Gravidez na adolescência: uma ruptura brutal do papel de filha para o de mãe

Uma em cada cinco crianças que nascem no Brasil é filha de adolescente, de acordo com dados da ONU

6 jun 2019 - 07h37

De acordo com o último relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), lançado em 2019, o índice de gravidez precoce no mundo é de 44 nascimentos a cada mil meninas entre 15 e 19 anos. No caso do Brasil e da América Latina, esse índice é ainda maior, de 62 a cada mil, segundo a ONU.

O Ministério da Saúde contabiliza: 18% dos nascimentos no País são de jovens com menos de 19 anos. Uma em cada cinco crianças que nascem no Brasil é filha de menores de idade.

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No Brasil, um indivíduo é considerado adolescente dos 12 aos 18 anos de vida. Estudos identificam que o lobo frontal, área do cérebro considerada 'do juízo', se forme até os 18 anos. E este é um período de verdadeira metamorfose na vida dos jovens. Envolve muita instabilidade emocional e perdas.

"A gravidez nessa fase é considerada um 'acidente de percurso'. Primeiro um susto e uma negação, que pode ser acompanhada até o final da gravidez. É quase sempre uma ruptura brutal do seu papel de filha para o de mãe. Muitas vezes, a vida escolar é interrompida e seus problemas familiares são grandes demais para o enfrentamento", afirma a psicóloga e pedagoga Magda Pearson. Ela alerta que, em muitos casos, as adolescentes desenvolvem quadros depressivos e ansiosos. O isolamento social é frequente.

Os meninos que se tornam pais nessa fase da vida também enfrentam dificuldades, mas a realidade é outra. "Geralmente são obrigados a trabalhar. Em alguns casos, sofrem de ansiedade antecipatória, por se julgarem incapazes de assumirem as responsabilidades de se tornarem pais. Sentem mais como perdas da liberdade de aproveitarem a vida do que a alegria de se tornar pai. Demoram mais para processar o susto", enfatiza.

Sexualidade na adolescência

Dos 12 aos 18 anos, a transformação do corpo é um processo lento e sofrido, marcado pelo 'luto do corpo da criança', ganhando e perdendo características fisiológicas e psicológicas. É uma fase conturbada e recheada de contradições. Pode ser delineada em três etapas: a transformação do corpo (puberdade), a busca pela definição sexual e a aquisição da maturidade (escolha da carreira, por exemplo) e responsabilidade social.

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"É um rito de passagem que, além da retirada da criança da infância e em meio a um período de crises de identidade, existe a construção do adulto social", na análise da psicóloga Magda Pearson.

A adolescência é a fase da vida em que a pessoa está buscando a identidade sexual. "Nem sempre os jovens compreendem o que está acontecendo com eles, mas se sentem compelidos a explorar seus corpos. É nessa fase que se acentua a vontade de ficar só em casa, em seus quartos (masturbação). Geralmente, é uma fase de distanciamento familiar, trocando mais ideias com os amigos e namoradas. Passam horas navegando na internet procurando saber o que está acontecendo com eles", segundo a especialista. É por essas e outras razões que o diálogo franco com os filhos, desde a tenra idade, pode ajudar a sanar dúvidas em relação a sexualidade, evitando problemas futuros.

Para Jaime Nadal, representante do Fundo de População das Nações Unidas, o acesso a informação deve ser um compromisso de todos: "Um diálogo deve existir, seja em casa, nas unidades de saúde ou na escola. É preciso que o acesso a informação, que os serviços e insumos não se restrinjam à população adulta, mas também à comunidade jovem. Diferentemente das gerações anteriores, esta comunidade está exposta, por meio da internet, a uma série considerável de informações incorretas, o que incrementa o risco e a exposição a uma série de problemas, como Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs), além das gravidezes não desejadas."

E o sentimento de que nada vai acontecer é comum entre jovens, segundo a psicóloga Magda Pearson. "Como todos adolescentes possuem certa 'onipotência juvenil', cuja característica lhe empresta uma 'falsa percepção' de nada de ruim vai lhe acontecer, cabem aos pais e educadores, a missão quase impossível de orientar sobre o uso de preservativos e cuidados", afirma.

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Impacto social da gravidez na adolescência

A gravidez não intencional também traz diversas consequências para as jovens e a sociedade. Segundo dados do IBGE, seis de cada dez adolescentes grávidas não trabalham e não estudam. Sem falar no impacto econômico: conforme estudo do Banco Mundial, o Brasil teria incremento de US$ 3,5 bilhões por ano em produtividade caso as meninas adiassem a gravidez para depois dos 20 anos.

"Prevenir e oferecer respostas para a gravidez na adolescência está entre as prioridades do programa de compromissos adotado e reforçado a partir de 1994, no marco da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, que contou com a participação de 179 países", afirma Jaime Nadal, representante do Fundo de População das Nações Unidas.

A ONU acompanha de perto a situação das adolescentes que engravidam no Brasil. Criado em 1969, o UNFPA trabalha com o objetivo de garantir que todos os partos sejam seguros, que toda gravidez seja desejada e que todos os jovens possam alcançar o seu potencial.

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