Carismáticos, o fervor católico contra a fuga de fiéis no Brasil

5 jun 2013 - 14h28

Não é o show de um "popstar", mas se parece. É uma missa católica onde multidões rezam, cantam e choram guiadas por padres carismáticos, símbolo de uma corrente que atrai milhares de fiéis enquanto a igreja "tradicional" os perde.

A noite é fria, mas a temperatura não importa neste enorme templo do Movimento de Renovação Carismática da zona sul de São Paulo. Milhares de fiéis sentados e outros milhares de pé esperam por horas até que, às oito da noite, aparece o padre Marcelo Rossi.

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Sorridente, ativo, acompanhado por uma banda de música, com microfone nas mãos e sapatos esportivos sob a batina, Marcelo Rossi, de 46 anos e um físico de ator de cinema com seus 1,94 m de altura, começa a missa cantando e agitando os fiéis.

"Deus transformará sua tristeza em alegria!", clama no altar, e o templo vem abaixo com a emoção dos fiéis.

Todas as quintas-feiras à noite e domingos de manhã Rossi lidera a liturgia na Mãe de Deus, o maior templo católico do Brasil com capacidade para 100.000 pessoas, inaugurado em 2012.

"O padre Marcelo é um homem carismático, humilde. Se você vem uma vez para cá, não deixa de vir nunca mais", afirma à AFP Olga Ribeiro, de 72 anos, que há uma década segue o padre que já liderou missas até mesmo no estádio Morumbi.

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Nascido em São Paulo em 1967, Rossi vendeu milhares de discos, tem programas de televisão e rádio, protagonizou filmes, tem assessoria de imprensa, é muito ativo em sua conta do Twitter e, nos últimos dias, tem percorrido o país apresentando seu último livro, "Kairós", que vendeu meio milhão de exemplares em menos de um mês.

No clímax da liturgia, as luzes são apagadas e só restam as velas acesas pelos fiéis. Muitos choram.

O Brasil é o país com mais católicos do mundo, 123,3 milhões, segundo o censo de 2010. Eles representam 64,6% da população, mas 10 anos antes eram 73,6% e em 1970 91,8%.

Enquanto os católicos perderam espaço, os evangélicos - sobretudo os pentecostais - cresceram até alcançar 22,2% da população, com 42,3 milhões de pessoas.

"Desde os anos 1990 é registrada no Brasil uma crise na Igreja católica, com templos vazios e a Teologia da Libertação em retrocesso", comenta à AFP Magali Cunha, da Faculdade de Teologia e pós-graduação da Universidade Metodista de São Paulo.

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"Os grupos carismáticos convocam a Igreja a uma renovação para trazer de volta os fiéis e dar fôlego à instituição através de uma popularização baseada no modelo pentecostal", acrescenta.

Mas o chefe do Departamento de Ciências da Religião da Universidade Católica de São Paulo, Edin Abumansur, ressalta que "dizer que a renovação carismática é uma resposta ou uma estratégia de contenção de fiéis é uma leitura muito limitada. Também não é uma versão católica do pentecostalismo, é um fenômeno maior, mais amplo, próprio da Igreja Católica".

Conhecido no início como "pentecostalismo católico", a renovação carismática chegou ao Brasil nas décadas de 1960 e 1970 e evoluiu até se tornar um movimento muito heterogêneo, sempre sob a égide da Igreja Católica.

Assuntos como a mediação do clero, a família ou o casamento entre um homem e uma mulher não estão em discussão.

Embora os carismáticos não tenham tido êxito em conter a queda do número de católicos no país, "sem este tipo de espiritualidade a Igreja Católica teria perdido muito mais fiéis em comparação com os que já perdeu", afirma Abumansur.

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Missas de cura, emoções à flor da pele, bênçãos para encontrar emprego, grupos de oração, expressão corporal da fé: a gama de ofertas é ampla e variada.

"Se há técnicas que resolvem, os carismáticos dizem 'vamos testar elas também', como os grandes eventos públicos potencializados pelos meios de comunicação", acrescentou Cunha.

De acordo com a organização Renovação Carismática do Brasil, há um milhão de brasileiros neste movimento, mas outros nove milhões participam através de retiros espirituais ou encontros.

"Hoje há missa no Santuário. Não se esqueça de trazer uma vela. Se não puder vir, nos siga por nosso site. Deus te abençoe!", escreveu o padre Marcelo Rossi em sua conta no Twitter há alguns dias.

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Em uma entrevista por e-mail à AFP, o padre afirma que dá grande importância às redes sociais porque o mundo mudou.

"Mas o grande desafio da Igreja é saber como usar estes instrumentos para o bem, para a evangelização", acrescentou.

Com uma linguagem direta e recorrendo sempre à música, o padre Marcelo transmite sua mensagem. Na missa fala de delinquência, mas não menciona os problemas sociais que ainda atingem o país.

"Não se pode misturar igreja e política. No momento em que você entra na política, precisa se filiar a um partido e a Igreja é apartidária", escreveu à AFP.

E sua mensagem atinge em cheio seus seguidores.

"É uma missa moderna, animada. Eu tinha deixado de ir à Igreja porque ficava entediado, mas isso é diferente", afirma Luis Fernando Camentori, de 58 anos.

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Após anos de rejeição, a Igreja Católica brasileira apoia atualmente os movimentos carismáticos - dentro dos quais também aparecem as comunidades Canção Nova, Shalom ou 70x7 - embora ao mesmo tempo se preocupe com sua eventual autonomia.

"A Igreja 'tolera' estes movimentos (...) Há muitas correntes e grande parte da Igreja Católica não as aceita. Mas se elas atraem muita gente, o que podem fazer?", afirma Abumansur.

Em 2007, a Igreja proibiu o padre Marcelo de cantar na visita do então papa Bento XVI a São Paulo, mas seis anos depois o sacerdote poderá se apresentar diante do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro.

Há algum tempo, o próprio padre Marcelo foi criticado e classificado de "showman" pela hierarquia católica de São Paulo, mas em 2012 o próprio arcebispo Odilo Scherer assistiu à inauguração de seu gigantesco templo.

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"Eu não faço show, eu celebro missas", respondeu o padre.

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