Quem é Iansã, divindade de matriz africana alvo de caso de intolerância religiosa em escola de SP

Caso veio à tona após pai ter acionado a PM contra a instituição por causa de um desenho de orixá feito por sua filha de 4 anos

19 nov 2025 - 19h26
(atualizado às 20h39)
Resumo
Pai aciona a Polícia Militar após sua filha de 4 anos desenhar Iansã, divindade de matriz africana, em atividade pedagógica sobre diversidade cultural em escola de São Paulo, gerando debate sobre intolerância religiosa e racismo.
Quem é Iansã, divindade de matriz africana alvo de caso de intolerância religiosa em escola de SP
Quem é Iansã, divindade de matriz africana alvo de caso de intolerância religiosa em escola de SP
Foto: Reprodução/Tenda de Umbanda Nossa Senhora das Graças

O pai de uma aluna acionou a Polícia Militar após a criança desenhar uma divindade de matriz africana durante uma atividade escolar, em São Paulo. Segundo o homem, a menina teria sido obrigada a participar da prática em uma “aula de religião africana”.

A divindade representada era Iansã, orixá associada aos ventos e às tempestades. Ela é comumente retratada como uma figura feminina vestida de vermelho, empunhando uma espada e um tipo de chicote chamado eruexim.

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“Iansã é um título da divindade chamada Oyá. Yansã é uma corruptela, a junção desse título, que é uma frase na língua iorubá: ‘Iya mèsàn orun’, que significa ‘Mãe dos Nove Espaços Siderais’ — Aquela que transita em todos os céus, por todo o infinito do universo. Por isso, ela está associada ao elemento ar, ao vento”, explica ao Terra o babalorixá, professor de cultura iorubá e autor da obra Orí: A Cabeça Como Divindade, Márcio de Jagun.

Segundo ele, Iansã é uma das esposas míticas de Xangô, outra divindade da mitologia iorubá, e é conhecida por sua postura guerreira. “Ela também tem a capacidade de se transformar, em búfalo, assim como em borboleta, demonstrando a característica maravilhosa que as mulheres têm de serem fortes, potentes e, ao mesmo tempo, delicadas e sensíveis, capacidades introjetadas na figura de Oyá”, completa.

Entenda o caso

O episódio ocorreu na terça-feira, 11, na Escola Municipal de Ensino Infantil (Emei) Antônio Bento, no Caxingui, Zona Oeste de São Paulo. Segundo informações do Estadão, o desenho foi produzido após a leitura do livro Ciranda de Aruanda, que integra o acervo da Prefeitura.

Ao saber da atividade, o pai da criança procurou a professora e a equipe gestora para questionar o trabalho. Ele afirmou ser contrário à proposta e disse não permitir que a filha fosse submetida àquele tipo de ensino.

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As responsáveis explicaram que a atividade tinha caráter pedagógico e buscava promover uma educação antirracista. No dia seguinte à reclamação, policiais militares foram até a escola. Testemunhas relataram que os agentes teriam intimidado a diretora da unidade, acusada de praticar cultos religiosos, o que a levou a pedir afastamento do cargo.

Em nota ao Terra, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) afirmou que a Polícia Militar instaurou procedimento para investigar a conduta da equipe - composta por quatro policiais da 2ª Cia do 16º BPM/M -, que inclui a análise das imagens das câmeras corporais e a coleta de depoimento dos envolvidos.

Já a Polícia Civil instaurou um inquérito policial, por meio do 34º Distrito Policial (Vila Sônia), para investigar o eventual crime de intolerância religiosa praticado pelo pai da criança. 

"As partes envolvidas serão intimadas para prestar depoimento. A unidade também vai requisitar imagens de câmeras internas e externas, além da cópia da atividade pedagógica que teria sido rasgada pelo investigado. Demais diligências seguem em andamento para o completo esclarecimento do caso", afirmou a pasta. 

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É fundamental transitar entre as culturas, diz especialista

Jagun ressalta que a escola é um ambiente de aprendizado e reflexão. Para ele, é essencial que as crianças tenham a oportunidade de conhecer diferentes culturas e ampliar seus horizontes. “Quanto mais diversidade se oferecer a elas, melhores cidadãos e cidadãs serão. Melhor lidarão com a diversidade de culturas e crenças. Melhor poderão optar, elas próprias, por suas formas de discernir — inclusive em relação à fé”, afirma.

“É óbvio que a escola não é um templo, não é um espaço de proselitismo religioso. E nem é necessário. A grande questão é retirar o preconceito desse ambiente. As religiões de matriz africana padecem de um preconceito que, além de religioso, é étnico. Tudo que vem da África é imediatamente rejeitado, antes de qualquer coisa, por sua origem negra. Então, é preciso entender que as crianças são diversas. É necessário discernir até que ponto, quando as escolas retiram esse debate do ambiente escolar, estão sendo racistas”, conclui o escritor.

Fonte: Portal Terra
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