Era mais uma noite de balada na capital paulista. Em uma boate gay, algumas centenas de homens dançavam, bebiam, e mexiam constantemente em pequenos saquinhos plásticos, os chamados "ziplocks". Dentro deles, o conteúdo pode variar: há quem prefira cocaína, outros, levam "kay", apelido dado à quetamina. Tem LSD, ecstasy e MD também. O objetivo vai além de ter uma noite mais divertida ou perder a timidez. O desejo máximo é o sexo.
O conceito de chemsex, também conhecido como "sexo com drogas", refere-se à prática de consumir substâncias psicoativas durante as relações sexuais com o objetivo de reduzir a inibição ou aumentar a sensação de prazer. Essa definição foi fornecida pelo doutor Vinícius Borges, um infectologista especializado pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais, que é um defensor dos direitos humanos e criador do Canal Doutor Maravilha, uma plataforma que discute temas como saúde LGBT+, diversidade e HIV.
Luiz* é um dos rapazes que costuma frequentar festas como a citada no início do texto. O jovem de 29 anos é um homem gay e se considera extremamente vaidoso e sexual. "Dizem que sou uma 'gay padrão', e acho que sou mesmo. Malho bastante para agradar no Grindr", brinca ele, referindo-se ao aplicativo de encontros exclusivo para pessoas que se identificam com o gênero masculino. Sobre o chemsex, ele acredita que sempre existiu, mas parece estar cada vez mais exposto. "Não é novidade isso de droga na balada, sempre teve, principalmente na comunidade LGBTQIAPN+. Acho que agora as pessoas estão menos tímidas e falando mais sobre. Quetamina e MD são de lei", confessa ele, que assume já ter transado no banheiro de uma festa após consumir cocaína.
"Você vai lá no banheiro e já começam umas trocas de olhares, é comum entrarem dois ou mais homens juntos e rolar algo lá dentro, todo mundo sabe que acontece. Tem casa que deixa até um espaço reservado para quem quiser ir mais além", conta.
Efeitos psíquicos
De modo geral o uso de drogas pode ter efeitos estimulantes ou inibidores no que refere ao desejo sexual e a libido, vai depender do tipo de droga, do uso, da quantidade e até da reação do corpo, o que é absolutamente individual. Porém, para além dos efeitos físicos no corpo, o uso recreativo também afeta a mente.
"O uso recreativo é aquele que acontece de forma esporádica e em situações de lazer e entretenimento, e ainda assim, deve-se considerar que muitas drogas têm efeito excitatório e alucinógeno e podem levar a uma maior desinibição, maior ânimo e euforia, de forma que as pessoas podem sentir-se mais livres para novas experiências, aumentando o desejo sexual e consequentemente a exposição e disposição para o sexo", explica a psicóloga Flávia Rosana, do consultório Itaigara Memorial.
O aumento da impulsividade e da compulsividade, associado ao uso de drogas, pode levar a comportamentos de risco e, consequentemente, aumentar a probabilidade de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), como a infecção pelo vírus HIV. Além disso, o uso frequente de substâncias psicoativas pode levar à dependência química, tornando-se um fator agravante para a saúde mental e física. A vulnerabilidade que os efeitos químicos proporcionam também precisa ser considerada.
"As drogas podem afetar a capacidade de uma pessoa no consentimento sexual. Muitas afetam o sistema inibitório, comprometendo a capacidade crítica e reduzindo o juízo de valor, por isso a pessoa torna-se mais vulnerável. Não é novidade de que isso pode ser evitado com a abstinência, o não uso, no entanto, hoje fala-se muito na redução de danos a partir do consumo consciente e responsável das drogas, que vai depender muito da droga que se utiliza e da individualidade de cada um", explica a especialista.
As mais pedidas
Durante o chemsex, os indivíduos utilizam diferentes tipos de drogas para alcançar sensações específicas. As substâncias mais comuns incluem álcool, maconha, cocaína, quetamina, ecstasy, LSD, GHB, Crystal (metanfetamina) e Popper (vasodilatador). Essas drogas possuem em comum o efeito de estimular uma maior liberação de neurotransmissores cerebrais relacionados ao prazer, relaxamento e bem-estar, como a dopamina e a serotonina. Porém, o uso excessivo dessas substâncias pode levar a graves consequências para a saúde física e mental dos usuários.
