Várias pesquisas já comprovam que as áreas protegidas são essenciais para a preservação de florestas, rios e animais. No entanto, há um discurso histórico que coloca as pautas ambientais como antagônicas ao desenvolvimento econômico e social. Mas afinal, qual o real impacto que essas demarcações causam nas economias e condições de vida das comunidades locais?
Nossa equipe de pesquisadoras do Laboratório de Ecologia de Ecossistemas e Conservação (LECE), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), busca entender melhor esse potencial impacto causado pelas áreas protegidas. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), nosso estudo mais recente sobre o tema acaba de ser publicado na revista Frontiers in Ecology and the Environment.
O trabalho é uma meta-análise ampla, onde reunimos mais de 400 medidas de impacto de áreas protegidas do mundo todo. Ajustamos aspectos metodológicos de diversas pesquisas de acordo com os tipos de impactos e como eles atuam nos territórios (de forma local, regional, nacional ou global). Então, avaliamos como esses efeitos se correlacionam com cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
Como esperado, vimos que os impactos positivos mais consistentes foram os ambientais, especialmente em florestas e oceanos. Mas observamos também benefícios sociais e econômicos. A magnitude e direção deles variam conforme o contexto, o tipo de governança das áreas protegidas e as condições socioeconômicas de cada região. Além disso, os efeitos positivos frequentemente dependem da participação ativa das comunidades que vivem dentro e ao redor dessas áreas.
Conservação como vetor econômico e social
Em alguns casos, a proteção ambiental ajudou a criar oportunidades econômicas sustentáveis. Um exemplo disso é a reserva marinha de Lyme Bay, no Reino Unido. Ao longo de 12 anos desde a designação da Área Marinha Protegida, houve um declínio geral no volume de pesca, mas com aumento de renda, pela captura de espécies comercialmente mais valiosas. A adoção de práticas mais responsáveis (como as armadilhas fixas) fez a pesca se tornar mais eficiente e favoreceu o aumento do bem-estar dos pescadores locais.
Em outras regiões onde o turismo é importante, os efeitos também podem ser significativos. No Nepal, um importante estudo mostrou que as áreas de proteção ambiental contribuíram de forma significativa para reduzir a pobreza geral e extrema por meio de atividades turísticas. Elas impactaram positivamente inclusive áreas com menos turistas. Também ficou claro que há mais benefícios em áreas mais extensas e que já são protegidas há mais tempo.
Já as Reservas Extrativistas, inspiradas por lideranças como Chico Mendes, são um exemplo emblemático que concilia conservação da biodiversidade com direitos territoriais, diversidade cultural e técnicas extrativistas de baixo impacto.
Na Amazônia brasileira, áreas protegidas de uso sustentável têm sido associadas à melhoria dos meios de subsistência de populações rurais. As comunidades que vivem nesses territórios têm melhor acesso a serviços de saúde, educação, eletricidade, saneamento básico e infraestrutura de comunicação, além de maior renda familiar. Esse conjunto de condições se reflete também nas expectativas de permanência no território. Apenas 5% dos residentes adultos em áreas protegidas manifestam desejo de se mudar para centros urbanos, frente a 58% entre adultos que vivem fora dessas áreas.
Conservação como caminho para reconstrução e paz
Entender como as áreas protegidas influenciam a dinâmica dos conflitos e os índices de violência é essencial para a elaboração de políticas que apoiem os Objetivos Sustentáveis 16 (pela paz, justiça e instituições eficazes). Há evidências de que as áreas protegidas podem atuar como terrenos neutros de diálogo e reconciliação, principalmente quando associadas a modelos de governança participativa.
Na Colômbia, por exemplo, o Parque Nacional Natural Alto Fragua Indi Wasi, criado em 2002, tem contribuído de forma positiva para a construção da paz pela valorização de lideranças locais.
Na África, um vasto estudo, publicado na revista Nature, analisou o impacto negativo de conflitos armados sobre a vida selvagem em áreas protegidas no continente. Dentre os casos debatidos, destacam-se os do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, e do Parque Nacional de Akagera, em Ruanda. Essas áreas protegidas combinaram abordagens de conservação, geração de renda, formação de guardas florestais e monitoramento da vida selvagem, que ajudaram a promover estabilidade social após os conflitos.
Agenda de pesquisa a ser ampliada
Nosso estudo mostrou que as áreas protegidas têm potencial para contribuir para todas as dimensões da sustentabilidade - ambiental, social e econômica - quando bem planejadas e governadas. No entanto, também evidenciou que a maior parte da literatura científica ainda se concentra apenas nos efeitos ambientais dessas áreas.
Para ampliar o papel das áreas protegidas na redução das desigualdades, na promoção de economias sustentáveis e no fortalecimento institucional, ainda são necessários mais estudos que olhem para esses aspectos de forma integrada. Compreender essas dimensões de maneira articulada é essencial para orientar políticas mais eficazes, capazes de unir conservação da natureza e bem-estar humano.
Defendemos, portanto, a construção de uma nova agenda de pesquisa que integre de forma sistemática as dimensões ambiental, social e econômica. Essa agenda deve dar maior atenção aos contextos locais, ao uso de tecnologias emergentes e à participação de múltiplos setores, de modo a aprimorar a avaliação desses impactos. Com indicadores adequados, será possível compreender melhor os trade-offs envolvidos e maximizar o potencial das áreas protegidas como motores do desenvolvimento sustentável.
Além da FAPERJ, esta pesquisa recebeu apoios do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes). E a publicação deste artigo também contou com o apoio da Capes.
Nada a divulgar
Aline Gaglia Alves, Aliny P. F. Pires e Helena Alves Prado não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que poderiam se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelaram nenhum vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.