A estudante de Medicina Naomi Ferreira criou o projeto Missão Mulher Saudável, que já beneficiou mais de 300 mulheres no interior do Ceará com ações de educação sexual, planejamento familiar e assistência ginecológica, sendo reconhecida com um prêmio de protagonismo universitário.
"Um dia ouvi de alguém que eu não iria longe, e que talvez engravidasse na adolescência. Aquilo ficou na minha cabeça e prometi que faria diferente, que não iria me conformar. Meu sonho é dar oportunidade a mais mulheres como eu". Foi com isso em mente que a estudante de Medicina Naomi Nascimento Ferreira dos Santos, de 23 anos, criou um projeto de planejamento familiar que já levou educação sexual e métodos contraceptivos a mais de 300 mulheres no interior cearense em um ano. A jovem estuda na Universidade Federal do Ceará (UFC).
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"Estou fazendo um trabalho voltado para a saúde sexual, para incentivar as mulheres a terem suas vidas, a buscarem se profissionalizar, a crescerem e a decidirem o momento certo que elas querem construir sua família. Hoje eu posso ver que eu tenho utilizado a minha história para não somente mudar a minha realidade, mas mudar a realidade de outras jovens", afirma Naomi, em entrevista ao Terra.
Natural de Fortaleza, mas criada pela mãe até os 18 anos na periferia da cidade de Caucaia (CE), Naomi conta que teve uma infância humilde, em um lugar em que era complicado se imaginar "vencendo na vida por meio dos estudos". "Cresci nesse ambiente onde você vê as pessoas se perdendo para o crime, você vê morte, era algo muito comum. Tudo parecia muito difícil", lembra a jovem.
A virada na vida de Naomi aconteceu quando ela entrou no Colégio Militar do Corpo de Bombeiros, uma escola pública de Fortaleza, para cursar o ensino médio e passou a ter mais oportunidades. "Eu consegui me destacar nos estudos e fui pegando gosto. E vi que essa era a arma que eu ia usar para mudar a minha realidade e da minha família."
Após se formar e fazer cursinho por um ano com bolsa de estudos, Naomi passou em Medicina na UFC em 2021. "Foi uma emoção muito grande. Eu realmente estava começando a colher os frutos por meio do estudo", diz. Foi na universidade que ela começou a participar de vários projetos e, no sexto semestre, se encantou pelo mundo da ginecologia obstetrícia.
Nascimento do projeto
A ideia de criar um projeto de planejamento familiar surgiu durante as consultas no ambulatório da universidade, que fazem parte do currículo do curso de Medicina. Naomi, que se forma em janeiro de 2027, recorda de uma paciente que tinha endometriose e sentia muita dor. Nesse momento, ela percebeu que as mulheres precisavam ser mais alcançadas.
"Eu queria poder levar mais atendimento para essas mulheres. Eu via o quanto demorava para elas conseguirem o diagnóstico", comenta. "Eu percebi que só de ouvi-las, de acolhê-las, de explicar, elas se sentiam muito melhores, porque elas não tinham tido acesso àquele tipo de atendimento nunca na vida delas. Elas esperavam muitos e muitos anos para poder ter um atendimento adequado. Algumas vinham de longe, do interior do Ceará", acrescenta a estudante de Medicina.
Com o apoio do coordenador do módulo de ginecologia, Naomi fundou no ano passado a Missão Mulher Saudável, que hoje já se consolidou como projeto de extensão oficial da UFC. "O objetivo é levar o atendimento ginecológico de qualidade até as mulheres que estão no interior do Ceará", ressalta.
Como o programa funciona
A iniciativa leva ações de educação sexual, planejamento familiar e inserção de dispositivos intrauterinos (DIUs) a comunidades do interior do Ceará. O projeto já foi aplicado nas cidades de Crateús, Quiterianópolis e Jaguaretama, em parceria com as prefeituras. Até o momento, além de beneficiar mais de 300 mulheres, o projeto capacitou 110 profissionais da atenção básica.
"A gente criou um modelo de atendimento. A gente fornece atendimento clínico para as pacientes e também coloca DIU. Além disso, a gente educa os profissionais da saúde, enfermeiros e médicos, para darem seguimento a esses atendimentos após a gente voltar para Fortaleza. E eles continuam em contato com a gente, e a gente também tem um formulário de acompanhamento das consultas dessas pacientes, para ver se estão bem, se estão respondendo bem aos DIUs implantados, tudo é documentado", detalha Naomi.
O projeto também já impactou mil estudantes de ensino médio com atividades educativas sobre saúde menstrual, dor pélvica e contracepção. "A educação é a base de tudo, então a gente tem um momento de ir nas escolas e utilizamos jogos para falar com os alunos sobre educação sexual", afirma.
"A gente faz todo esse segmento. Geralmente, no primeiro dia, a gente educa os profissionais e vai nas escolas. E, no segundo dia, a gente faz um mutirão de colocação de DIU e atendimento ginecológico", explica ainda a estudante sobre o funcionamento das missões do projeto.
Além dessa iniciativa, Naomi é fundadora da Liga Acadêmica de Ginecologia Minimamente Invasiva (MIGS/UFC), por meio da qual estruturou treinamentos em videolaparoscopia e técnicas de cirurgia minimamente invasiva para futuros médicos, e participou da Expedição Cirúrgica USP-UFC, que leva atendimentos ginecológicos e cirurgias gratuitas a regiões com baixo acesso à saúde. A jovem ajudou a viabilizar a chegada do projeto ao Nordeste.
Iniciativa premiada
Com o projeto Missão Mulher Saudável, a jovem conquistou o Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário 2025 na categoria Nordeste, que foi entregue em novembro deste ano. A iniciativa reconhece universitários que se destacam por projetos de impacto econômico, social e científico.
"Esse prêmio significa visibilidade da nossa ação e mais oportunidades para conseguirmos expandir isso, não somente para o Ceará, mas também para o Brasil. Ter ganhado o prêmio, ter tido a oportunidade de participar com outros jovens me fez já criar novos projetos, pensar em novas ideias", afirma.
Como vencedora, ela vai viajar em janeiro de 2026 para a China para participar de uma imersão internacional em inovação e empreendedorismo, ao lado de outros cinco estudantes vencedores, representando o potencial transformador da medicina social e humanizada brasileira.
"A medicina é sobre acolher, é sobre tratar, é sobre ouvir, é sobre dar um espaço para que esse ser humano realmente se sinta um ser humano. Fazer medicina é todos os dias se lembrar de que ali você está cuidando de uma vida, de um indivíduo que tem família, que tem um passado, que tem uma história e que tem sonhos, e sobre você dar durante aquele pequeno período que você tem com aquele paciente esperança, cuidado e atenção, porque eles esperam muito por esse momento", destaca Naomi.