As reações do mundo político à decisão do STF que abre caminho para libertar Lula

Ex-presidente está em Curitiba desde o dia 7 de abril, por determinação do juiz Sérgio Moro, que ordenou a execução provisória da pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro

7 nov 2019 - 22h47
(atualizado em 8/11/2019 às 08h48)
Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente cumpre pena em Curitiba
Condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro, o ex-presidente cumpre pena em Curitiba
Foto: Juca Varella/Agência Brasil / BBC News Brasil

* Atualizada às 00h16 de 08/11/19

Em decisão desempatada pelo ministro Dias Toffoli, o Supremo Tribunal Federal (STF) vetou por 6 votos a 5 que réus sejam presos para cumprimento de pena antes do trânsito em julgado dos processos, ou seja, antes que estejam esgotados todos os possíveis recursos a instâncias superiores.

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O julgamento no Supremo abre o caminho para a soltura de até 4.895 presos, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre eles, está o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)

Nas redes sociais, a repercussão sobre o julgamento aparece em diversas hashtags relacionadas ao tema que figuravam nos trending topics por volta das 22h, como #PrisaoEm2InstanciaSim, #LulaLivre e #STFSigaAConstituicao.

Lula está preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba desde abril de 2018, por determinação do juiz Sergio Moro, que ordenou a execução provisória da pena de 12 anos e um mês de prisão pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, no caso do tríplex em Guarujá (SP). Posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) avaliou a questão e reduziu a pena para 8 anos e dez meses.

A prisão foi executada com base na decisão do STF que autorizou prisões após o fim dos recursos na segunda instância da Justiça, em 2016 — o julgamento desta quinta reverteu o entendimento.

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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pontuou, sobre a decisão do STF, "que o Congresso pode mudar isso; enquanto não, cada caso concreto dependerá dos juízes que condenaram e não do STF... Mãos lavadas: a questão continua."

Os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), disseram que não vão comentar a decisão do STF no momento. A mesma posição foi adotada pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO).

O ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação de Lula, Fernando Haddad, disse que o STF já declarou que a a condução coercitiva de Lula foi ilegal, que o vazamento das conversas com a Dilma foi ilegal e que o impedimento de que Lula tomasse posse como ministro foi manipulado. "Falta declarar: a suspeição de Moro por parcialidade".

Reações no PSL

O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), afirmou, em seu perfil no Twitter, que "Soltam bandidos e desarmam o cidadão. Pobre do brasileiro...", disse, sem detalhar a quem se referia.

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Seu irmão, Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro e também filho do presidente Jair Bolsonaro, comentou com um "Meu Deus!" um tuíte do PSOL comemorando a decisão do STF.

A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) chamou o voto do ministro Dias Toffoli de "uma vergonha" e uma surpresa, já que ele havia se posicionado, em 2016, pela prisão após 2ª instância.

"Como presidente do STF, deveria se posicionar pelo bem supremo DO BRASIL, e não tomar uma decisão que pode trazer insegurança jurídica ao país". "Toffoli perdeu a melhor oportunidade de sua vida de mostrar que pensa NO BEM DO PAÍS, e não na sua história passada", afirmou a deputada.

Cerca de uma hora antes do fim do julgamento, a deputada Joice Hasselmann (PSL-SP) criticava a fala de Toffoli durante o voto, que indicava que ele proibiria as prisões antes do trânsito em julgado. "É triste ver que o Brasil segue firme de mãos dadas com a impunidade".

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Hoje deputado federal, Julian Lemos (PSL-PB) coordenou a campanha de Bolsonaro no Nordeste nas eleições de 2018 e era um dos deputados mais próximos do presidente — hoje, ele está ao lado de Luciano Bivar (PSL-PE), na disputa interna do partido.

À BBC News Brasil, ele disse que esta quinta-feira foi "um grande dia para a impunidade, e um triste dia para a Justiça" — segundo ele, a decisão será um estímulo ao crime, e favorecerá os crimes de colarinho branco. Lemos também disse acreditar que, mesmo que Lula se torne candidato, não será competitivo.

"O Brasil hoje não aguenta outro governo de esquerda, independentemente de se é o Lula, o Ciro (Gomes, do PDT), a Marina (Silva, da Rede), não é isso que o Brasil hoje almeja. Se não, o Bolsonaro não tinha sido eleito", afirmou.

Em nota, o presidente da Associação Nacional do Ministério Público (Conamp), Victor Hugo Azevedo, afirmou que o STF tomou decisão equivocada ao reverter a atual jurisprudência que autoriza o início da execução da pena após condenação em 2ª instância.

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Major Olímpio, líder do PSL no Senado, afirmou que "mais uma vez ministros do STF votaram a favor de criminosos e quem sofre com isso é a população". 

"6x5 contra o povo brasileiro, fazendo do Brasil o país da impunidade! FESTA DA BANDIDAGEM!", tuitou o senador.

