Em 2022, a ONU lançou o programa "The Decade of Ozone Restoration". Este programa está inserido dentro do contexto do "UN Decade on Ecosystem Restoration", que visa a restauração de ecossistemas marinhos e terrestres perante os processos de degradação. O programa envolve todos os países membros das Nações Unidos para Alimentação e Agricultura (ONU-FAO).
Nesse mesmo ano do lançamento do programa da ONU, nós, pesquisadores pertencentes a um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT/CNPq), instalamos sensores de radiação UVA e UVB no Laboratório Criosfera 1, na Antártica.
Posição estratégica
A plataforma integrada de dados polar Criosfera 1 foi estabelecida em 2011/2012, no continente gelado, por meio de uma iniciativa pioneira do Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), do Proantar/CNPq e da Secretaria Interministerial para os Recursos do Mar (SECIRM).
Hoje, é a única plataforma cientificamente multidisciplinar a operar na Antártica Central, sendo 100% autônoma na geração de energia. Sua capacidade de monitoramento inclui o CO2, ozônio troposférico, aerossóis como o "black carbon" e o carbono orgânico, e aerossóis em nove frações aerodinâmicas, raios cósmicos (múons), acumulação de neve e meteorologia, além de dar apoio a amostragens de microbiologia no gelo e medicina polar.
Utilizamos também um fotômetro solar a partir de uma cooperação com o Goddard Space Flight Center da NASA que permite medir o vapor de água na atmosfera. E com seus painéis solares e mini-turbinas eólicas, a plataforma opera durante verões e invernos, sendo seus dados acessados por satélite em tempo quase real.
O Laboratório possui a plataforma de dados mais remota do Brasil e está instalado em 84°00'S - 79°30'W, a 420 km das montanhas Ellsworths, 670 km do Polo Sul e 2.500 km ao Sul da Estação Antártica Comandante Ferraz.
A latitude em que o Criosfera 1 está instalado possibilita um mínimo efeito da cobertura de nuvens - um agente que atenua o UVB. E mais: a presença do vórtex polar na região permite condições prolongadas de céu claro e uma alta exposição à radiação durante o verão austral.
Em função dessa sua posição geográfica estratégica, o monitoramento da camada de ozônio na estratosfera da Antártica pelo Criosfera traz dados significativos.
Medições
Sensores para medir as radiações de UVA e UVB são utilizados por vários países com bases científicas na Antártica. A diferença das medições de UVA e UVB entre as estações científicas na região e a nossa posição é o local estratégico para o monitoramento e a tecnologia que implantamos.
O que a comunidade científica já sabe é que os níveis de UVB aumentaram significativamente após os anos 80. No caso das medidas de UVA, elas têm uma importância visto o potencial para danos de longo prazo.
Após três anos de funcionamento automático em condições extremas de vento e temperatura (-55oC no inverno), estou liderando, neste ano de 2025 e no início de 2026, uma nova expedição que está resgatando os dados de UVA e UVB coletados de forma contínua e por longo período.
É importante destacar que existem poucos trabalhos científicos de monitoramento de longo prazo para o UVA e UVB na Antártica e pretendemos, com os dados coletados nesta missão, compartilhar os resultados encontrados com a comunidade científica mundial.
A boa notícia
Em virtude da nossa presença na Antártica e de outros vários grupos mundiais, já foi possível identificar o início de um processo de restauração das concentrações de ozônio. A redução no ozônio estratosférico na Antártica variou de 300 DU (Unidade Dobson), nos anos 60, para 120 DU no ano 2000, e somente nos últimos anos a ciência verificou uma recuperação mensurável.
Hoje, podemos dizer que os efeitos mensuráveis da redução do ozônio e o aumento do UVB superficial provocam impactos reais sobre a biota, como o plâncton no oceano Austral. Vale esclarecer que vários organismos como plâncton nos oceanos sofrem danos moleculares devido aos maiores fluxos de UVB que chegam na superfície da Terra, especialmente na Antártica.
Em outra linha de investigação, estudamos também os impactos em processos atmosféricos envolvendo a geoquímica do Iodo e do Cloro. O UVB interage com estes compostos na atmosfera, na forma de íons. As mudanças nas estruturas dos compostos alteram sua função como agentes de espalhamento da radiação solar, interferindo em seu papel de modulador do clima
Diversos trabalhos tem mostrados o impacto que a redução na camada de ozônio pode causar na cadeia trófica na Antártica. Por isso, é algo que deve estar sempre em monitoramento.
