Uma mulher negra de tranças presas em um coque lateral adentra o espaço do auditório repleto de outras mulheres, assim como ela, negras de escuras tonalidades em contraste com os coloridos de suas roupas e turbantes. Com passos firmes e equilibrados em um fino sapato de salto, ela passa por um altar onde frutas, flores e bebidas estão dispostas em oferecimento aos orixás, co anfitriões da cerimônia. A mulher que entra aplaudida de pé é Francia Márquez, advogada, defensora ambiental e vice-presidente da Colômbia, hoje uma das maiores lideranças negras do mundo.
No dia 25 de julho a vice-presidente colombiana reuniu lideranças negras de diferentes países na cidade de Bogotá para o "Encontro Internacional de Mulheres Afrodescendentes: Tecendo desde a Raiz". Além do presidente colombiano Gustavo Petro, o evento contou com a participação de Anielle Franco, ministra da igualdade Racial do Brasil. As lideranças assinaram um memorando de entendimento entre os dois países para o combate ao racismo e promoção da igualdade racial.
O memorando, com vigência de cinco anos, prevê a troca de experiências nas áreas de combate e superação do racismo, produção acadêmica e científica, e políticas para povos tradicionais. À Alma Preta Jornalismo, Francia Márquez destacou a luta do movimento negro brasileiro, que, nas palavras dela, "resiste para romper as opressões do racismo estrutural".
"Quero mandar um abraço forte a todas as mulheres do Brasil e em espacial as mulheres afrodescendentes e ao movimento negro. Tivemos aqui presentes mulheres de vários países, Estados Unidos, Quênia, Nigéria, Zimbabue, Brasil. Acabamos de firmar um memorando de entendimento entre o Ministério de Igualdade Racial do Brasil e o Ministério de Igualdade e Equidade da Colômbia para trabalhar e combater as discriminações e o racismo que afeta esses dois países", afirmou.
"Nosso objetivo é tecer caminhos conjuntos. Tristemente o racismo e a herança colonial fizeram muitos danos ao nosso país e ao mundo. A discriminação e a violência impediram que sabedorias e práticas culturais das mulheres e dos povos afrodescentes fossem valorizados como merecem. Comemoramos o dia de hoje com este evento porque queremos dizer à Colômbia e ao mundo que as mulheres afrodescendentes têm muito que ensinar as nossas sociedades", acrescentou Francia.
De acordo com informações do governo brasileiro, os dois países poderão promover intercâmbio bilateral envolvendo organizações da sociedade civil que tratam da promoção de direitos como os educacionais, sociais, culturais e sua relação com o combate à discriminação e a promoção da equidade racial, além de intercâmbio de estudantes e de docentes, de modo a ampliar as experiências formativas de brasileiros/as em temas afetos aos países latino-americanos e caribenhos.
Durante seu discurso, Francia Márquez alertou que a transgressão é uma política de sobrevivência pela qual as mulheres negras têm conquistado suas pautas e espaços. "Na minha infância como mulher afrodescendente, como filha não só de minha mãe, mas de minha comunidade, aprendi que obedecer pode ser perigoso. Se não fosse pela rebeldia das mulheres de minha comunidade, teriam secado os nossos rios, os rios que são nossos pais e mães, esses rios que são nossos guias, que são a vida em si mesmo. Seguramente, se não fosse pela rebeldia das mulheres negras no mundo, o curso da história da humanidade teria permanecido na infâmia", declarou.
Anielle Franco e Erika Hilton fazem discursos emocionantes
A ministra Anielle Franco se emocionou ao falar sobre a irmã, Marielle Franco — vereadora assassinada em 2018 no Rio de Janeiro — e a importância de mulheres negras ocuparem cargos de poder.
"Quanto mais disserem que não podemos, mais vamos chegar, quanto mais disserem que não somos capazes,mais nós vamos produzir. Quanto mais eles disserem que vão nos calar e silenciar, mais vamos falar e gritar com nossa voz. Eu repito essa frase diariamente desde que assumi o Ministério da Igualdade Racial. Eles dizem que o nosso jeito não é para a política, meu jeito de falar, de andar, de sorrir e de me comunicar, mas é sim, porque não vou mudar para entrar na política, é a política que tem que mudar para que nós mulheres negras estarmos nela em todos os lugares do mundo", descreveu.
A deputada federal Erika Hilton (PSOL/ SP) também presente no evento compartilhou com a plateia seu papel no Congresso brasileiro.
"Ser uma mulher negra e travesti no país no mundo que mais mata essa população e tentar fazer política pública é um grande desafio. Nos ver nesse cenário e ver como a política de nosso país nos quer ver morta, somos agredidas verbalmente, nos interrompem e quando nossa atuação é desmerecida por nossos companheiros, é desafiante. Mas nós temos um propósito e sabemos a forma como o levamos ao parlamento e é isso que nos leva à política institucional, porque nossa presença implica que haja uma ruptura de um processo de aniquilação de nossas subjetividades", detalhou.