Eu sou 'Ministro dos Direitos Humanos do Conflito', diz Silvio Almeida

Em café com jornalistas, ministro fez balanço de gestão, falou sobre guerra cultural, racismo e em atos sobre os 60 anos da Ditadura Militar

2 fev 2024 - 14h55
(atualizado às 15h53)
Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, em café da manhã com jornalistas
Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, em café da manhã com jornalistas
Foto: Reprodução/MDH

“Eu sou Ministro dos Direitos Humanos do Conflito. É isso”, essa foi a fala final do ministro Silvio Almeida após duas horas de entrevista a jornalistas nesta sexta, 2, em Brasília. O titular da pasta de Direitos Humanos e Cidadania convidou 45 veículos de imprensa, entre eles o Terra, para apresentar um balanço da gestão de 2023 e responder dúvidas sobre diversos assuntos.

O ministro fez a declaração enquanto dizia que sofre racismo por ser negro e estar em um cargo de comando. Mas a frase também serve para ilustrar o tom dos assuntos que tratou neste café da manhã que durou cerca de 2h30. Almeida, assim como Flávio Dino (PSB-MA), que comandava o Ministério da Justiça e Segurança Pública, é alvo constante da oposição e de radicais bolsonaristas e costuma ter declarações firmes e diretas. 

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O ministro fez uma análise política sobre como o ministério deve agir politicamente e considerou que o campo democrático está perdendo a disputa cultural para a extrema-direita.

Almeida expôs ações feitas pela pasta em 2023 sob a ideia de reestruturar projetos e políticas públicas de direitos humanos em conjunto com outros ministérios. Ele defende que questões sobre o sistema carcerário, violência, moradores de ruas, idosos e pessoas com deficiência, por exemplo, precisam ser elaboradas e executadas como projetos de Estado, ou seja, de modo permanente, independentemente de quem presida o país.

Sob essa ótica, o ministro apresentou como vitrine programas interministeriais com apoio de Lula (PT), dois planos: o Viver Sem Limite, voltado para promoção dos direitos de pessoas com deficiências; Ruas Invisíveis, para atenção e atendimento de pessoas em situação de rua, com previsão de acesso a moradias, saúde e assistência social. Somados, os  planos têm estimativa de custo de R$ 7,5 bilhões. Sendo R$ 6,5 bilhões o primeiro e R$ 1 bilhão o segundo projeto.

Sobre as condições para reestruturar o ministério com políticas públicas conjuntas entre outras pastas, disse que parte das medidas têm apoio do presidente Lula (PT), o que facilita o trâmite, já que passam a ser prioridade para cada ministro.

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“Sem ilusões, ainda que seja um governo sob a liderança, força e autoridade do presidente Lula, tem disputas, visões diferentes. As pessoas sabem o que eu penso, o que eu escrevi. E não esqueci o que escrevi, inclusive acho que estou mais convicto de tudo que escrevi, pensando em escrever coisas até mais radicais”, disse em tom de brincadeira.

“O Ministério dos Direitos Humanos não foi extinto, foi ressignificado para servir a outros propósitos [durante a gestão Jair Bolsonaro (PL)]. Por isso era necessário que o ministério se colocasse nessa disputa ideológica, que é uma disputa que muitas vezes esquecemos de fazer e é fundamental”, disse nas falas iniciais.

Veja trechos dos temas discutidos:

Ministro do Conflito e Racismo

O ministro foi questionado sobre reportagens e falas de autoridades, que em OFF (jargão jornalístico para divulgar uma informação sem se identificar a fonte), o criticavam por ser “acadêmico” e não ter competência para administrar a pasta.

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“Quem falou isso fez uma mistura muito comum de burrice com racismo. A minha formação é em Direito, Filosofia e Economia. Muito parecida com a de um outro ministro que se chama Fernando Haddad (Fazenda), meu amigo querido. Graduação, mestrado e doutorado. Por quê no meu caso as minhas qualidades viraram defeito? Percebe? Quando você é preto, se você estuda pouco é um problema. Se estuda muito é um problema também. Perceberam que não tem saída?”, disse.

O ministro fez uma relação de universidades prestigiadas em que deu aula, como a Fundação Getúlio Vargas, Columbia (Estados Unidos) e que é advogado há mais de 20 anos. E disse que por conta dessas falas racistas, sempre precisa ressaltar seu currículo.

