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Papa Francisco é acusado de ter sido conivente com ditadura argentina

14 mar 2013 - 08h55
(atualizado às 09h49)
O papa Francisco aparece no balcão central da Basílica de São Pedro pela primeira vez como Sumo Pontífice
O papa Francisco aparece no balcão central da Basílica de São Pedro pela primeira vez como Sumo Pontífice
Foto: AP

Entre aqueles que o conhecem, raramente se fala sobre Jorge Mario Bergoglio, o papa Francisco, sem que se mencione sua humildade e relutância a falar sobre si mesmo. Segundo admiradores, essas qualidades fazem com que não seja enfático na negação de uma das principais acusações que pesam contra ele: de que estava entre os líderes religiosos que ativamente apoiaram a ditadura argentina.

Não há discussão sobre o fato de que Bergoglio, como muitos outros argentinos, falhou em criticar abertamente a junta militar que governou o país (1976-1983) e promoveu sequestros e assassinatos de milhares de pessoas durante uma "guerra" contra oponentes de esquerda.

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Contudo, o biógrafo oficial do papa Francisco, Sergio Rubin, argumenta que a Igreja Católica como um todo falhou em reportar os crimes da ditadura, e que seria injusto com Bergoglio o carimbar com a culpa que muitos argentinos de sua geração ainda precisam lidar.

"De alguma forma, muitos de nós argentinos somos cúmplices", em um tempo em que quem abrisse a boca se tornaria um alvo, disse Rubin em entrevista à AP antes do Conclave papal.

Alguns ativistas de direitos humanos acusam o novo Papa de ser ter se preocupado mais em preservar a imagem da Igreja do que em fornecer evidências para tribunais argentinos que julgaram crimes da ditatura.

"Aqui há uma hipocrisia em relação à conduta da Igreja, e com Bergoglio em particular", disse à AP Estela de la Cuadra, cuja mãe é uma das fundadoras do movimento de direitos humanos Avós da Praça de Maio. "Há todos os tipos de julgamento agora, e Bergoglio sistematicamente se recusa em apoiá-los".

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Segundo a advogada de direitos humanos Myriam Bregman, Bergoglio, que até se tornar Papa era arcebispo de Buenos Aires, por duas vezes invocou seu direito garantido na lei argentina de se recusar a aparecer em cortes que julgavam torturas e assassinatos cometidos dentro da Escola de Mecânica da Marinha (Esma), além do roubo de filhos dos detentos. Bregman diz que quando ele enfim resolveu testemunhar, suas respostas foram evasivas.

A advogada acrescenta que o próprio Bergoglio, em seus pronunciamentos admite que a Igreja foi complacente com os crimes militares e os apoiava desde o início. "A ditadura não poderia ter operado daquela forma sem este apoio vital", afirma Bregman.

O biógrafo Rubin, que escreve sobre assuntos religiosos para o jornal Clarín, diz que Bergoglio, em verdade, assumiu grandes riscos para salvar os chamados "subversivos" durante a ditadura, mas que nunca tinha falado sobre isso antes da publicação de O Jesuíta, sua biografia oficial. Bergoglio explicou no livro que relutou a responder as acusações porque não queria se "rebaixar" ao nível dos críticos.

O novo Papa relatou na obra que uma vez cedeu sua identidade argentina para um homem procurado pela Justiça que se parecia com ele, o que permitiu que aquele cruzasse a fronteira com o Brasil. Também disse muitas vezes abrigou pessoas nas dependências de igrejas até que elas conseguissem rumar para o exílio em segurança.

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A principal acusação contra Bergoglio dá conta de que, quando jovem líder da Ordem dos Jesuítas da Argentina, ele retirou seu apoio a dois colegas padres que eram ativistas da teologia da libertação em favelas locais. Eles foram em seguida sequestrados e torturados dentro da Esma, que os militares utilizavam como prisão clandestina.

Conheça o perfil de Jorge Bergoglio, 1º papa Francisco
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Bergoglio afirma no livro que aconselhou os padres, Orlando Yorio e Francisco Jalics, a abandonar seus trabalhos por razões de segurança, o que eles recusaram. Yorio posteriormente acusou Bergoglio de enviá-los para a morte ao rejeitar apoiá-los publicamente. Ele está morto agora. Já Jalics se recusa a falar sobre o assunto desde que se mudou para um mosteiro alemão.

Os dois padres eventualmente foram soltos, dois raros casos de presos que sobreviveram à Esma. Rubin diz que Bergoglio relutou em lhe contar a história de como tinha atuado para que eles fossem libertados.

Então na casa dos 30 anos, Bergoglio persuadiu o padre da família do ditador Jorge Videla a se passar por doente para que ele pudesse tomar o lugar em um missa e ter acesso à casa do líder militar, onde pôde privadamente apelar pela vida dos padres, segundo Rubin.

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"A Igreja argentina é uma das mais conservadoras da América Latina. Mostrava uma boa disposição com relação aos militares, que, para piorar a situação, se diziam cristãos e se chamavam de bons católicos", diz Rubin.

Na época, dentro da hierarquia da Igreja havia cerca de 50 bispos, a maioria deles conservadores. Alguns eram muito progressistas e acabaram mortos. Bergoglio estava em algum ponto na metade do caminho, sugeriu Rubin.

"Há alguns que arriscaram tudo para abertamente desafiar a junta, e alguns desses acabaram mortos", disse Rubin, acrescentando que entre estes estava o bispo Enrique Angelelli, morto em um suspeito acidente de trânsito, em 1976, enquanto carregava evidências sobre o assassinato de dois padres.

Rubin diz que ativistas ligados ao governo da presidente Cristina Kirchner têm "tentado inserir Bergoglio em julgamentos de direitos humanos, mesmo quando ele verdadeiramente não deveria participar". Por outro lado, ativistas dizem que ele demorou muito para se desculpar pelas falhas nos direitos humanos e ainda precisa identificar os responsáveis por violações que contaram com a conivência da Igreja.

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Bergoglio foi nomeado o cardeal de Buenos Aires em 2001. Mas foi apenas em 2006, quando o presidente Nestor Kirchner declarou um dia de luto para lembrar o 30º aniversário da morte do bispo Angelelli, que o cardeal reconheceu que o religioso era um "mártir" e que tinha sido assassinado.

Sob a liderança de Bergoglio, os bispos argentinos emitiram um pedido coletivo de desculpas pelos erros da Igreja durante a ditatura em outubro de 2012, mas a declaração culpou também os inimigos dos militares pela era de violência vivida então na Argentina, algo pelo qual ele também é criticado. "Bergoglio tem sido muito crítico da violação de direitos humanos durante a ditadura, mas ele também criticou as guerrilhas de esquerda. Ele não esqueceu esse lado", disse Rubin. 

Fonte: Terra
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