“Quero acabar com as consultorias de imagem”, diz especialista em identidade preta

Pode parecer contraditório, mas a consultora de imagem Cáren Cruz trabalha para que sua atividade seja extinta

19 nov 2025 - 05h00
Resumo
Consultora atua para desconstruir padrões de vestimenta no mundo corporativo que anulam a identidade preta, promovendo autoconhecimento e empoderamento para que pretos e pretas não precisem de validação externa por suas roupas no ambiente de trabalho.
Débora Monteiro A trajetória de relações públicas de Cáren Cruz é paralela a de empreendedora. Seu trabalho é ressignificar a imagem corporativa.
Débora Monteiro A trajetória de relações públicas de Cáren Cruz é paralela a de empreendedora. Seu trabalho é ressignificar a imagem corporativa.
Foto: Débora Monteiro

Pretas e pretos, sobretudo periféricos, ao chegarem a altos cargos corporativos, enfrentam um dilema que quem está de fora dificilmente imagina: a opressão da roupa. O código de vestimenta, com cores discretas de inspiração europeia, desconsidera a identidade preta. Mas romper padrões não é simples, embora esse seja justamente o trabalho de Cáren Cruz.

Mulher preta periférica do bairro da Liberdade, em Salvador, formada em Comunicação Social, ela tem 41 anos, trabalha no ramo há 23 anos e abomina consultorias de moda, apesar de atuar no ramo. “O que eu mais quero é que isso acabe no prazo mais curto possível. Temos que acabar com a ideia de que as pessoas precisam dessas consultorias. É preciso construir identidade, não imagem”, diz a fundadora da Pittaco Consultoria.

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Cruz passou por ambientes corporativos como mulher negra, observou negros tentando se adaptar e se rebelou. Começou com um blog, vendeu roupas, fez e faz palestras, cursos, debates. E presta consultoria em prol da desconstrução da tradição e do empoderamento de pretas e pretos. O sonho é que não precisem recorrer ao (com duplo sentido) modelo. Veja o que ela diz em entrevista exclusiva ao Nós.

Imagem de executivos “com status” gerada pelo ChatGPT. Contenção de cores e formas atende ao modelo do mundo corporativo, mas faltam itens de luxo, como relógio e sapatos. Para a inteligência artificial, imagem de pretas e pretos em altos cargos só vai até a cintura.
Foto: Reprodução ChatGPT

O que o mundo corporativo te ensinou sobre vestimenta?

Para ser respeitado, visto, ouvido, principalmente mulheres, precisa estar no padrão. Eu era criativa, mas não como uma líder, era a leitura social. Havia um código, uma determinação que a gente não falava. Tudo era silencioso. Comecei a discutir e vim para a rede social falar sobre isso.

Começou com uma questão pessoal, então?

Entrei nessa causa de consultoria de imagem porque fui vítima desse processo. Foram anos tentando ressignificar algo em mim, que me anulava. Então eu tinha que ser uma consultora de imagem para falar disso, desfazendo isso. Não era mimimi na rede. Eu vim para esse universo justamente para acabar com ele.

Cáren Cruz não se conforma com as contradições entre a identidade preta e a moda imposta pelo ambiente corporativo.
Foto: Laila Andrade

Qual o drama da mulher preta em altos cargos no ambiente corporativo?

O drama maior é a cor de pele, um demarcador social, então se pessoa negra quiser progressão de carreira, ser respeitada, precisa pensar na aparência, uma aparência de pessoa com status. Não tem como habitar o ambiente corporativo querendo ser ela mesma, ela vai enfrentar a guerra do sonho dela e do racismo.

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E o que as consultorias tradicionais indicam para essa mulher?

Alise cabelo, esqueça corres vibrantes, use roupas de alfaiataria, marcas e grifes, deixe de ser expansiva. Ela começa a ver que a identidade dela não pertence ao mundo corporativo, ela para de tomar sol, por exemplo, para não escurecer mais. Ela entende que, se não fizer o jogo, está fora.

Na sede da Pittaco Consultoria, em Salvador, Cáren Cruz, que questiona teorias eurocêntricas da moda no ambiente corporativo.
Foto: Débora Monteiro

É diferente para os homens?

Para o homem, ainda contam os objetos de marca e de validação, algo que pareça caro, tem muito isso na consultoria de imagem, que eu chamo de limbo do mais do mesmo. Homens precisam do sapato de couro, óculos, cabelo alinhado, barba feita. Deve usar tons neutros.

O que fazer entre atender aos gostos pessoais ou as exigências do mundo corporativo?

Minhas clientes querem ser chefe sem salto alto, sem maquiagem e sem grife. O que eu trabalho é busca do autoconhecimento. Existem muitas pessoas que não se conhecem e procuram artefatos para se esconderem, a aparência é um desses recursos. Tudo parte da questão do autoconhecimento, sem segurança não se conquista qualquer coisa.

Mas a pessoa pode se prejudicar na carreira.

Os fatores externos minam, mas as pessoas que têm autoconhecimento reverberam segurança, não precisam de validação, não estão sempre preocupadas com o que os outros vão pensar. O me trabalho é orientar para a pessoa procurar se garantir, para se sentir livre, do jeito que quiser.

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Fonte: Visão do Corre
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