Cérebro divide nosso dia em 'capítulos', diz estudo

Pesquisas revelam que o cérebro cria "capítulos" ao longo do dia para organizar experiências e formar memórias; entenda como a atenção molda o que lembramos e o que esquecemos

10 dez 2025 - 21h09

Assim que você sai de casa, entra em um restaurante ou começa um filme à noite, algo fascinante acontece dentro do cérebro. A cada mudança de contexto, de intenção ou de foco, sua mente abre um novo "capítulo" do dia. Essas transições, que parecem tão corriqueiras, fazem parte de um mecanismo sofisticado de organização interna.

Estudo mostra que o cérebro divide o dia em capítulos conforme o foco e o significado; saiba como essa organização nos influencia 
Estudo mostra que o cérebro divide o dia em capítulos conforme o foco e o significado; saiba como essa organização nos influencia
Foto: Reprodução: Canva/The Yaroslav Shuraev Collection / Bons Fluidos

Pesquisadores da Universidade de Columbia decidiram investigar como esse processo funciona. O resultado, publicado na revista Current Biology, revela que nosso cérebro não é um gravador automático do mundo externo, mas sim um editor ativo: ele seleciona, estrutura e narra a experiência de acordo com o que considera significativo.

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O cérebro como autor da própria história

Para estudar como criamos essas fronteiras invisíveis, os cientistas elaboraram 16 pequenas histórias em áudio, com três a quatro minutos cada. Elas se passavam em cenários como supermercados, restaurantes, salas de aula e aeroportos - e envolviam tramas distintas, como pedidos de casamento, negociações de trabalho, encontros românticos e términos.

A descoberta surpreendeu os pesquisadores: não é o cenário que determina o início de um novo capítulo mental, mas sim a atenção e o significado atribuído ao que acontece. Em um pedido de casamento narrado em um restaurante, por exemplo, o cérebro não dedica tanta importância ao ambiente, mas sim ao momento decisivo da resposta. É o conteúdo emocional que define a "virada da página".

Quando os pesquisadores pediram que voluntários prestassem atenção em detalhes menos relevantes - como os pratos escolhidos ou os itens do carrinho no supermercado - esses aspectos passaram a organizar a memória. Ou seja: mudar o foco muda completamente a forma como o cérebro divide a experiência.

A atenção como ferramenta de edição

Essa descoberta reforça uma ideia poderosa: o cérebro não apenas reage ao mundo, mas também constrói narrativas. Expectativas, prioridades pessoais e experiências anteriores moldam o que será percebido como importante.

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O pesquisador Christopher Baldassano resume isso perfeitamente: "Desafiamos a teoria de que mudanças repentinas na atividade cerebral quando começamos um novo capítulo do nosso dia são causadas apenas por estímulos externos - que o cérebro não está realmente 'fazendo' nada interessante quando cria novos capítulos, que está apenas respondendo passivamente a mudanças sensoriais". Essa edição interna começa antes mesmo da formação da memória. É o próprio cérebro que decide o que pode virar lembrança e o que será deixado de lado.

Como a memória se organiza em capítulos?

Os voluntários participaram de exames de ressonância magnética enquanto ouviam as histórias e indicavam, apertando um botão, quando acreditavam que um novo trecho estava começando. O padrão encontrado foi consistente: cada narrativa era dividida mentalmente em blocos coerentes; a divisão mudava conforme o que o participante estava instruído a observar; e um mesmo episódio podia gerar capítulos completamente diferentes dependendo da perspectiva adotada.

Essa organização ocorre graças aos engramas, redes neurais responsáveis por armazenar memórias. Os cientistas observaram que os engramas não se estruturam pelo local em si, mas pelo significado emocional ou cognitivo do evento. Assim, em uma viagem longa, você não lembra cada minuto: apenas os trechos que seu cérebro considerou mais relevantes - um cheiro, uma conversa, uma paisagem, uma emoção.

A maleabilidade da memória

Um ponto essencial revelado pelo estudo é que essa estruturação não é fixa. Quando voluntários foram estimulados a reparar em detalhes periféricos (como o prato pedido no almoço ou o item específico de compras), esses elementos passaram a ganhar espaço na narrativa interna. Ou seja, a memória é flexível, moldável e sensível ao foco do momento. O cérebro constantemente reinterpreta e recategoriza experiências.

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É por isso que, às vezes, lembramos de algo aparentemente irrelevante - um perfume, uma música, uma cor - e esquecemos partes centrais do acontecimento. A mente prioriza não pela lógica externa, mas pelo impacto subjetivo.

A minissérie que chamamos de vida

Se pensarmos bem, cada dia é uma espécie de minissérie íntima. Há trilha sonora (sobretudo se você escuta música o tempo todo), cenários variados, mudanças de foco e cenas que marcam mais do que outras. Alguns episódios ficam para sempre. Outros desaparecem. E isso não é falha da memória. É a forma eficiente que o cérebro encontrou de organizar o mundo interno.

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