Como a IA pode se tornar aliada da aprendizagem nas escolas: 'Ou se apropriava ou seria atropelado'

Tecnologia é utilizada pelos professores para, por exemplo, criar diferentes versões de questões de prova e jogos pedagógicos

29 ago 2025 - 03h12
(atualizado às 07h23)
Ana Maria Macedo Anjos, professora de matemática no Sesi: 'Cada estudante tem a possibilidade de buscar estratégias diferenciadas'.
Ana Maria Macedo Anjos, professora de matemática no Sesi: 'Cada estudante tem a possibilidade de buscar estratégias diferenciadas'.
Foto: Sesi/Divulgação

O uso da inteligência artificial não é mais uma projeção de futuro no contexto educacional e faz cada vez mais parte do cotidiano das escolas. Para se adaptar, instituições buscam desenvolver ferramentas próprias e delimitar usos benéficos da tecnologia.

No Colégio Bandeirantes, um dos mais tradicionais de São Paulo, as conversas entre professores, escola, pais e alunos sobre como aplicar a IA começaram ainda em 2023, e hoje a tecnologia é utilizada pelo corpo docente para criar diferentes versões de questões de prova e jogos pedagógicos. Também pode ser usada pelos alunos em sala de aula e nos estudos, mas com restrições.

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"Ficou muito claro que ou a gente se apropriava e colocava intencionalidade no uso de IA aqui dentro ou seria atropelado, com os alunos usando antes dos professores", disse Emerson Pereira, diretor de tecnologia educacional do Bandeirantes.

As tecnologias adotadas pela escola (ChatGPT, da OpenAI e Copilot, da Microsoft) são baseadas na IA generativa, que cria novos conteúdos, como textos, imagens e músicas, a partir de comandos do usuário. A matéria-prima são grandes conjuntos de dados nos quais o algoritmo identifica e combina padrões para gerar uma resposta.

Segundo o diretor de tecnologia do Bandeirantes, o tipo de uso que tem sido incorporado é aquele que permite ao aluno avançar em determinada matéria e aprender com a IA, como tirar dúvidas pontuais ou organizar o estudo, sem que a ferramenta realize o trabalho por ele.

Um professor de redação pode, por exemplo, encorajar o aluno a submeter um texto feito por ele para ser reescrito pela plataforma, verificando as diferenças, mas não permite colocar um enunciado para obter a resposta pronta.

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Muitas escolas estão ainda em uma etapa inicial de implementação da IA. O Colégio Miguel de Cervantes, na zona sul da capital paulista, tem implementações pontuais de IA até o momento, como na elaboração de relatórios de educação infantil, que passaram a levar dias em vez de um mês de trabalho, permitindo aos professores alocar o tempo extra em outras atividades.

Os setores de tecnologia da educação e da informação do colégio têm trabalhado em avaliar as ferramentas disponíveis e propor soluções que favoreçam as necessidades da escola. Também foi criado um núcleo interdisciplinar com a participação de pais e alunos para discutir o uso da IA, descrito pelo diretor de ensino Rudney Soares como "menina dos olhos" da instituição privada de ensino.

"Não podemos atropelar processos de aprendizagem que são analógicos. O algoritmo tem que estar no seu lugar, de favorecer o ser humano para ter mais qualidade de vida", disse Soares ao Estadão.

Em janeiro deste ano, quando dedicou o dia internacional da educação às oportunidades e desafios da IA, a diretora-geral da Unesco (braço das Nações Unidas voltado à educação), Audrey Azoulay, afirmou que esse tipo de tecnologia "oferece grandes oportunidades para a educação, desde que sua implementação nas escolas seja orientada por princípios éticos claros".

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Segundo a representante da ONU, ela deve "complementar as dimensões humanas e sociais da aprendizagem, em vez de substituí-las" e estar "a serviço de professores e estudantes, tendo como principal objetivo sua autonomia e bem-estar".

Mais de 2/3 dos estudantes do ensino médio de países de renda alta já usam ferramentas de IA generativa para produzir trabalhos escolares, segundo dados da organização. Enquanto isso, apenas 10% das escolas e universidades têm diretrizes oficiais para o uso da tecnologia, aponta uma pesquisa realizada em 2023 pela Unesco com 450 instituições.

Por que utilizar IA e quem se beneficia dela?

Oportunidades relacionadas à aprendizagem personalizada e de inclusão estão entre as maiores vantagens do uso da IA no contexto escolar.

As ferramentas permitem criar materiais adequados às necessidades individuais dos alunos, considerando seus interesses, ritmo de aprendizagem e habilidades. Isso inclui conteúdos acessíveis para estudantes com deficiência ou que enfrentam barreiras de aprendizagem.

As escolas do Sesi-SP adotam há seis meses a Leia, ferramenta de inteligência artificial que auxilia alunos do ensino médio nas disciplinas de português e matemática. É usada tanto em aula quanto em casa, apoiando o aluno na rotina de estudos e com o tempo deve ser ampliada para outras disciplinas e para o ensino fundamental. Segundo o Sesi, já atende cerca de 36 mil jovens nas 140 escolas do estado de São Paulo.

