O que seria uma agenda positiva do Palácio dos Bandeirantes na tarde desta terça-feira se transformou em uma dupla saia-justa para o governador Geraldo Alckmin (PSDB) – e imposta por um integrante de sua equipe de governo.
Em uma cerimônia com promotores e procuradores do Ministério Público paulista, Alckmin ouviu seu secretário estadual de Justiça e Cidadania chamar de “censura” a não publicação de uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo após decisão judicial que atendeu pedido da Fundação Casa – órgão vinculado ao governo do Estado. A decisão, rechaçada por entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e Associação Nacional de Jornais (ANJ), barrou a publicação de reportagem sobre relatórios psicossociais feitos por profissionais da Fundação Casa e que avaliam a situação dos adolescentes internados na instituição.
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Para o secretário Aloísio de Toledo César, a decisão judicial “impediu a Folha de S.Paulo de divulgar informação de interesse coletivo”. “A liberdade de expressão é uma conquista da humanidade obtida ao longo de séculos de luta, e por isso mesmo não deve ser suprimida. Cada vez que um órgão de imprensa é censurado, nossa democracia sofre abalo e anda para trás”, declarou, no evento no palácio.
Ali, Alckmin sancionaria minutos antes a lei que cria a Promotoria de Combate à Violência Contra a Mulher, resultado do projeto de lei complementar aprovado pela Assembleia Legislativa, mas de autoria do MP-SP. Uma vez implementada – ainda não há prazo para isso, admitiu o procurador-geral Márcio Elias Rosa –, ela atuará na repressão e prevenção da criminalidade contra a mulher no âmbito doméstico e na fiscalização e acompanhamento das políticas públicas relativas ao tema. Até então, e até a promotoria ser efetivamente instalada, o tema é tratado pelo Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica (GEVID), que atua na capital paulista desde 2012.
Críticas atingem também delegacias da mulher e "locomoção"
Após se queixar da decisão judicial contra o jornal, o secretário de Justiça se queixou do funcionamento das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs) – as quais, segundo ele, não funcionam aos finais de semana, quando os casos de violência costumam ser comuns.
Conforme Toledo César, há um “grande número de mulheres que são violentadas, agredidas ou humilhadas, sobretudo nos fins de semana, quando o consumo de álcool se torna maior”.
“Tão sofrida é a locomoção nessa cidade, senhor governador, principalmente pelas populações carentes, que a maior parte dos atos de violência permanece desconhecida oficialmente. Isso não pode ser aceito. Na secretaria de que sou titular, tenho recebido com frequência grupos de mulheres, principalmente juízas e promotoras, que solicitam a abertura também aos fins de semana das delegacias da mulher”, disse. “Muitas das mulheres agredidas e humilhadas deixam de formalizar a necessária queixa pela circunstância de tais delegacias estarem sem abrir no fim de semana, e isso me leva a concluir que é preciso deixar pelo menos uma aberta, quem sabe na forma de rodízio”, sugeriu.
Alckmin: "Favorável à liberdade de imprensa"
Alckmin não fez menção às críticas em seu pronunciamento à plateia. Em entrevista coletiva, mais tarde, ele evitou entrar em detalhes sobre a decisão judicial que, atendendo o pedido da Fundação Casa, vetou a publicação da reportagem do diário.
“Eu não tenho detalhes da decisão do juiz, nem da inicial; o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) exige sigilo no caso de menor de idade, isso é da lei. Não tenho como avaliar decisão porque não conheço a matéria nem a decisão”, esquivou-se. E completou: “Sempre sou favorável à liberdade de imprensa, de informação, à transparência”.
Indagado sobre as queixas do secretário a respeito das delegacias especializadas, o governador contestou a informação de seu secretário. “Já temos algumas DDMs que abrem no fim de semana. Hoje, o boletim de ocorrência pode ser feito em qualquer delegacia, não só na DDM, mas até na PM (Polícia Militar) – aliás, se [a vítima] quiser, o policial vai até a casa dela para fazer o boletim”.
Segundo o secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, das 130 DDMs no Estado, três, na capital, e em sistema de rodízio, funciona também aos fins de semana.