Primeiro ataque ucraniano no Mediterrâneo atinge navio da frota "fantasma" de Putin, utilizada para driblar sanções internacionais e exportar petróleo bruto. Kremlin acusa Kiev de "pirataria" e promete retaliar.A Ucrânia afirmou nesta sexta-feira (19/12) ter realizado um ataque com drones a um petroleiro da chamada "frota fantasma" de Moscou em águas neutras do Mar Mediterrâneo, no primeiro ataque desse tipo em quase quatro anos da guerra com a Rússia .
A frota, estimada em até 1.000 navios que frequentemente mudam de bandeira e cuja propriedade é incerta, tem permitido que Moscou continue a exportar petróleo bruto e obter receitas fundamentais, apesar das sanções internacionais às exportações russas.
Especialistas e diversos líderes europeus também acreditam que algumas embarcações estão sendo usadas pela Rússia para realizar sabotagens e outros atos hostis em todo o continente.
Uma fonte do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) citada pela agência de notícias AFP disse que o ataque foi uma "nova operação especial sem precedentes", sendo esta a primeira ação militar de Kiev no Mediterrâneo, realizada a cerca de 2.000 quilômetros das fronteiras do país.
A fonte, porém, não forneceu mais detalhes sobre o ataque, incluindo como o SBU implantou um drone no Mediterrâneo, de onde ele foi lançado ou quais países ele pode ter sobrevoado. Segundo o relato, o navio cargueiro estava vazio no momento do ataque e não houve ameaça ambiental resultante da operação.
A fonte alegou que o petroleiro, chamado Qendil, havia "sofrido danos críticos e não poderá ser usado para o fim a que se destinava".
"Ucrânia atacará em qualquer lugar"
O petroleiro, navegando sob a bandeira de Omã, havia partido de Sikka, na Índia, com destino ao porto russo de Ust-Luga, de acordo com dados de navegação fornecidos pelo portal de notícias Bloomberg.
Sua rota mostra que ele fez uma curva em de 180 graus durante a noite, a cerca de 250 quilômetros da costa da Grécia e da Líbia. Na manhã desta sexta-feira, o navio parecia estar seguindo para o leste.
A fonte do SBU disse que o petroleiro era usado para burlar as sanções ocidentais e financiar o arsenal bélico da Rússia, e que o navio era "um alvo absolutamente legítimo".
"O inimigo precisa entender que a Ucrânia não vai parar e o atacará em qualquer lugar do mundo, onde quer que ele esteja", acrescentou a fonte.
Kiev, que enfrenta há quase quatro anos a invasão russa de seu território, reivindicou ataques semelhantes contra petroleiros ligados à Rússia na costa turca do Mar Negro, depois que dois petroleiros vazios foram atingidos por explosões.
Putin acusa "pirataria"
O ataque desta sexta-feira ocorreu no mesmo dia da coletiva de imprensa anual do presidente russo, Vladimir Putin, um evento cuidadosamente coreografado que se tornou parte do calendário político russo.
Durante o programa, Putin disse que seu país iria responder aos ataques da Ucrânia à sua frota fantasma, os quais ele chamou de "pirataria".
"Isso não levará ao resultado esperado; não interromperá o fornecimento, apenas criará ameaças adicionais", afirmou. O líder russo já ameaçou em outras ocasiões cortar o acesso da Ucrânia ao Mar Negro em resposta a ataques contra petroleiros.
O que é a "frota fantasma"
A rede clandestina de petroleiros da frota fantasma da Rússia possui uma estrutura intrincada de propriedade. Ela permite a Moscou contornar as sanções à sua economia adotadas pela União Europeia (UE), pelos Estados Unidos e pelo Reino Unido como resposta à invasão da Ucrânia, em fevereiro de 2022.
Típicos da frota fantasma são o uso das chamadas bandeiras de conveniência (o registro do navio num outro país), as mudanças frequentes de bandeira e de nome, o desligamento temporário do sistema de rastreamento e identificação AIS, o uso de seguradoras "fantasmas" e as transferências de cargas entre navios em mar aberto, o que evita que eles atraquem em portos.
Essas embarcações existiam antes da guerra na Ucrânia e também são usadas pelo Irã e pela Venezuela como forma de evitar sanções econômicas dos EUA, bem como pela Coreia do Norte.
Porém, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, a frota fantasma global, "que anteriormente transportava principalmente mercadorias de e para o Irã e a Venezuela, aumentou exponencialmente", de acordo com o think tank americano Atlantic Council, que estima que 17% de todos os petroleiros pertençam a essa rede, que também inclui outros navios mercantes.
Até outubro, a UE já havia colocado 444 petroleiros numa lista de sanções, mas as tripulações não costumam ser importunadas se eles não atracarem em portos europeus. Essa rede gera dezenas de bilhões de euros para o orçamento da Rússia, financiando cerca de 40% do esforço de guerra russo, segundo estimativas.
rc (AFP, ots)