BRASÍLIA - A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou, nesta quarta-feira, 10, o projeto de lei antifacção. A proposta de autoria do governo federal foi aprovada na Câmara dos Deputados sob protestos do Palácio do Planalto, depois do relator naquela Casa, Guilherme Derrite (PP-SP) alterar a redação. Agora petistas apoiaram as mudanças feitas sob a relatoria de Alessandro Vieira (MDB-SE).
"É o mais duro golpe contra o crime organizado no Brasil dentro do Parlamento brasileiro. Ao mesmo tempo em que endurece penas, endurece processo e cumprimento de penas, cria novas ferramentas de investigação e cria fontes de recursos para atividades", afirmou Vieira. Essa matéria agora vai ao plenário.
O líder do governo no Congresso Nacional, Randolfe Rodrigues (PT-AP) elogiou o relator no Senado. "O senador colocou o projeto de novo no seu devido eixo", afirmou. "Sua Excelência restaura o espírito do projeto: a criação de um marco legal de combate ao crime organizado, as facções criminosas."
O texto endurece penas para organizações criminosas, (veja em detalhes mais abaixo), cria novas fontes de financiamento para o combate ao crime e fortalece ações contra a lavagem de dinheiro.
Vieira traz novidades ao projeto. Uma delas é a criação do tipo penal de facção criminosa como espécie de organização criminosa, com pena base de 15 a 30 anos de prisão. Ele também fez mudanças nos meios de financiamento para o combate à criminalidade no Brasil - um dos pontos sensíveis no texto que veio da Câmara.
Na visão do relator, a proposta de financiamento que veio da Câmara (operações da Polícia Federal garantiriam os recursos apreendidos para a PF, operações dos Estados enviaria os bens para os Estados) criaria uma luta pela autoria das operações. "Isso vai inibir a colaboração", disse.
O governo vê com bons olhos a proposta de Vieira no uso da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre apostas de quota fixa (Cide-Bets) como meio financiador um tributo que pode repassar até R$ 30 bilhões para o combate ao crime organizado no Brasil, segundo estimativas.
Eses novo texto assegura ao Poder Executivo seis meses para propor a reestruturação dos fundos nacionais de segurança pública.
Desde o pedido de vista (mais tempo para análise) na semana passada, o senador fez outras alterações após acatar emendas de outros parlamentares. Entre as principais mudanças em relação à semana anterior estão a criação dos crimes de receptação praticada por organização criminosa, recrutamento de crianças e adolescentes para atuação em facção e milícia, garante 60% do tributo sobre bets para ações realizadas em Estados e incluiu Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) como outro possível destinatário desse repasse.
Houve ainda a inclusão de meios de dificultar a lavagem de dinheiro pelo crime organizado. Entre essas inclusões figuram a inserção de pessoas e empresas que prestam serviços de assessoria, consultoria, contabilidade, auditoria ou assistência jurídica ou advocatícia no rol de sujeitos ao mecanismo de controle da Lei Antilavagem a necessidade de postos de gasolina precisarem de autorização da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para formularem combustíveis líquidos, além da obrigação de registrar eletronicamente e a fazer a remessa de dados em tempo real para a ANP.
A oposição deve repetir o mesmo movimento que ocorreu na Câmara e pretende, na votação em plenário, equiparar organizações criminosas ao terrorismo. Governistas criticam essa iniciativa temendo intervenções internas e possíveis impactos econômicos. Na Câmara, o presidente Hugo Motta (Republicanos-PB), barrou essa tentativa.
Veja os principais pontos do projeto de lei:
Bets como fonte de recurso podem enviar até R$ 30 bilhões para o combate ao crime organizado
O projeto usa a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico sobre apostas de quota fixa (Cide-Bets) como fonte de receita, a ser repassada ao Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP). A estimativa é que até R$ 30 bilhões ao ano para o combate do crime organizado. Pelo menos 60% dos recursos anuais arrecadados pela Cide-Bets devem ser destinados à execução descentralizada em ações dos Estados. O Gaeco é um dos beneficiários desse repasse. O Poder Executivo tem seis meses para propor a reestruturação dos fundos nacionais de segurança pública.
Criação do Banco Nacional de Organizações Criminosas
A iniciativa institui o Banco Nacional de Organizações Criminosas (BNOC) que reúne informações sobre integrantes e financiadores do crime organizado no Brasil. O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) terá acesso a esse banco. O texto estimula a cooperação por meio de bancos estaduais interoperáveis. Estados precisam participar desses bancos caso queiram receber repasses do Sistema Único de Segurança Pública (Susp).