Ministro Silvio Almeida falou sobre guerra cultural e atuação política no governo
Foto: Clarice Castro/Divulgação MDHC

“Isso tudo para mim vira um problema. Por quê? Por que eu sou preto, notaram? ‘Você está se vitimizando?’ Não, não tenho problema nenhum. Se vier [falar assim comigo], vamos para o enfrentamento”, afirmou. Essa foi a última resposta do ministro, que fechou dizendo que é o “ministro dos Direitos Humanos do Conflito”.

 Condenar a Ditadura Militar

Para este ano, em que se completarão 60 anos do golpe militar (1964-1985), o ministro disse que a pasta planeja ações para que o Brasil “não esqueça” a ilegalidade e impacto negativo que o período de exceção causou ao país. Uma das ações é comprar e transformar em memorial a Casa da Morte, nome de uma residência em Petrópolis (RJ) que foi utilizada como centro de tortura e assassinatos clandestinos no governo militar. 

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Segundo ele, o processo está adiantado, mas não deu datas para a compra ser efetuada de fato.

Sobre a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Ditadura, disse que o decreto está sob análise da Presidência. A comissão é alvo de críticas de defensores da Ditadura Militar e de parte dos apoiadores de Jair Bolsonaro, que além de exaltar torturadores como Brilhante Ustra, negam crimes e irregularidades no período.

Ele considerou que a pasta deve se pautar por “parâmetros éticos” para serem transformados em prática política.

“Às vezes me sinto meio Dom Quixote, lutando contra moinhos de vento. Mas tudo bem. Quando olho para o ministério penso que as políticas têm que ter quatro eixos para as políticas de direitos humanos: educação, comunicação, proteção à vida e cidadania”, disse em referência ao livro do espanhol Miguel de Cervantes (1547-1616).

Guerra Cultural 

O ministro também fez análises sobre a disputa cultural que há entre os campos progressistas e da extrema-direita. 

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“A gente está num momento de disputa da memória. Olha só como a extrema-direita, nesse sentido, está muito mais unificada, organizada. Eles estão disputando a memória do 8/1 que foi ano passado, dizendo que não foi 8/1 não foi [como se diz], coitada das pessoas que foram presas e tal”, afirmou.

“Imagina o que eles fazem com a memória do que aconteceu no dia 1º de abril de 1964? O que, nós que acreditamos na democracia, estamos fazendo para disputar os sentidos da vida, da memória?”, perguntou retoricamente.

Almeida considerou que a memória é uma dimensão da “luta pelos direitos humanos” para lidar com o passado, enfrentar questões presentes e projetar o futuro. 

“A gente está falhando demais nisso, a gente não está na disputa como ela tem que ser feita. E a extrema-direita está. Eles entenderam que o mundo é possibilidade, o mundo é o possível”, disse.

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A análise é semelhante à que quadros do PT fazem, como o ex-ministro e condenado no Mensalão, José Dirceu, que disse que a extrema-direita está “ganhando” a disputa político-cultural. Destaco que durante sua reflexão sobre o assunto, Almeida não fez referências ou citou Dirceu e o PT.

“Como um ministro se coloca dentro de um governo? A partir de um debate técnico. Chamo meu consultor jurídico e ele me apresenta um parecer técnico-jurídico sobre o caso. Isso em todas as questões do ministério”, afirmou Almeida.

Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, em café com jornalistas 2.fev.24
Foto: Clarice Castro/Divulgação MDHC

Rebate reportagem 

O ministro foi questionado sobre uma reportagem do jornal O Globo, que dizia que sua gestão gastou “só 56% da verba e tem derrotas até no governo”. Almeida disse que a pasta empenhou (direcionou para fases de pagamento) 97% dos recursos e que atualmente são “restos a pagar”, ou seja, estão na lista de pagamento do governo. 

“O que eles pegaram foi o que foi pago, agora tem o restos a pagar de políticas estruturadas que têm que ser feito esse ano. É uma coisa que deseduca as pessoas. Sabe aquela coisa, preciso dar um jeito de falar mal daquela pessoa?”, disse. 

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O ministro ainda declarou que a pasta enviou 92 pareceres (uma opinião sobre determinado projeto para embasar decisões do presidente), dos quais cerca de 30, disse, não era da área de competência. Dos 57 que foram enviados ao presidente, apenas dois não foram acatados.

“Uma taxa de quase 99% de sucesso, mas apareceu lá como derrota”, justificou.

Fonte: Guilherme Mazieiro Guilherme Mazieiro é repórter e cobre política em Brasília (DF). Já trabalhou nas redações de O Estado de S. Paulo, EPTV/Globo Campinas, UOL e The Intercept Brasil. Formado em jornalismo na Puc-Campinas, com especialização em Gestão Pública e Governo na Unicamp. As opiniões do colunista não representam a visão do Terra. 
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