Há sete anos que o Natal na família do aposentado Antônio Carlos Ratto, 66 anos, não é mais o mesmo. Ou, segundo o próprio, há sete anos que o Natal para ele “não existe mais”. O motivo tem nome: Lucas Pereira, filho caçula de Antônio, desaparecido desde o dia 21 de junho de 2008 da cidade de São Carlos, interior de São Paulo. O menino, que nunca mais foi encontrado, faz aniversário em um dia especialmente dolorido para o pai: 24 de dezembro – quando sumiu, não tinha nem completado quatro anos.
O filho do operador de plataforma aposentado é um dos 1.701 casos de crianças de zero a 12 anos incompletos desaparecidas no Estado de São Paulo desde 2011, quando a estatística começou a ser divulgada pela Secretaria de Segurança Pública. Todos são casos que, como o de Lucas, seguem sem solução.
Nesta segunda-feira, Dia Internacional das Crianças Desaparecidas, casos como o de Lucas começaram a ser levados aos mais de três milhões de passageiros da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM) em vídeos publicitários do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), mantido pelo Ministério Público estadual. Durante um mês, o material será exibido em dez estações da companhia, além de emissoras de TV. Além dos vídeos, cartazes começaram a ser afixados em 92 estações da CPTM em 22 cidades da Grande São Paulo.
“É uma campanha para chamar a atenção das pessoas: não é porque você não tem uma criança desaparecida que você não pode ajudar. Fora que muita gente ainda acha que é lenda essa história de criança desaparecer, ou que alia isso a problemas de família – não é assim”, afirmou a coordenadora do Plid, a promotora Eliana Vendramini.
De acordo com a promotora, que atua há dez anos na causa, a solução desses casos só começou a surtir mais efeito a partir do ano passado, com investigações regionalizadas – antes, eram concentradas em São Paulo.
“A criança é mais vulnerável, muitas vezes não tem consciência de que foi levada por um estranho; muda de feição conforme cresce e é capaz de ser enganada sobre os motivos pelos quais está, de repente, em uma outra família. Isso torna ainda mais difícil para o Estado investigar, daí a importância também de não deixar passar tanto tempo”, considerou a representante do MP, para a qual o número de desaparecidos ainda não solucionados ainda é alto. “Acreditamos que esses números, com o acordo de 2014 para regionaliza a investigação, vá mudar”, definiu.
Nos próximos meses, o programa deverá divulgar um mapa de casos de desaparecimento pelo Estado em parceria com físicos e matemáticos da Associação Brasileira de Jurimetria. A ideia é saber onde eles têm se concentrado e estudar as principais causas. Além de problemas de família – sobretudo agressão e alcoolismo –, além de doenças que incapacitem o cuidado sobre as crianças, outras duas causas de desaparecimento comuns, conforme a promotora, são de natureza criminal: tráfico humano e violência policial. “É muito recorrente a violência policial ser citada em desaparecimentos, principalmente, de jovens do sexo masculino na faixa dos 16 aos 30 anos”, concluiu.
Além do registro do desaparecimento em boletim de ocorrência, o MP alerta para que os casos sejam levados também ao programa – o telefone do atendimento, em São Paulo, é o (11) 3119-7183. Há também site específico sobre a iniciativa.
“É a pior coisa do mundo isso acontecer a um pai"
No caso de Lucas, o desaparecimento aconteceu em São Carlos, onde mora a mãe do menino, em uma das visitas dele a ela – o aposentado, que vive no Rio e, à épica, trabalhava em Macaé (RJ), contou que estava em processo de separação porque, segundo ele, a “ex-mulher estava envolvida com drogas”. Eles têm outro filho, hoje com 14 anos, e Antonio é pai de mais um casal, de um primeiro matrimônio.
“Meu filho desapareceu em um sábado por volta de 10 da manhã. Ele ficava sempre comigo, mas um dia, como eu estava trabalhando, e na plataforma não pode levar celular, um amigo da minha ex-mulher, das Forças Armadas, veio até o Rio e o levou para ela. Uma semana depois, me ligaram e disseram que meu menino havia desaparecido. Assim, do nada. Eu bem que tinha tentado contato antes, quando dava, mas ninguém atendia”, relatou.
Segundo Antonio, a mãe de Lucas alegava que o Rio seria “muito perigoso” para ele morar. “Mas eu moro na Barra da Tijuca [zona oeste carioca], ela mora em um bairro perigoso em São Carlos. No dia em que ele sumiu, ela só apareceu em casa às quatro da tarde – tinha passado a noite fora. Não à toa que eu consegui a guarda do nosso outro filho. Mas como que até hoje ninguém sabe dele? Cheguei a oferecer recompensa – de R$ 30 mil, depois R$ 60 mil e R$ 120 mil –, mas só recebia trote ou golpe de gente querendo se aproveitar do desespero de um pai. Fui até para a Bahia em busca dele, mas era golpe”, lembra.
Ele contou que o trabalho ajudou a lidar com a dor da ausência, mas agora, aposentado, resta “só a fé”.
“É a pior coisa do mundo isso acontecer a um pai – você não consegue imaginar o que aconteceu. Quando eu trabalhava, meu trabalho me exigia muita responsabilidade. Isso me aliviou um pouquinho. Mas já pensei muita coisa – não fiz porque tenho ainda outros três filhos, que, de alguma forma, dependem de mim. Preciso tocar minha vida. Preciso confiar na polícia – afinal, e os impostos que pagamos?”, indaga.
Para o pai, “não resta dúvida” de que Lucas está vivo. “Já busquei ajuda de todas as religiões e todas me pediam calma, me diziam que meu filho está vivo. Continuo com essa fé, porque, sem ela, estou perdido. Mas não tenho mais Natal – ele faz aniversário dia 24, e, dia 25, sei que não vou poder entregar o presentinho e um abraço e beijo para ele. Esse dia de Natal não existe mais para mim.”