Como as substâncias atuam
Álcool: Atua como um depressor do sistema nervoso central, diminuindo a ansiedade e inibindo as funções motoras e cognitivas.
Maconha: Atua como um estimulante do sistema nervoso central, produzindo sensações de relaxamento, euforia e alteração da percepção sensorial.
Cocaína: Atua como um estimulante do sistema nervoso central, aumentando a sensação de euforia, energia e excitação sexual.
Quetamina: Atua como um anestésico e alucinógeno, produzindo um efeito dissociativo, sedativo e analgésico.
Ecstasy: Atua como um estimulante do sistema nervoso central, produzindo sensações de euforia, empatia, aumento da sociabilidade e da energia física.
LSD (ácido lisérgico): Atua como um alucinógeno, produzindo alterações visuais, sensoriais e de percepção do tempo e do espaço.
GHB (gama-hidroxibutirato): Atua como um depressor do sistema nervoso central, produzindo sensações de relaxamento, euforia e diminuição da inibição sexual.
Crystal (metanfetamina): Atua como um estimulante do sistema nervoso central, produzindo aumento da energia, da libido e da sensação de prazer.
Popper (vasodilatador): Atua como um vasodilatador, aumentando o fluxo sanguíneo e relaxando os músculos, produzindo sensações de prazer e diminuição da inibição sexual.
Alertas
A psicóloga Flávia Rosana alerta para os riscos do chemsex, que vão além da questão da dependência química. Segundo ela, "com a desinibição provocada pela droga a tendência é um aumento no número de parceiros e que as relações sexuais aconteçam sem proteção, o que pode gerar também uma gravidez indesejada". Além disso, a vulnerabilidade a situações de violência sexual também é um risco, assim como problemas de saúde física como aumento dos batimentos cardíacos e até mesmo overdose.
Para abordar e tratar problemas sexuais relacionados ao uso de drogas, Flávia Rosana destaca a importância de procurar ajuda profissional médica e psicológica. Ela enfatiza que existem tratamentos específicos que podem aliar o uso de medicações com diversas abordagens psicoterápicas. É importante ressaltar que, hoje em dia, não se fala apenas em abstinência, mas sim em estratégias de redução de danos do uso de drogas, como a instrução do usuário sobre a quantidade de drogas a ser consumida, a melhor forma de uso e prevenção de efeitos colaterais negativos.
Flávia Rosana aponta para a necessidade de uma abordagem mais ampla e integrada para tratar questões relacionadas ao chemsex e ao uso de drogas. Ela destaca que "os riscos à saúde física e mental são muito grandes e é preciso levar em consideração o contexto social em que esses indivíduos estão inseridos, além de fatores como a orientação sexual e identidade de gênero". Nesse sentido, é importante que profissionais de saúde estejam preparados para oferecer um atendimento que leve em conta as particularidades de cada indivíduo e o contexto em que ele vive.
Redução de danos
A redução de danos no chemsex é uma abordagem que busca minimizar os riscos à saúde e as consequências negativas associadas ao uso de drogas durante o sexo. É importante destacar que essa abordagem não incentiva o uso de drogas, mas sim fornece informações para que os usuários possam reduzir os danos causados pelo uso.
Algumas dicas para a redução de danos no chemsex são: limitar a quantidade de drogas usadas, evitar o uso de drogas injetáveis, escolher parceiros sexuais de confiança, usar preservativos e lubrificantes, manter-se hidratado, estabelecer limites claros com os parceiros sexuais, evitar o compartilhamento de objetos como seringas ou cachimbos e ter um plano de emergência caso algo dê errado. É importante lembrar que a redução de danos não é uma solução definitiva, mas sim uma forma de minimizar os riscos associados ao uso de drogas durante o sexo. O ideal é buscar ajuda profissional e tratamento para superar o uso de drogas.
*Nome fictício para preservar a identidade dos personagens.