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"Cada estudante tem a possibilidade de buscar estratégias diferenciadas para ir suprindo os conteúdos que estão em defasagem", diz Ana Maria Macedo Anjos, professora de matemática do ensino médio no Sesi São José dos Campos.

A plataforma fornece exercícios e tira dúvidas com base nas preferências e histórico do aluno - nela, ele tem acesso a um tutor virtual, software que responde ao aluno estritamente com base no material didático da rede. Se a dúvida permanecer, é possível agendar uma sessão com um professor.

Segundo Ana Maria, a ferramenta gera autonomia nos estudantes. "A intenção é a enxerguem como aliada", afirma.

A plataforma usada pelo Sesi foi desenvolvida pela Microsoft em parceria com a instituição de ensino, a partir de demandas específicas, dos conteúdos e metodologia do Sesi. Com isso, se diferencia dos chatbots mais conhecidos: não entrega respostas prontas, mas apresenta conceitos e exemplos e questiona o aluno para construir o conhecimento.

Segundo o supervisor técnico educacional do Sesi, Luis Fernando Quintino, a IA não responde só de forma textual, mas com "objetos de aprendizagem" em formato multimídia.

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"Temos vídeos, animações, quadrinhos. E temos outras funcionalidades dentro da plataforma, que é toda gamificada. O estudante tem o seu avatar e acumula pontuações como reforço positivo. Com as 'sesicoins' e o 'sesidiamond', ele pode personalizar seu avatar com roupas, acessórios. Se quiser comprar um skate, vai ter que estudar um pouquinho", diz Quintino.

Como fazer bom uso da IA?

Para Dora Kaufman, professora da PUC-SP especializada nos impactos éticos e sociais da IA, o ministério e as secretarias de educação, instituições privadas e universidades públicas "precisam elaborar diretrizes de governança que indiquem qual o melhor uso da IA, maximizando benefícios e mitigando riscos".

"Na minha visão, a IA afeta diretamente dois objetivos centrais da educação: desenvolver o pensamento crítico e a criatividade dos alunos", diz Kaufman. "A IA generativa pode favorecer ou prejudicar esses dois objetivos, depende de como os educadores lidam com a tecnologia em sala de aula".

No âmbito do governo federal, o uso da IA tem sido detalhado por uma comissão bicameral no Conselho Nacional de Educação, a fim de produzir um relatório com orientações que deve ser concluído neste ano.

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Um dos pontos que preocupam é a desigualdade de estrutura entre escolas, que pode limitar a capacidade dos estudantes de ter acesso às ferramentas pela falta de dispositivos e internet de qualidade.

O Ministério da Educação afirma em nota que as Diretrizes Operacionais Nacionais instituídas por resolução de março, "abordam explicitamente a Inteligência Artificial". Segundo a pasta, as normas do CNE devem ser observadas em "todas as etapas e modalidades de ensino e nos processos de acompanhamento, monitoramento e avaliação da eficácia, equidade e qualidade da educação básica no que tange ao uso de dispositivos digitais".

Em alguns casos, o uso considerado indevido das plataformas pelos alunos se tornou um problema para escolas e universidades, com trabalhos sendo totalmente feitos com IA.

"Minha primeira recomendação aos professores é que declarem aos alunos que estão usando a IA, incentivando-os a declararem também", diz a professora da PUC-SP. Segundo ela, o uso declarado constrói um ambiente de transparência, permitindo "a experimentação compartilhada para identificar boas práticas".

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Para o diretor de tecnologia do Colégio Bandeirantes, Emerson Pereira, o problema reforça a necessidade de que os professores entendam e adotem a ferramenta, sabendo identificar se a tecnologia está sendo utilizada de maneira positiva pelos estudantes.

O colégio paulistano elaborou, com o apoio dos docentes, um manual de boas práticas para a aplicação da IA, delimitando usos considerados aceitáveis e inaceitáveis da tecnologia nas diferentes disciplinas.

Nas de exatas, como Física e Matemática, o uso é vetado para resolver exercícios completamente, mas pode auxiliar a encontrar erros ou em passos intermediários de um problema.

Já nas humanas, a IA pode ser usada para gerar mapas, levantar dados e bibliografia, ampliando a diversidade de fontes no estudo de Geografia, Sociologia ou História, mas não pode dar as respostas, realizar o trabalho do aluno de interpretação e análise ou ser fonte única de informação, sem revisão ou checagem em outros materiais.

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O documento lançado em janeiro deste ano define a IA como uma ferramenta que pode facilitar a aprendizagem, mas que também tem falhas, não devendo ser usada para eliminar o esforço da aquisição de conhecimento, nem para substituir professores qualificados.

"É fundamental alertar os alunos sobre a natureza da IA - um modelo estatístico de probabilidade, logo, sujeito a gerar respostas equivocadas, com erros, que precisam ser checadas em fontes confiáveis", afirma a professora da PUC-SP Dora Kaufman.

Como tornar o uso da IA confiável nas escolas?

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