Fortes chuvas atingiram a cidade de São Paulo na última semana, levando à queda de energia para mais de 2 milhões de consumidores, depois da passagem de um ciclone extratropical e rajadas de vento que chegaram a quase 100 km/h na semana passada.
A Enel SP, concessionária responsável pela região, disse ter mobilizado um número recorde de até 1,8 mil equipes no ápice da crise, ao longo do dia, segundo nota publicada em seu site, em meio a críticas de que houve falta de pessoal.
Diante da emergência, o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) determinaram que equipes de outras distribuidoras fossem emprestadas de forma emergencial.
O pedido do governo federal resultou em um acréscimo considerado pequeno pela própria Aneel: as chamadas "equipes pesadas" (as que podem de fato restabelecer a energia) emprestadas por outras distribuidoras representaram menos de 5% do contingente que a Enel já mantinha em campo.
A agência colocou este reforço em dúvida em reunião interna, no dia 12 de dezembro, com representantes da concessionária.
O encontro, feito remotamente, contou com o diretor-geral da Aneel, Sandoval de Araújo Feitosa Neto, além de representantes de diversas concessionárias e do Ministério de Minas e Energia.
"Apesar do esforço conjunto, o número de equipes pesadas mobilizadas representou menos de 5% do efetivo total da Enel", reconheceu a Aneel, que levantou dúvidas sobre a capacidade do reforço de "realmente alterar o cenário em eventos extremos."
Uma nota divulgada depois da reunião pela Aneel afirma que foi determinada a disponibilização de 36 equipes das distribuidoras Light, Elektro, CPFL e Cemig, além de outras 40 da Enel do Ceará e do Rio, totalizando 76 grupos capacitados para reconstrução de redes e substituição de postes.
Outro problema identificado foi que a maioria das equipes mobilizadas veio de distribuidoras próximas, que também enfrentavam problemas climáticos, "limitando a disponibilidade de recursos e sugerindo a necessidade de envolver empresas de regiões menos afetadas."
Foi sugerido que se criasse um plano nacional de contingência, simulações ao longo do ano e revisão dos critérios de quantificação e mobilização de equipes para "maior efetividade em situações futuras".
Antes da reunião, a Aneel vinha cobrando respostas da Enel para a crise. Em um ofício enviado no dia 10, a agência pediu esclarecimentos à concessionária em sobre o desempenho da distribuidora na recomposição do fornecimento de energia.
O ofício cita outros episódios semelhantes, em novembro de 2023 e outubro de 2024, que também levaram à interrupção de energia a mais de 2 milhões de consumidores.
No texto, o diretor diz que "a constante recorrência e a gravidade das falhas na prestação do serviço constituem descumprimento de cláusulas contratuais e dispositivos legais e regulamentares, podendo ensejar a recomendação de caducidade da concessão".
Dois milhões de ligações durante crise
Uma apresentação feita pela Enel São Paulo reúne gráficos que, segundo a empresa, mostram a evolução da mobilização de equipes ao longo da crise.
Os dados apresentados indicam aumento progressivo do número de equipes em campo entre os dias 8 e 12 de dezembro, com picos diários concentrados principalmente entre a manhã e o início da tarde.
De acordo com esses gráficos, em alguns momentos o total de equipes ativas teria superado mil, somando equipes leves e pesadas. A participação das equipes pesadas passa a crescer a partir do dia 9.
Segundo a empresa, o call center teria atendido 1,8 milhão de chamadas entre os dias 8 e 12, o equivalente a 244% da capacidade de atendimento no período.
A Enel também afirma que foram disparadas cerca de 2,7 milhões de mensagens por e-mail e WhatsApp aos clientes, com alertas de chuva.
Em comunicado publicado em seu site no dia 14, a concessionária declarou ter mobilizado um número considerado recorde de equipes em campo, que teria chegado a cerca de 1.800 equipes ao longo dos dias de trabalho.
Rompimento de contrato
O Estado de São Paulo já afirmou que vai romper o contrato com a concessionária, segundo anunciaram nesta terça-feira (16/12) o governador Tarcísio de Freitas, o prefeito da capital paulista, Ricardo Nunes, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira.
A agência dará início ao chamado processo de caducidade, que dá partida ao rompimento de contrato com a multinacional italiana.
Ainda não se sabe se há um prazo determinado para esse processo ser finalizado.
A caducidade é a sanção mais grave a que uma concessionária pode ser submetida — normalmente, em caso de descumprimento grave das obrigações contratuais pela prestadora de serviço, por exemplo com problemas severos e reincidência em falhas.
No ano passado, em outubro, quando 2,6 milhões de pessoas ficaram sem energia na capital e ao menos sete pessoas morreram em meio a fortes chuvas, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo (TCM-SP) disse ter identificado "graves falhas" no cumprimento de metas de investimento e na qualidade do atendimento da concessionária.
O órgão sugeriu a realização de auditorias externas, maior transparência nos indicadores de desempenho e a criação de um plano de contingência para situações de emergência.
Dentre os pontos estavam descumprimento de metas de investimento, aumento de tempo médio de atendimento, baixo desempenho de nível de serviço e satisfação do consumidor, redução no quadro de funcionários, dente outros.
Enel cita mudanças climáticas e investimentos de R$ 10 bilhões
A Enel disse, em nota à BBC News Brasil, que, com as mudanças climáticas, a Grande São Paulo "está cada vez mais exposta a eventos metereológicos extremos."
A concessionária afirma que a solução necessária "exige investimentos massivos em redes resilientes e digitalizadas, além da implantação em larga escala de uma rede de distribuição subterrânea" e "um plano estruturado e coordenado com as autoridades públicas, definindo as modalidades mais apropriadas para uma remuneração adequada desse investimento."
"Desde que assumiu a concessão, em 2018, até 2024, a companhia investiu mais de R$ 10 bilhões em São Paulo. Para o período de 2025 a 2027, a distribuidora aprovou um plano de investimentos recorde, atualmente em execução, no valor de R$ 10,4 bilhões", diz a Enel.
Afirmou ainda que, a partir de 2024, "reforçou seu plano operacional e ampliou a força de trabalho na área de concessão com a contratação de cerca de 1.600 novos profissionais para serviços operacionais."
A Enel afirmou que o ciclone provocou a queda de centenas de árvores que dificultaram o acesso às áreas afetadas, sendo 145 árvores diretamente sobre a rede elétrica apenas na capital, o maior número registrado nos últimos 15 meses.
"Em toda a área de concessão, em 2024 e 2025 foram realizadas mais de 630 mil podas, o dobro em relação aos anos anteriores. Somente em 2025, a Enel efetuou cerca de 230 mil podas de árvores na cidade de São Paulo, número muito superior ao amplamente subestimado divulgado nos últimos dias."