Os 60 anos da Globo ajudaram a estereotipar os homens negros

Apesar dos avanços na questão racial na indústria do entretenimento, estamos longe de reparar dos danos de outrora

30 abr 2025 - 11h44
Cena do filme sobre o cantor, ator e comediante Mussum
Cena do filme sobre o cantor, ator e comediante Mussum
Foto: Divulgação / Reprodução

Essa semana tivemos a festa dos 60 anos da Globo. Uma comemoração bacana onde passeamos pela história da maior emissora do Brasil. É claro que uma visão romantizada nesse momento é totalmente esperada, contudo cabe a nós relembrarmos que nem tudo são flores nesse período.

Corroborar com golpe militar, ignorar o comício das "Diretas Já", editar o debate de 1989 que beneficiou Collor em detrimento de Lula e, ao meu ver, colaborou pelo ódio ao PT, golpe contra Dilma e a ascensão do bolsonarismo. Para além da política e do jornalismo, outros produtos da indústria cultural da emissora também falharam de maneiras grotesca em relação aos estereotipos de homens negros brasileiros.

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Muçum dos Trapalhões era constantemente alvo de racismo pesado. Fora isso, as piadas rondavam pelo fato do personagem ser também cachaceiro, desempregado e sem nenhum senso de compromisso. E não cabe a carta do anacronismo não, em todas as épocas existiram pessoas que lutavam e combatiam todo o tipo de opressão.

Outro grande ator que fez um papel que deturpava a imagem do homem negro foi o gradioso Lázaro Ramos. Foguinho era desonesto, odiava trabalhar, mulherengo e não tava nem ai para vida. Um pouco mais recente, tivemos o Jonathan Azevedo com o Sabiá, traficante, violento e sem perspectiva de uma vida longínqua.

Quem não se lembra de Cigano, da Senhora do Destino? O papel do Ronnie Marruda marcou tanto que, ao que me consta, as pessoas tomaram ojeriza até pelo ator. O papel dele era de um abusador, agressivo, pai totalmente displicente e com problemas com a justiça.

Ailton Graça fez alguns papéis que poderiam estar aqui, mas resolvi trazer o Feitosa, de América, aquele cara que ignorava uma esposa amorosa, traía e não queria saber de nada a não ser a vida boêmia.

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Quando a gente ia para negros que já não tinham o estereotipo de pobre, as coisas não melhoravam. Rocco Pitanga fez um personagem emergente, era motorista com talentos para os negócios, mas ao longo da trama era nítido seu recalque, inveja (do personagem branco) e sua repulsa a pobreza da sua família. João, personagem de Rafael Zulu em Sol Nascente, era um capanga que estava sempre bem alinhado, naquele mesmo padrão de vergonha dos pais pobres, egocêntrico e manipulador.

Muitas das coisas não haveria o menor problema se essas novelas, e os elencos da globo como um todo, tivessem dezenas de pessoas negras. Porém, estamos falando de uma época não tão distante assim, onde a grande maioria dos elencos principais tinham apenas duas pessoas negras, ou uma família negra.

Porteiros, empregadas domésticas, gari, zelador, e qualquer personagem figurante com profissões subalternizadas, era repleta de pessoas negras. Quando falamos de grandes vilãs como Nazaré Tedesco, Carminha ou Flora, falamos de atrizes com muita bagagem, que já fizeram de tudo na TV, que são conhecidas por dezenas de personagens e que já foram vistas de formas distintas dentro da televisão. Estamos falando também de atrizes que eram só mais uma pessoa branca, em um mar de outras pessoas brancas, em produtos pensados, escritos e produzidos por pessoas brancas. Logo, era só mais um papel.

Com isso não estou querendo culpar os atores negros que aceitaram os papéis, não. Longe disso. Acho que eles são o pináculo dessa nova geração e fizeram o que tinha que ser feito à época para realizarem seus sonhos e das suas famílias.

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Acredito também que, apesar do perfil dos personagens, eles entregaram e deram esperança a jovens atores de galgarem espaços na dramaturgia brasileira. O fato aqui é que a TV ajudou a disseminar o preconceito e que demorará anos para ser reparado.

O que espero é que os próximos 60 anos da Rede Globo de televisão eles busquem rever seus erros do passado, para que não os cometa mais, enquanto buscam reparar os danos que fizeram aos homens negros e às pessoas negras como o todo, porque diferente do que muitos acreditam, os meios de massa e os produtos da indrustria cultural são, também, responsáveis por disseminar e determinar o que é bonito, o que é feio, o que é bom, o que é mau, o que é almejado, o que é detestado e, sobretudo, o que deve ser respeitado e o que deve ser desprezado.

Fonte: Luã Andrade Luã Andrade é criador de conteúdo digital na página do Instagram @escurecendofatos. Formado em comunicação social e membro da APNB. Luã discute questões étnico raciais há dez anos e acredita que o racismo deva ser debatido em todas as esferas da sociedade.
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