O papel do Congresso

O senador Renan Calheiros disse que o STF acertou na decisão. "Prisão antes do fim dos recursos virou mecanismo político de tortura e pressão".

"Lamento a decisão do STF e reafirmo a preocupação do Ministério Público brasileiro com o provável retrocesso jurídico, que dificulta a repressão a crimes, favorecendo a prescrição de delitos graves, gerando impunidade e instabilidade jurídica", afirma.

Para o ex-senador Cristóvam Buarque (Cidadania-DF), a soltura do ex-presidente Lula seria uma boa notícia — mas não da forma como foi feita pelo Supremo Tribunal Federal.

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"A prisão do Lula é ruim para a imagem do país no exterior e para a política interna. Eu desejo ver o Lula livre, mas não desta forma. O Lula vai ser libertado ao custo da liberdade de pessoas que não merecem", disse ele à BBC News Brasil.

Ex-ministro da Educação no governo do petista, Cristóvam disse ainda acreditar que a soltura do ex-presidente diminuirá a polarização na sociedade — e não o contrário.

"O Lula cresceu na prisão. A liberação diminui a figura dele, pela forma como foi feita. Como o que o Lula solto vai acirrar os ânimos? Acho que o Lula solto vai ter menos espaço na mídia que o Lula preso", disse, acrescentando que a soltura do ex-presidente encerra a narrativa sobre "preso político". "Ele será solto como um preso comum", diz.

A deputada federal Bia Kicis (PSL-DF) escreveu em sua conta no Twitter que o Congresso precisa priorizar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição 410, de 2018, que prevê a prisão após condenação em segunda instância e que está sendo aprecida pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados .

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"Na CCJ, há a PEC 410, que um grupo de deputados tem obstruído. Vamos unir os parlamentares que entendem a necessidade de pormos fim ao sistema cruel de impunidade que grassa no país. Bóra trabalhar!", disse.

O deputado federal Alex Manente (Cidadania-SP), autor da PEC 401, afirmou que, "agora com a decisão do Supremo, precisamos nos unir para acelerar esse processo e ir pra votação #PrisãoEm2ªInstânciaJá".

O ex-deputado e presidente nacional do Cidadania (antigo PPS), Roberto Freire, disse que o STF "mudou mais uma vez um entendimento que era pacífico" no sistema de Justiça, sobre o início da pena já depois da segunda instância.

"Espero que o Congresso aprove medida para eliminar qualquer dubiedade (em relação à prisão em segunda instância)".

Freire também disse que a polarização política no Brasil começou justamente nos governos do PT.

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"Esse clima de acirramento começou lá atrás, com o PT, não nos esqueçamos, e o Bolsonaro é fruto disso. Eles (PT e Bolsonaro) se retroalimentam", disse. "A soltura do Lula pode aumentar o nível de atrito, mas acho que existe um certo sentimento, que é crescente na sociedade, de que precisamos superar o extremismo na política. A consciência disso está aumentando", disse ele à BBC News Brasil.

O ex-candidato à Presidência pelo partido Novo, João Amoedo, afirmou que "Infelizmente o STF tomou uma decisão contrária a um Brasil sem impunidade". 

"Cabe agora ao Congresso reverter e possibilitar, mais uma vez, a possibilidade de prisão em segunda instância. A bancada do NOVO fará sua parte, defendendo um Brasil mais seguro e sem impunidade", escreveu no Twitter.

Comemorações na esquerda e na Argentina

A presidente do PT, Gleisi Hoffman, exaltou a decisão do STF ao dizer que ela fortalece a democracia e a Constituição, que estão, ao seu ver, "ameaçadas pelo governo de extrema-direita". 

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"Também reconheceu, depois de 1 ano e 7 meses, que Lula ficou preso ilegalmente. A crueldade termina aqui. Seguiremos lutando pela justiça, que é anulação da sentença de Moro. A verdade vencerá", escreveu a deputada federal pelo Paraná.

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) afirmou que o "STF fez justiça". 

"O Brasil cura uma de suas feridas! Vamos em frente! Lula vai voltar pro meio do povo. Vai encontrar o povo que o esperou todo esse tempo. Abraços, beijos, lágrimas. O Brasil te aguarda, querido", disse a deputada.

Fora do país, o recém-eleito presidente da Argentina, Alberto Fernández , também se manifestou. "Valeu a pena a demanda de tantos!", comemorou, usando a hashtag #LulaLivreAmanhã!.

O julgamento

O caso mais avançado contra o petista, o do tríplex do Guarujá, ainda tem recursos pendentes. Isto é, ainda não transitou em julgado.

Votaram a favor da prisão apenas depois do trânsito em julgado os ministros Marco Aurélio Mello, relator do caso, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do STF.

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Já a tese derrotada — a favor da prisão em segunda instância — foi defendida pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

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Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil / BBC News Brasil
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Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil / BBC News Brasil
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