Os estudos mostraram que as alterações ao longo do tempo trouxeram consequências no padrão de circulação atmosférica, amplificando os ventos de oeste que circundam a Antártica. Ventos de oeste mais fortes têm implicações em processos de nidificação de diversas espécies Antárticas, incluindo desde o processo de construção do ninho para a reprodução, essencial para a incubação dos ovos, até a criação dos filhotes.
Além disso, identificamos mudanças sobre a formação do gelo marinho e sobre a biota terrestre como aves e musgos. Sobre os musgos, sabemos hoje que a incidência direta do UVB causa ressecamento e alteração morfológica
História
Em 1985, o Protocolo de Montreal, ratificado por 195 países, baniu o uso de gases contendo os Clorofluorcarbonetos (CFCs), resultando em uma política global inédita com resultados significativos. O CFCs são os compostos químicos de carbono, cloro e flúor, amplamente usados em refrigeração, aerossóis e espumas, mas banidos por destruir a camada de ozônio na estratosfera, liberando cloro que destrói o ozônio.
Além dos CFCs, há também os Hidroclorofluorcarbonos (HCFCs), que foram usados por muito tempo como substitutos dos CFCs, embora ainda com alto potencial de provocar aquecimento global.
No Brasil, temos o programa Brasileiro de Eliminação dos HCFCs que foca na substituição dessas substâncias por alternativas mais seguras.
Hoje, os substitutos dos HCFCs incluem Hidrofluoroolefinas (HFOs), HFCs de baixo potencial de aquecimento global, e refrigerantes naturais, além de misturas com desempenho otimizado.
Eventos extremos
Vários modelos fotoquímicos para a atmosfera foram empregados ao longo desses anos de pesquisa, possibilitando se estimar a evolução temporal do processo de recuperação da camada de ozônio na Antártica.
Entre os anos de 1995 a 2001, a comunidade científica e o público em geral presenciaram uma redução contínua do ozônio sobre a Antártica. No período, observou-se dados extremamente baixos como 120 DU. O valor de referência em 1970 era 350 DU (DU significa Dobson Units).
Apesar dessa queda, eventos como a grande queimada na Austrália em 2019 e 2020 tiveram impacto direto sobre a recuperação do ozônio. Este episódio, por exemplo, injetou milhões de toneladas de micropartículas de queima de biomassa e partículas ácidas que resultaram em aquecimento da Estratosfera decorrente da formação de nuvens Pyrocumulonimbus em áreas na borda do buraco da camada de ozônio.
Outro impacto importante foi a erupção do vulcão Hunga Tonga em 2022 que injetou uma quantidade sem precedentes de vapor d'água diretamente na Estratosfera. Os danos causados na camada de ozônio percorreram até 53 km.
Atualmente, os modelos fotoquímicos projetam uma completa restauração do ozônio em seus níveis naturais em diferentes períodos de tempo: para os anos 2050, 2070 e até mesmo para 2100.
Riscos para as missões
A ação colaborativa realizada em torno do laboratório Polar Criosfera 1 representa uma contribuição significativa do Brasil ao monitoramento da camada de ozônio na Antártica. A partir de análises e observações in situ, na Antártica, conseguimos identificar danos causados no passado ao sistema terrestre e mobilizar a sociedade global por mudanças necessárias e urgentes.
A missão Criosfera 1 deste ano e do ano que vem só foi possível graças ao apoio do projeto Rios Atmosféricos da Antártica( Ritmos-CNPq), INCT-Criosfera e de uma parceria público-privada entre a Uerj e a Ambipar, por meio do seu Centro de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação.
Embora haja reconhecimento sobre a importância das missões realizadas no Criosfera 1 e no monitoramento conquistado pelos pesquisadores brasileiros, os altos custos de acesso ao Centro da Antártica, financiado parcialmente pelo Proantar, ainda convivem com riscos e expectativas de redução ou cortes de investimentos, o que coloca a ciência brasileira na Antártica em permanente alerta.
Esta pesquisa também contou com o apoio de agências de fomento como a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e a publicação deste artigo recebeu apoio da Coordenação de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Heitor Evangelista da Silva recebe financiamento do CNPq e da Faperj.