Partidos alternativos colocam em xeque bipartidarismo na Espanha

25 mai 2015 - 14h11

Fernando Kallás

Foto: BBC Mundo / Copyright

De Madri para a BBC Brasil

As forças políticas majoritárias espanholas sofreram um duro golpe nas eleições municipais e regionais realizadas em 13 das 17 comunidades autônomas (equivalentes aos Estados no Brasil) e mais de 8 mil cidades do país no domingo.

Com a Espanha afundada em uma crise econômica que já dura seis anos e quase um quarto da população vivendo no desemprego e indignada com uma série de escândalos de corrupção, parte do eleitorado espanhol resolveu romper com o bipartidarismo que dominava o país há décadas.

Apesar de continuarem sendo as siglas mais votadas, os conservadores do PP e os socialistas do PSOE perderam mais de 3 milhões de votos e viram sua fatia do eleitorado cair de 65% a 51% em apenas quatro anos.

A grande beneficiada da mudança foi a alternativa de esquerda ligada a movimentos sociais e de protesto contra a austeridade, vencedora em Barcelona e que depende apenas de uma provável coalizão com o PSOE para assumir também a prefeitura da capital, Madri.

O PP, partido do governo, ainda foi o que recebeu mais votos no país, mas esta foi uma "vitória" amarga. Escândalos de corrupção e medidas impopulares de austeridade minaram o apoio do partido. Os conservadores perderam 2,4 milhões de votos neste domingo.

O PSOE também recuou, mas menos que o maior rival: perdeu 700 mil votos. Mesmo assim. continua sendo a segunda força política do país, só que com uma diferença muito menor que há quatro anos. Em 2011, a vantagem do PP era de mais de 2 milhões de votos. Depois das eleições de domingo, é de apenas 440.000.

Com os resultados, os partidos tradicionais terão agora que dividir o poder com novos atores à esquerda - principalmente grupos ligados ao movimento Podemos - e à centro-direita, representado pelo Ciudadanos.

Outros perdedores das eleições de domingo foram a Izquierda Unida - uma coalizão formada em torno do Partido Comunista - e os centristas da UPyD, que perderam votos para o Ciudadanos.

Eleitores de Manuela Carmena, do 'Ahora Madrid', celebraram nas ruas os primeiros resultados da boca de urna

Coalizões

O resultado abre as portas para um pacto de esquerdas em várias cidades da Espanha. Pelo sistema político do país, é possível que partidos façam alianças para atingir a maioria em legislativos regionais e municipais e, assim, governar com uma coalizão.

Uma aliança da esquerda pode fazer com que os conservadores percam redutos históricos.

Em Madri, a candidata Manuela Carmena, do movimento Ahora Madrid - apoiado pelo esquerdista Podemos -, foi a segunda mais votada (com 31,8% dos votos), atrás de Esperanza Aguirre, do PP. Mas uma eventual aliança com os socialistas do PSOE pode fazer com que Carmena acabe levando a prefeitura, acabando com um domínio de mais de duas décadas do PP na capital espanhola.

O mesmo pode acontecer em Valência e Sevilha.

E, em Barcelona, a esquerda independente do partido Barcelona En Comú venceu os independentistas catalães, o que tornou a ativista Ada Colau a nova prefeita.

O cenário das grandes cidades espanholas resume o resultado global das eleições em todo o país e o sentimento do eleitorado.

Além disso, o PP passou a não ter maioria absoluta em qualquer das comunidades autônomas (os estados). O partido agora depende de acordos com o Ciudadanos para manter o poder nas regiões de Madri, Castela e Leão, La Rioja e Murcia. Em outras comunidades, depende que os partidos à esquerda não cheguem a acordo, para que possa governar com minoria.

A grande questão é que o Ciudadanos já avisou que só vai pactuar com partidos que aceitarem seus "mandamentos anticorrupção", que tratam, entre outras coisas, da proibição das doações eleitorais de empresas a partidos.

O Ciudadanos também já afirmou que só irá fazer pactos com o PP caso o Partido Popular se comprometa a adotar primárias para definir suas listas de candidatos (é o único partido que não o faz).

Mudança

Além das medidas de austeridade, a corrupção foi o principal catalisador da queda do apoio popular ao PP.

O primeiro-ministro Mariano Rajoy chegou a pedir desculpas por casos de corrupção em discursos ao Senado em duas ocasiões diferentes.

A primeira, em agosto de 2013, por causa do chamado caso Bárcenas, relacionado às atividades ilegais e pagamento de comissões do tesoureiro do partido, que comandou um suposto sistema de caixa-dois de 1990 e 2008.

Em outubro do ano passado, Rajoy voltou a se desculpar em nome do PP, 24 horas depois de que 51 membros do partido foram presos acusados de corrupção em diversas regiões e níveis governamentais do país. Entre os detidos estava Francisco Granados, secretário-geral do Partido Popular de Madrid entre 2004 e 2011, e ex-braço-direito de Esperanza Aguirre, candidata do PP à prefeitura da capital.

"A maioria vencedora foi a que pede a mudança", disse Manuela Carmena, candidata do movimento independente Ahora Madrid, e que depende agora de uma aliança com o PSOE para governar a capital espanhola.

"Havia um desejo de mudança profunda na população que vai além das siglas partidárias e se baseia na cooperação e participação cidadã no processo político", afirmou em discurso Ada Colau, a ativista de 41 anos eleita prefeita de Barcelona com uma vantagem de apenas 20 mil votos sobre líder nacionalista Xavier Trias, prefeito da cidade pelos últimos quatro anos.

"Foi uma vitória de Davi contra Golias", celebrou Colau, que se notabilizou como uma líder do movimento anti-despejo durante a crise econômica em Barcelona. Ela chegou a ser presa, em julho de 2013, quando protestava em uma agência bancária na capital da Catalunha.

Os partidos tem até o dia 13 de junho para anunciar suas coalizões. E esse cenário pode definir o que vai acontecer nas eleições parlamentares do fim do ano. Se o PSOE, Podemos e independentes fizerem um pacto e conseguirem trabalhar juntos, poderia significar uma derrota do PP em nível nacional.

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