Veja os crimes previstos no projeto de lei e a punição
Crime de organização criminosa - Participar, financiar ou promover organização criminosa passa da pena de três a oit anos de prisão, e multa, para cinco a dez anos de prisão, e multa. Agora, quem tentar embaraçar a investigação ou instrução processual está sujeito à mesma punição. Há ainda os agravantes de aumento da pena no dobro para quem comanda a organização e aumento em dois terços da pena dependendo de meios que a organização para cometer crimes;
Fação criminosa - O projeto cria o crime de facção criminosa promover, financiar ou fazer parte de facção criminosa é passível de punição de 15 a 30 anos de prisão, e multa. A pena para os líderes é duplicada e há outros agravantes que podem aumentar a pena em dois terços. Esse crime não é passível de anistia ou fiança. A facção criminosa é definida como "organização criminosa que atue mediante o controle de territórios ou tenha atuação interestadual com o uso de violência, coação, ameaça ou outro meio intimidatório".
Milícia privada - Esse crime, que hoje tem pena de quatro a oito anos de prisão, agora passa para 15 a 30 anos de prisão, já que é equivalente a uma facção criminosa, de acordo com o texto apresentado por Vieira;
Favorecimento a facção criminosa - Favorecer facção criminosa tem pena de 8 a 15 anos de prisão, e multa;
Receptação praticada por organização criminosa - A pena é de seis a dez anos de prisão, e multa;
Recrutamento de criança ou adolescente - Nesse caso, a pena é de cinco a dez anos de prisão, além da pena correspondente à violência ou ao resultado e da pena dos crimes de organização criminosa. Se ainda houver lesão corporal de natureza grave ao menor, a pena é de 8 a 15 anos de prisão;
Agravantes para crimes cometidos por integrante de facção criminosa ou milícia privada - Há aumentos de pena para crimes cometidos por integrantes de facção criminosa ou de milícia privada. São estes homicídio (pena de 20 a 40 anos de prisão), lesão corporal (aumento da pena de três meses a um ano de prisão em 2/3), lesão corporal seguida de morte (pena de 20 a 40 anos de prisão), ameaça (pena de um a três anos de prisão), sequestro ou cárcere privado (pena de 12 a 20 anos de prisão), furto (pena de quatro a dez anos de prisão, e multa), roubo (aumento da pena de quatro a dez anos de prisão no triplo), latrocínio (pena de 20 a 40 anos de prisão, e multa), extorsão (aumento da pena de quatro a dez anos prisão no triplo), extorsão mediante sequestro (aumento da pena de 8 a 15 anos de prisão, em 2/3) e estelionato (pena de 4 a 12 anos de prisão, e multa)
Crimes de tráfico - Todos os crimes sobre tráfico previstos na Lei Antidrogas têm a pena dobrada se cometidos por facção criminosa ou milícia privada.
Crime de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens - A pena, de três a dez anos de prisão, e multa, é aumentada para cinco a 15 anos de prisão, e multa. A pena aumenta para prisão de 10 a 30 anos se o crime for cometido por integrante de facção criminosa ou milícia privada, ou em seu benefício.
Comércio ilegal de arma de fogo - Foi inserido parágrafo para punir com 8 a 16 anos de prisão, e multa, se houver atividade irregular ou clandestina consistir na fabricação de arma de fogo automática ou arma longa semiautomática de uso restrito de elevado potencial ofensivo. Possuir os materiais para fabricação clandestina tem punição de quatro a oito anos de prisão, e multa.
Tráfico internacional de arma de fogo - Todos os crimes relativos ao tráfico internacional de armas têm as penas de de 8 a 16 anos de prisão (com possíveis agravantes), e multa, dobrados se se a arma de fogo for automática ou arma longa de funcionamento semiautomático equiparável a fuzil, metralhadora, submetralhadora, carabina ou espingarda de funcionamento semiautomático, incluindo pistola adaptada para disparar em modo automático.
Gerir fraudulentamente instituição financeira - Esse crime, que hoje tem pena de 3 a 12 anos de prisão, e multa, recebe dois agravantes. Se a gestão é temporária, a pena passa para dois a oito anos de prisão, e multa, com a possibilidade de aumento de 1/3 a 2/3 da pena se os crimes foram cometidos de forma reiterada por organização criminosa.