Os perrengues nada chiques de um crítico gastronômico

Arnaldo Lorençato, um dos maiores críticos do Brasil, conta a realidade por trás da profissão e revela segredo de chef famoso.

31 mai 2022 - 11h35
(atualizado às 14h15)
Arnaldo Lorençato, crítico e jornalista gastronômico.
Arnaldo Lorençato, crítico e jornalista gastronômico.
Foto: Arnaldo Lorençato

Para quem pensa que ser crítico gastronômico se resume a comer de graça, participar de reality shows culinários e fazer amizades com chefs famosos, não poderia estar mais enganado. Não há dúvidas que a profissão tem todo o seu charme e requinte, mas os “dias de luta” são mais presentes do que imaginamos. 

Já há 30 anos na profissão, Arnaldo Lorençato começou sua carreira sem querer enquanto cobria a ausência de outro jornalista na Vejinha, acabou se apaixonando por esse universo e hoje é Editor da revista Veja São Paulo e um dos responsáveis pelo guia anual “Comer & Beber”, além de ser professor na Universidade Mackenzie e fazer participações especiais em programas culinários, como MasterChef Brasil e Top Chef Brasil. 

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Apesar dos momentos de glória, Lorençato também já passou por poucas e boas ao longo da sua carreira e já desmistifica logo de cara uma das maiores lendas da profissão: “nós sempre pagamos pelas nossas refeições, as pessoas acham que chego dando carteirada para comer de graça, mas é essencial que eu pague, como qualquer outro cliente”, afirma. 

Confira alguns dos melhores momentos da entrevista:

Como foi o começo da carreira como crítico e jornalista gastronômico?

Lorençato: No começo não foi uma experiência tão agradável quanto as pessoas imaginam, porque era muito difícil fazer gastronomia, não é como hoje. Hoje você vai em qualquer livraria e consegue encontrar uma pilha gigantesca de livros e tem a internet também, mas antes não tinha material, era bem difícil. Se eu tivesse que pesquisar alguma coisa ou importar um livro de outro país, levava muito tempo. Quando eu saía de férias era difícil achar alguém pra me substituir, as pessoas não estavam nem aí para gastronomia.

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Qual foi um dos maiores perrengues que você já passou na profissão?

Lorençato: Quando eu fiz uma das minhas primeiras críticas, fui a um restaurante italiano que tinha uma espécie de presunto curado no menu e eu escrevi que era um presunto cru, tentava traduzir os termos gastronômicos para que todos entendessem. Um senhor leu a crítica e se revoltou contra isso, mandou carta pro dono da empresa que eu trabalhava dizendo que eu devia ser demitido, porque eu era um ignorante e não sabia nada. As pessoas acham que os cancelamentos ocorrem só agora, na internet, mas eu já fui cancelado nessa época, várias vezes.

Outro momento engraçado aconteceu quando fui a um dos restaurantes do Jacquin, ele me reconheceu e me chamou para entrar na cozinha, falou: “vem aqui ver”. Quando entrei, tive uma surpresa, ele tinha a foto de todos os críticos da cidade na parede. Naquela época não tinham as redes sociais, então ele tinha essa espécie de mural para tentar reconhecer os críticos e assim tratá-los melhor, o que é uma baita bobagem, já que cliente deve ser tratado como cliente e pronto. Tinha meu rosto com barba, sem barba, mais de uma vez. 

Você passa a ser procurado, as pessoas querem saber quem é você, o que você vai escrever, o que você está pensando. 

E qual a melhor parte de ser crítico?

Lorençato: Eu gosto muito de sair para almoçar e jantar fora e é muito bom poder ter uma carreira tão regular. Como a gente faz um guia anual com 250 restaurantes, tenho a possibilidade de conhecer muitos lugares novos, mas também de voltar a outros que já conheço e observar a evolução do lugar. Às vezes tem retrocessos, tem perdas, mas consigo acompanhar o que vai acontecendo na vida de um restaurante, tem lugares que o cardápio muda muito e outros que eu já conheço de trás para frente.

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Por exemplo, uma das coisas interessantes é poder provar uma coisa nova logo que ela chega, como foi com a formiga que tem gosto de capim-limão, que é uma coisa do Norte do país e era uma super novidade quando provei. Então, isso é incrível, sempre tem alguma coisa que te surpreende.

Comida é comportamento, em cada uma dessas épocas ela tinha uma função, e hoje estamos falando das pessoas fotografando comidas para as redes sociais. Isso é fascinante.

E você acha que, com a internet, todo mundo se tornou um pouco crítico?

Lorençato: A diferença é que quando você tem um crítico sério, há uma curadoria. Quando eu falo de alguma coisa, não tenho uma impressão única, eu acompanho a evolução, eu tenho o histórico daquele restaurante. Não é só dizer: “eu gostei” ou “eu não gostei”, o crítico usa critérios muito claros e determinados. Por exemplo: se a comida está salgada, esquece, está arruinada, joga fora, começa de novo, não pode ter comida salgada. 

Então, muitas coisas são critério de avaliação: sal, temperatura, apresentação, aroma, harmonia, como aquela comida se comporta na minha boca, se ela me surpreende, ela me emociona, tem que avaliar o pacote todo.

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Arnaldo Lorençato como jurado no Top Chef.
Foto: Instagram Arnaldo Lorençato

E você come de tudo ou tem alguma coisa que você não goste?

Lorençato: Eu não tenho nada que eu não goste, eu como de tudo, eu como assim: buchada de bode, jiló, maxixe, tudo que você imaginar. 

Tem uma moça que trabalhou comigo que fez uma Pós-Graduação em gastronomia e um dos exercícios era pegar uma coisa que eles provaram na sala de aula e dar pra algumas pessoas provarem e ver qual seria a reação. E ela trouxe para eu provar tipo um bichinho da seda, que era um crocante, eu comi os casulinhos dos insetos com a maior felicidade e meu comentário foi “minha única decepção aqui é que eu achei que ia ser salgado, como um aperitivo para comer com cerveja”. Eu não tenho nenhum problema em comer as coisas e isso me ajuda na profissão.

Você tem um restaurante que sonha em conhecer e ainda não conhece?

Lorençato: Olha, não tenho essa coisa de sonhar em conhecer, porque na verdade se eu pudesse eu conhecia tudo! Eu adoro viajar e me programar para conhecer lugares novos. Então, por exemplo, estive na Espanha recentemente e fui a um restaurante chamado DiverXO, ele era um sonho, tinha muita vontade de conhecer e deu certo.

Eu comi uma ave lá e eles trouxeram a ave inteira e morta numa bandeja pra mostrar pra gente a matéria prima que íamos comer, tem gente que se assusta, só que eu achei de uma transparência enorme, porque a gente quando come um animal, o animal é abatido, tem que ser cortado para que você coma, e a gente acha que isso não acontece. Achei aquilo muito interessante, no sentido didático da coisa e estava excelente a comida. Adorei a experiência.

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Você tem dicas pra quem quer comer bem sem gastar muito?

Lorençato: A gente tem na Veja São Paulo uma categoria que é muito importante pro leitor, que é a Bom e Barato. Esse ano destaquei 3 restaurantes que você pode ir e comer super bem por um preço justo. Que são: Cuia Café, Petí Gastronomia e Jesuíno Brilhante.

Arnaldo Lorençato apresenta premiação Comer & Beber da Veja São Paulo
Foto: Instagram Arnaldo Lorençato
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