelaçados, sem, no entanto, nunca ferir a base. Os dois C, por exemplo, criados por Chanel, foi transformado em fecho da hoje clássica bolsa Classic Flap, criada por ele nos anos 1980. Os famosos tailleurs Chanel foram renovados, reinventados, transformados, mas a essência estava lá, mesmo com um ar mais roqueiro, mais street, como em campanhas fotografadas na rua naqueles seus primeiros anos da grife.

Gisele Bündchen como garoto-propaganda do perfume Chanel nº5 (Foto: Reprodução)
Foto: Elas no Tapete Vermelho

Outros símbolos da Chanel ganharam várias outras versões na mão de Karl, mas sempre Chanel em essência, como a camélia, as jaquetas, as pérolas, o vestido preto, o preto e branco, o sapato bicolor. Mesmo com o uso de plástico, de pochetes, de tênis na alta-costura, do lançamento de vários outros perfumes e cosméticos, que imediatamente viraram desejo. Tudo isso, sem esquecer o icônico Nº 5 praticamente sem nenhuma alteração, incluindo o frasco art-déco. Aliás, Karl soube elevar ainda mais a aura do perfume, chamando nomes de peso para suas campanhas, como Nicole Kidmann, Gisele Bündchen e até Brad Pitt, para continuar a tradição da marca, que já havia tido Marilyn Monroe, entre outras, com garota-propaganda.

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Karl veio apostando no rejuvenescimento da grife para chamar a atenção do público mais jovem, escolhendo embaixadoras de 20 e poucos anos para difundir a marca mundo afora, nos desfiles e pelas redes sociais, fenômeno do século 21. Transformou o Grand Palais, onde acontecem os desfiles da Chanel, em supermercado, em plataforma para lançamento de foguetes, em praia, em cachoeira, em cassino, em tudo o que sua imaginação pudesse alcançar.

Polêmico por natureza, Karl era contemporâneo de Yves Saint-Laurent e ambos faziam parte da juventude que começou a dar o tom à moda francesa e do mundo nos anos 1950. Saint-Laurent assumiu a maison Dior em 1957, após a morte do criador, Karl Lagerfeld tornou-se assistente de Pierre Balmain após vencer a categoria de casacos em um concurso de design promovido pela Secretaria de lã Internacional em 1955. Ficou três anos na Balmain, mudou-se para Jean Patou, onde projetou duas coleções de alta-costura por ano durante cinco anos. Está na italiana Fendi desde 1965, criou sua própria marca em 1974 e nunca, nunca parou. Fotógrafo, clicou muitas das campanhas da Chanel, da Fendi e de sua grife, além de dirigir curta-metragens para a Chanel.

Isabeli Fontana para a coleção em parceria com a Riachuelo (Fotos: Divulgação)
Foto: Elas no Tapete Vermelho

Foi também um dos precursores em assinar roupas para lojas de departamento, como em 2004, para a H&M, um estouro de vendas. Em 2016, assinou linha em parceria com a Riachuelo, desfilada na SPFW N41, em abril daquele ano, tendo como garota-propaganda Isabelli Fontana. Ele não veio ao Brasil porque estava preparando o primeiro desfile de uma grife em Cuba, outro pioneirismo. No ano passado, sua criações estavam na loja de departamentos argentina Falabella. Nessas coleções, não faltavam imagens de sua gatinha Choupette.

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Karl Lagerfeld foi um trabalhador incansável e um artista talentosíssimo, sem papas na língua. Assim como Chanel, não colocava filtros em suas ideias. Ele que já foi gordo e emagreceu 43 quilos em 13 meses, no começo dos anos 2000, não poupou nem mesmo a cantora Adele: "O acontecimento do momento é a Adele. Ela é um pouco gorda demais, mas tem um rosto lindo e uma voz divina." Essa foi apenas uma de suas pérolas. Criou um personagem de si mesmo, vestindo-se como um lorde, com a camisa branca de golas levantadas, paletó preto e luvas, óculos de sol e cabelo preso em rabo de cavalo baixo.

Controverso, mas um gênio, sem dúvida. A pergunta que fica agora é: a Chanel será a mesma sem Karl Lagerfeld? O próprio comunicado na conta oficial da Chanel no instagram fala sobre isso e relembra uma frase de Karl: "Meu trabalho não é fazer o que ela fez, mas o que ela teria feito. A coisa boa sobre a Chanel é que é uma ideia que você pode adaptar a muitas coisas."

No comunicado, Bruno Pavlovsky, presidente de moda da Chanel, diz: "Desfile de moda depois desfile de moda, coleção após coleção, Karl Lagerfeld deixou sua marca na lenda de Gabrielle Chanel e na história da Casa de Chanel. Ele promoveu firmemente o talento e a experiência dos ateliers da Chanel e da Métiers d'Art, permitindo que esse knowhow excepcional brilhasse em todo o mundo. A maior homenagem que podemos fazer hoje é continuar seguindo o caminho que ele traçou - para citar Karl - 'continuando a abraçar o presente e inventar o futuro'."

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A responsabilidade agora será de Virginie Viard, colaboradora mais próxima de Karl Lagerfeld há mais de 30 anos, já nomeada pelo CEO Alain Wertheimer,  como substituta do "kaiser",  que tem a incumbência de manter vivo o legado de Gabrielle Chanel e Karl Lagerfeld. Foi ela quem entrou nos agradecimentos finais no desfile de alta-costura, em janeiro, quando a casa alegou que ele estava cansado para ir ao evento, fato inédito nos 36 anos à frente da marca. Karl Lagerfeld morre em meio a mais uma temporada de moda mundial e, com certeza, os desfiles da Fendi (21/02), em Milão, e da Chanel (5/03), em Paris, vão ter clima de luto. Agora  é esperar para ver se Viard ou quem vier nos próximos anos saberá "inventar o futuro", como fez Karl Lagerfeld. Tarefa difícil. 

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